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Recordações Gaúchas/VI

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Adiantada ia a manhã, esplêndida, e cheia de ardente luz, desde os seus primeiros albores.

Logo ao nascer do sol começara o movimento convergente para a cancha, onde uns após outros, desfilaram quase todos os parelheiros que tinham carreira atada para aquele e para os seguintes dias.

Dois, entretanto, de mais nomeada, não compareceram, aqueles justamente que atraiam a atenção geral, por serem os protagonistas de todo aquele grande alvoroço, os contendores da carreira grande, que pusera em movimento os habitantes de 20 léguas em redor, e que devia realizar-se das 3 para as 4 horas daquela tarde.

Ao meio-dia grande era a agitação: o vozerio humano de concerto com o estrépido das patas dos ginetes a cruzarem-se em todas as direções, faziam retumbar o solo; - gargalhadas e gritos em confusão com relinchos de cavalos que, alvorotados por aquele estranho movimento, pareciam partilhar do entusiasmo de seus donos, sentir e compreender também que em pouco ali ia ferir-se a mais famosa luta daqueles tempos entre dois atletas da velocidade.

O conjunto apresentava o aspecto mais interessante e variado, impossível de ser imaginado por quem não teve ainda ocasião de assistir a um desses esplêndidos quadros, que tão bem caracterizam a poesia da nossa vida patrícia.

Tudo quanto na época havia de próprio para quebrar a monotonia da vida camponesa e desbaratar dinheiro estava ali reunido, à sombra daquela espécie de bulevar improvisado de ramadas, toldos e barracões.

Músicos ambulantes com harpas e realejos, fazendo dançar macacos ensaiados, em plena atualidade, faziam as delícias da parte do auditório amante desta espécie de privilégio dos filhos da bela Itália.

À frente das barracas estavam os empresários das carretelas, rodas da fortuna, bolos, loterias, roletas e outros jogos de azar, que das povoações vizinhas se transportavam ali para tentar fortuna à custa dos incautos, e até da Banda Oriental alguns com o conhecido jogo de el choclon.

Bardos patrícios, de viola em punho, de ramada em ramada, tangiam seu instrumento, desferindo versos da nossa poesia popular.

E tudo com grande proveito para o comércio, que naquele dia, no dizer gaúcho, -forrava o poncho, desde o mais arrebentado bolicheiro de carretilha até o marchante botequineiro de duas ou três carretas e fornecedores de comida, que os havia em abundância.

De todos os lados afluíam magotes de cavaleiros e ginetes de toda laia.

Os mais ricos proprietários e estancieiros ali vinham luzir-se com todo o luxo de suas vestimentas e principalmente de prataria nos aperos de seus soberbos cavalos e das armas que todos traziam consigo, sobressaindo as finíssimas adagas com bainha e cabo de prata, ornadas de florões, coroas, anéis, tudo habilmente lavrado por artistas peritos neste gênero de ourivesaria; mas, onde todos procuravam exceder-se era no cavalo e nos aperos: Andar bem montado e aperado era, naqueles tempos, a aspiração constante do bom gaúcho.

Alguns ostentavam rédeas e cabeçadas em forma de corrente ou de fina trama de fios de pura prata, bem como do mesmo metal, largos fiadores, peitorais e bonitas testaras ornadas de rosas, estrelas e corações, centradas por uma pequena moeda de ouro.

Outros calçavam pesadíssimas chilenas também de prata, com enormes rosetas, a ponto de tornar quase impossível o andar a pé.

Finalmente - era a peonada e gaúchos pobres, que, em falta de recursos, esmeravam-se no toso de seus fletes, rendilhando e recortando-lhes a crina em gracioso cogotilho, apresentando um interessante perfil, e, por gala suprema dos arreios, tinham trens de guasca chata, maneador arranjado em caprichosa trança, a modo de peitoral e o inseparável laço enrodilhado nas ancas do cavalo.

Raros, apresentavam-se ali alguns indivíduos pelintras, usando selim, mas olhados com curiosidade deprimente, segundo nossos costumes.