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Por Darwin/Estructura do coração nos Edriophthalmos

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CAPITULO VI


Estructura do coração nos Edriophthalmos




Apenas menos frisante do que exemplo dos carangueijos que respiram o ar, é a conducta do coração no grande grupo dos Edriophthalmos que, pode vantajosamente ser dividido, segundo o exemplo de Dana e Spence Bate, somente em duas ordens, — os Amphipodes e os Isopodes.

Nos Amphipodes, aos quaes os naturalistas. supra mencionados, referem correctamente os Caprellidros e Cyamideos (Læmodipoda de Latreille), o coração tem sempre a mesma sede; elle se estende na forma de um longo tubo, atravez dos seis segmentos seguintes á cabeça e tem tres pares de fendas, fornidas de valvas, para a entrada do sangue, situadas no segundo, terceiro e quarto desses segmentos.

Descobriu-se ser elle d'essa estructura, por La Vallete, em Niphargus e, por Claus, em Phronima; e eu o descobri, da mesma forma, em um consideravel numero de especies pertencentes ás mais diversas familias. [1]

FIG. 16 — Abdomen de um macho de Entoniscus cancrorum; H — coração, L — fígado.

A unica excepção e essa sem importancia que eu encontrei, é apresentada pelo genero Brachyscelus, [2] em que o coração possue sómente dous pares de fendas, pois que elle se projecta para frente só até o segundo segmento somatico; e é destituido do par de fendas situadas n'este segmento, mas outras formas. [3]

Considerando esta uniformidade apresentada pelo coração em toda a ordem dos Amphipodes, não póde deixar de parecer muito notavel que, mas ordens muito visinhas dos Isopodes, encontremol-o como um dos orgãos mais variaveis.

Nos Isopodes cheliferos (Tanais) o coração se assemelha ao dos Amphipodes, tanto na sua forma alongada, tubular, como no numero e posição das fendas, com a differença porém, de que as duas fendas de cada par, não ficam oppostas directamente uma a outra.

Em todos os outros Isopodes o coração é recuado para o abdomen. Nos Isopodes, admiravelmente deformados, parasitas das Porcellanæ (Entoniscus porcellanæ), o coração espherico da femea, acha-se confinado á um curto espaço do alongado primeiro segmento abdominal, e, parece possuir um unico par de fendas.

FIG. 14 — Coração de uma joven Cassidina.

No macho de Entoniscus cancrorum (n. sp.), o coração (fig. 16) esta situado no terceiro segmento abdominal. Nas Cassidinas, o coração (fig. 14) é egualmente curto e provido de dous pares de fendas, situadas no ultimo segmento do thorax e primeiro segmento do abdomen. Finalmente, n'um joven Anilocra, encontro o coração (fig. 15) projectando-se atravez de toda a extensão do abdomen e provido de 4 (ou 5?) fendas, que não são collocadas aos pares, mas ulteriormente, n'um e n'outro lado, em segmentos successivos. Em outros animaes d'esta ordem que eu examinei passageiramente, não occorrerão, por certo, outras differenças.

Mas porque, em duas ordens tão estreitamente alliadas entre si, teriamos de encontrar uma tal constancia, e na outra tal variabilidade, de un mesmo e tão altamente importante orgão? Dos escolasticos não precisamos esperar explicação; elles ou declinarão de descutir o «porque», como estranho á sua alçada, exterior aos limites da Historia Natural, ou procurarão resolver o importuno problema por meio d'uma sonora paraphrase dos factos, abundantemente apimentada com palavras gregas. Como infelizmente eu esqueci o meu grego, o segundo caminho, contornando a difficuldade, está fechado para mim; porém, como felizmente me reconheço, não entre os mestres colligados, mas, para usar da phrase do Barão de Liebig, entre os «digressores dos arrabaldes da Historia Natural», esta hesitação affectada dos escolasticos não pode me dissuadir de procurar uma resposta, que, na verdade, se apresenta por si propria, mais naturalmente do ponto de vista de Darwin.

FIG. 15 — Coração de uma joven Anilocra.

