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Por Darwin/Morphologia dos Crustaceos

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CAPITULO III
MORPHOLOGIA DOS CRUSTACEOS
AS LARVAS NAUPLIUS

Se a ausencia de contradicções entre as consequencias deduzidas das vistas de Darwin, para uma secção estricta e, por tanto, facilmente inspeccionada, devia nos predispor a seu favor, seria um facto acolhido como um triumpho positivo da sua theoria, se conclusões chegadas de longe, fundadas sobre esta, pudessem subsequetemente ser confirmadas por factos, de cujo realdade a sciencia, no seu estado primitivo, de modo algum nos permittia suspeitar.

Dos muitos resultados deste genero a que eu possa me referir, escolho como exemplos dous que, foram de particular importancia para mim; e reporto ás descobertas,—cuja alta significação na morphologia e classificação dos Crustaceos, não será negada mesmo pelos adversarios de Darwin.

Considerações sobre a historia evolutiva dos Crustaceos, conduziram-me á conclusão de que, se os mais elevados e mais infimos d'estes seres fossem, todos derivados de progenitores communs, os primeiros tambem deveriam, em outros tempos, ter passado pelas condições Naupliiformes. Logo depois, eu descobri as larvas Naupliiformes dos camarões («Archif fur Naturg.» I, pag. 8, 1860); e devo convir que esta descoberta, me trouxe a primeira inclinação á favor de Darwin.

Como Claus, eu não considero os olhos dos crustaceos como membros e, por isso, não admitto segmento ocular; por outro lado, eu conto a peça caudal mediana, á qual, o caracter de um segmento é frequentemente negado. Contrária á sua interpretação como um segmento do corpo, só pode ser citada a falta de membros; á seu favor, temos a relação do intestino que, commummente, se abre nesta peça; e ás vezes, mesmo, a atravessa em toda a extensão, como em Microdeutopus e alguns outros Amphipodes. Em Microdentopus, como Spence Bate já mostrou, é-se mesmo conduzido á encarar os pequenos processos desta peça tubular caudal, como rudimentos de membros. Bell tambem («Brit. Stalk-Eyed Crust.» pagina XX) consigna ter observado membros do ultimo segmento em Paloemon serratus, sob a forma de pequenos pontos moveis. Tem-se tentado, frequentemente, dividir os Crustaceos elevados em pequenas secções, compostas de egual numero de segmentos, consistindo essas secções de 3, 5 ou 7 segmentos. Nenhuma destas tentativas encontrou, sempre, a acceitação geral; as minhas proprias investigações, me conduzem á concepção que, quasi se aproxima da de Van Beneden. Eu admitto quatro secções, de cinco segmentos cada uma,—o corpo primitivo, o anterior, o posterior e o mediano. O primitivo inclue os segmentos. que a larva Naupliiforme traz para fora do ovo; elle é ulteriormente dividido pelas secções mais novas que, se desenvolvem em seu meio em cabeça e cauda. Á este corpo pertencem os dous pares de antennas, as mandibulas e os pés caudaes ( « par posterior de pleiopodes», Sp. Bate.). Mesmo no animal adulto o facto de que estas secções terminaes pertencem á ambas, ás vezes, é trahido pela semelhança de seus appendices, especialmente os do ramo externo dos pés caudaes, com o ramo externo (a chamada escama) do segundo par de antennas. Como as antennas, os pés caudaes podem tambem se tornar os portadores de apparelhos altamente sensitivos, como é mostrado pelo ouvido de Mysis.

A sequencia das secções do corpo em ordem chronologica, parece ter sido originalmente que, primeiro foi formado o corpo anterior, depois o posterior e finalmente o mediano.

O corpo anterior parece, no animal adulto ser inteira ou parcialmente amalgamado á cabeça; os seus appendices (siagonopoda, Westwood) são total ou parcialmente uteis á recepção do alimento e, na regra, frisantemente distinctos dos do grupo seguinte. Os segmentos do corpo mediano, parecem sempre desenvolver os membros, immediatamente depois da sua propria apparição, emquanto os segmentos do corpo posterior permanecem, quasi sempre, destituidos de patas, no percurso de grandes periodos da vida larvar ou mesmo durante a vida (como em muitas femeas de Diastylideos); uma razão, entre muitas outras, para não se considerar, como é commum, o corpo mediano dos Crustaceos, como equivalente ao abdomen dos Insectos, constantemente desprovido de pés. Os appendices do corpo mediano (pereiopoda) nunca mostram, mesmo na mais joven forma, possuir dous ramos eguaes, peculiaridade que commummente caracterisa os appendices do corpo posterior. Esta é uma circumstancia que, torna muito duvidosa a equivalencia do corpo mediano dos Malacostraceos, com a secção do corpo nos Copepodes que traz as patas hadadoras e, nos Cirripedes os cirros.

A comprehensão das patas do corpo posterior e cauda, em um unico corpo (como «falsas patas abdominaes» ou «pleopoda») parece injustificavel.