Como não só os Tanaides (que razões noutro logar exaradas — Vide supra — justificam o nosso modo de consideral-os como, particularmente, quasi fazendo parte dos Isopodes primitivos) e os Amphipodes, mas tambem os crustaceos Decapodes, possuem um coração com tres pares de fendas, essencialmente na mesma posição; e como a mesina posição desse vaso occorre — vide infra — mesmo nos embryões do camarão Louva-Deus (Squilla), em que o coração do animal adulto, ou mesmo, como já mostrei n'outro logar, o das larvas quando ainda longe da maturidade, se estende sob a forma de um longo tubo provido de numerosas aberturas, pelo abdomen á dentro; devemos, indubitavelmente, encarar o coração dos Amphipodes como a forma primitiva desse orgão, nos Edriophthalmos. Como, além disso, n'esses animaes o sangue flue dos orgãos respiratorios para o coração, sem vasos, é muito facil de ver, quão vantajosa lhes deve ser o terem esses orgãos o mais aproximadamente possivel. Temos razão em considerar como primitivo modo de respiração, o que occorre em Tanais (vide supra). Agora, onde, tal como na maioria dos Isopodes, as branchias se desenvolveram no abdomen, a séde e estructura do coração soffreram uma mudança, visto como elle se aproximava dellas mais estreitamente, mas, sem a reproducção de um plano commum á estes primitivos modos de estructura, ou porque esta transformação do coração deu-se somente depois da divisão da forma primaria em grupos subordinados, ou porque, ao menos na epocha d'essa divisão, o coração variante não se havia fixado em qualquer forma nova. Onde, ao contrario, a respiração permaneceu na parte anterior do corpo, — quer no primitivo feitio de Zoea, como em Tanais, quer pelo desenvolvimento de branchias sobre o thorax, como nos Amphipodes, — a forma primitiva do coração foi herdada intacta, porque quaesquer variações que pudessem affectar a sua apparencia, seriam mais depressa nocivas do que vantajosas, e desappareceriam, de novo, immediatamente.

Eu fecho esta serie de exemplos isolados com observação que, realmente, uma só em parte pertence á alçada dos crustaceos, aos quaes deviam ser consagradas estas paginas; e que tambem nenhuma outra connexão tem com as circumstancias precedentes, além de ser um «facto intelligivel e elucidativo», sómente do ponto de vista da theoria de Darwin. Hoje, estando eu abrindo um exemplar de Lepas anatifera, afim de comparar o animal com a descripção na «Monographia da sub-classe Cirripedia» de Darwin, encontrei na concha d'esse Cirripede, um Anmelido rubro-sanguineo, com o corpo curto, chato, de cerca de meia pollegada de comprimento e duas linhas de largura, com 25 segmentos somaticos e, sem tuberculos setigeros proeminentes ou fachos de cirros. O pequeno lobo cephalico trazia 4 olhos e 5 tentaculos; cada segmento do corpo tinha, em cada lado, na margem, um facho de cerdas simples, dirigidas obliquamente para cima, e, á alguma distancia deste, sobre a face ventral, um grupo de cerdas mais espessas, com o apice bidentado fortemente uncioado.

Havia acima de cada um dos tufos lateraes de cerdas uma branchia, simples em alguns poucos segmentos anteriores, e depois fortemente arborescentes, até o extremo posterior do corpo. O animal, uma femea carregada de ovos, evidentemente, por esses caractéres, pertence á familia dos Amphinomideos, cujos membros, excellentes nadadores, vivem no mar alto.

Que este animal não se tinha desgarrado accidentalmente para dentro do Lepas, mas lhe pertencia como hospede regular e permanente, provam-n'o o seu tamanho consideravel em relação á estreita entrada do revestimento do Lepas, a ausencia completa da iridescencia que, na regra, distingue a pelle dos Annelidos livres e especialmente dos Amphinomideos, a formação e séde das cerdas inferiores, etc. Porém, que um verme pertencente á esta familia particular de Amphinomideos que vivem no alto mar, occorra como um hospede de Lepas, que tambem fluctua no mar, incrustado a qualquer pedaço de páo, etc., é de prompto, comprehensivel do ponto de vista da theoria de Darwin, emquanto que as relações deste parasita para com os vermes que vivem livremente no mar, ao largo, ficam perfeitamente incomprehensiveis, sob a hypothese de que elle fôra creado independentemente, para morar no Lepas.

Porém, por mais favoraveis que sejam á Darwin os exemplos até aqui referidos, pode-se levantar contra elles, e com justiça, a objecção de que sejam factos isolados, que, quando as considerações baseadas sobre elles se afastem do que se dá immediatamente, só poderão, com a maxima facilidade nos desviar do verdadeiro caminho, com o fallaz lampejo de um ignis fatuus.

Quanto mais alto o edificio tiver de ser elevado, tanto mais ampla deverá ser a sua base, em factos bem analysados.

Voltemo-nos, então, para um campo mais vasto, o da historia evolutiva dos crustaceos, sobre a qual a sciencia já reunio uma variada copia de factos notaveis, que, comtudo, ficaram em infecundo accumulo de material impraticavel e crú; e vejamos como, sob as mãos de Darwin, essas pedras esparsas se unem para formar uma bem lançada estructura, em que cada cousa, esteio ou trave, acha o seu logar apropriado.

— Sob as mãos de Darwin!

Porque nada mais tenho á fazer do que collocar as pedras da construcção, justamente nos pontos que a sua theoria lhes marcar. «O que o capitão manda o marinheiro faz».

FRITZ MULLER.


  1. Os animaes jovens no ovo, um pouco antes da eclosão, mostram-se, na regra, particularmente convenientes a observação das fendas cardiacas: são em geral sufficientemente transparentes, os movimentos do coração menos violentes do que n'um poriodo ulterior e elles permanecem ainda mesmo sem a pressão do cobre objecto. Considerando a opinião commum quanto à distribuição dos Amphipodes, isto é, que elles augmentam em multiplicidade para os polos e diminuem para o equador, pode parecer exquisito que eu falle de um numero consideravel de especies numa costa sub-tropical. Por isso, eu observo que em poucos mezes e sem examinar quaesquer profundidades inaccessiveis da praia, eu obtive espécies differentes, das quaes 34 novas que, com as espécies previamente conhecidas principalmente descriptas por Danal, produzem 60 Amphipodes brasileiros, no passo que Kroyer, no seu "Grönlands Amphioler, conhecia só 28 especies, inclusive 2 Læmodipodes, dos mares árticos, não obstante terem sido estes investigados por um muito maior numero de naturalistas.
  2. Segundo methodo de Milne-Edwards, as fêmeas d'esto gênero pertenciam ás "Hyperinas ordinarias" e os machos previamente desconhecidos às "Hyperinas anormaes, cujo caracter distintivo, isto a enriosamente ziguezagueante antenna inferior, não passa de uma peculiaridade sexual dos machos. Systematisando sobre animaes mortos unicos, dos quaes se ignora o sexo, a idade, etc... erros semelhantes são inevitaveis. Assim, pretendo dar um outro exemplo de mui recente data: Um Icthyologista celebre, Bleeker, distinguio ultimamente dous grupos de Cyprinodontes á seguir: Uns, on Cyprinodontini, têm a "pinna analis non elongata", e os outros, os Aplocheilini tem a "pinna analis elongata": por ahl a femra do abundante "Barrigudinho" pertenceria a primeiro, e o macho ao segundo grupo. Taes enganos, como os provados, são inevitaveis aos philosophos da "pelle-secca" e por isso desculpaveis; elles provam, comtudo, a que modos desatinados pode chegar frequentemente a zoologia systematica, sem principios ou bases solidas; e quanto precisa ella da infallivel pedra de toque para avaliar os differentes caracteres, que a theoria de Darwin promette fornecer.
  3. (3) Encontro en Milne Edwards-Leçons sur la Physiol. et l'Anat. comp. III. pag. 197 a asserção de que, segundo Frey e Leuckart, o coracão de Caprella linearis possue cinco pares de fendas. Examinei jovens Caprellas perfeitamente transparentes (provavelmente os jovens de Caprella attenuata, Dana, com a qual elles occorriam), so podendo encontrar os tres pars communs.