Quando ha uma metamorphose, ellas são, provavelmente sempre, produzidas em periodos diversos e são, quasi sempre, inteiramente diversas em estructura e em funcção. Mesmo nos Amphipodes, em que as patas caudaes commumente se assemelham em apparencia aos dous ultimos pares de patas abdominaes, ellas se distinguem, em geral, por alguma sorte de particularidade e, emquanto as patas abdominaes são reproduzidas em fatigante uniformidade, em toda a ordem, as patas caudaes estão, como é bem sabido, entre as mais variaveis patas dos Amphipodes.


O numero similar de segmentos que occorrem nos Carangueijos e Macruros, Amphipodes e Isopodes, em que, os sete ultimos segmentos são sempre diversos dos precedentes, nos appendices com os quaes elles são providos, poderiam apenas ser encarados como uma herança dos mesmos antepassados. E se no presente, a maioria dos Carangueijos e Macruros e realmente, os Crustaceos podophthalmos em geral, passam pelos estados evolutivos Zoeiformes e, o mesmo modo de transformação deva ser attribuido aos seus antepassados, a mesma cousa deve se dar, se não com os immediatos dos Amphipodes e Isopodes, ao menos com os progenitores communs destes e dos crustaceos podophthalmos.

Uma tal supposição éra, no emtanto, muito Ousada, tanto mais quanto nem um unico facto, propriamente relativo aos Edriophthalmos, podia ser adduzido á seu favor; e a estructura deste mui coherente grupo, parecia ser quasi irreconciliavel com muitas peculiaridades das Zoeas. Assim, aos meus olhos, este ponto constituiu, por muito tempo, uma das principaes difficuldades, na applicação das vistas de Darwin aos Crustaceos; e eu mal ousava esperar que eu pudesse, comtudo, encontrar traços d'essa passagem pela forma de Zoea, nos Amphipodes ou Isopoles e, assim, obter uma prova positiva da verdade d'esta conclusão.

Neste ponto, a affirmativa de Van Beneden, de que um Isopode provido de chelipedes (Tanais dulongii), pertencente, segundo Milne Edwards, á mesma familia que o commum Asellus aquaticus, possuia uma carapaça como os Decapodes, attraiu a minha attenção para estes animaes; e um exame cuidadoso, provou que estes Isopodes haviam conservado, mais realmente que quaesquer outros crustaceos adultos, muitas das essenciaes peculiaridades das Zoeas, especialmente o seu modo de respiração.

Emquanto, em todos os outros Oniscoides, as patas abdominaes servem para a respiração, os do nosso Isopode chelifero (fig. 2) são unicamente orgãos motores, nos quaes não entra mesmo um unico globulo sanguineo; e a principal séde da respiração está, como nas Zoeas, nas partes lateraes da carapaça que, são abundantemente banhadas por correntes sanguineas e sob as quaes passa uma corrente constante de agua, mantida, como nas Zoeas e nos Decapodes adultos, por um appendice do segundo par de maxillas que, falta em todos os outros Edriophthalmos.

Deve ser notado, de passagem que, em ambas estas descobertas, a sciencia deve menos á um acaso feliz, do que immediatamente á theoria de Darwin.

Fig. 2 — Tanais dubius (?) Kr. ; femea augmentada cerca de 70 vezes, mostrando o orificio da entrada (x) para a cavidade respiratoria recoberta pela carapaça e na qual funcciona um appendice do 2.º par de maxillas (f). Sobre as 4 patas (i, k. l. m.) estão os rudimentos das laminas que subsequentemente formam a cavidade proligera.

Especies de Peneus tanto vivem nos mares da Europa como nos d'qui; e as suas ninhadas de Nauplius, sem duvida, passaram repetidamente incognitas pelas mãos dos numerosos naturalistas que investigaram aquelles mares, assim como entre as minhas proprias [1], porque, nada ha que possa attrahir attenção particular, entre as diffentes e muitas vezes maravilhosas formas de Nauplius.

Quando eu, illudido pela similaridade de seus movimentos, julgando que era um joven Peneus Zoea, pela primeira vez capturei tal larva e, trazendo-a ao microscopio, esbarrei com um Nauplius differindo toto cælo dessa Zoea, poderia tel-a posto de lado, como sendo completamente extranha á serie evolutiva que eu estava seguindo, se a idéa de estados Naupliiformes dos mais elevados Crustaceos que eu, na verdade, não acreditava existir até ahi, não tivesse logo, vivamente, occupado a minha attenção.

E se eu não estivesse, de ha muito, procurando, entre os Edriophthalmos, pelos traços do supposto estado de Zoea e segurando com avidez, tudo quanto promettesse tornar essa Ordem refractaria util á mim, a breve asserção de Van Beneden, difficilmente terme-hia despertado como um choque electrico e, impellido á repetição do estudo das Tanaides, especialmente porque eu outr'ora me atormentára com ellas, no Baltico, sem adiantar um passo aos meus predecessores e, não tinha muito prazer em pisar outra vez a mesma arena.

FRITZ MULLER.



  1. Meczinikow encontrou recentemente larvas Naupliiformes do camarão, no mar, perto de Napoles.