Relação do piloto anônimo/III

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Naquele mesmo dia que era a oitava da Páscoa, a 26 de abril, determinou o Capitão-mor ouvir missa, e mandou levantar um altar, e todos os da dita armada foram ouvir missa e sermão, onde se juntaram muitos daqueles homens bailando e cantando com as suas buzinas. E logo que foi dita a missa, todos se retiraram para as suas naus, e os homens da terra entraram pelo mar dentro até aos sovacos, cantando e divertindo-se. E depois, tendo o Capitão jantado, voltou à terra a gente da dita armada, para se distraírem e divertirem com os homens da terra. E começaram a tratar com os da armada, e davam dos seus arcos e flechas em troca de guisos, e folhas de papel e peças de pano. E todo aquele dia se divertiram com eles. E encontramos neste lugar um rio de água doce e à tarde tornamos para as naus. E ao outro dia determinou o Capitão-mor meter água e lenha, e todos os da dita armada foram à terra. E os homens daquele lugar vieram ajudar à dita lenha e água. E alguns dos nossos foram à terra donde estes homens são, que seria a três milhas da costa do mar e compraram papagaios e uma raiz chamada inhame, que é o seu pão que comem os árabes. Os da armada davam-lhes guisos e folhas de papel em troca das ditas coisas, no qual lugar estivemos cinco ou seis dias. De aspecto, esta gente são homens pardos, e andam nus sem vergonha e os seus cabelos são compridos. E têm a barba pelada. E as pálpebras dos olhos e por cima delas eram pintadas com figuras de cores brancas e pretas e azuis e vermelhas. Têm o lábio da boca, isto é, o de baixo, furado, e nos buracos metem um osso grande como um prego. E outros trazem uma pedra azul e verde e comprida dependurada dos ditos buracos. As mulheres andam do mesmo modo sem vergonha e são belas de corpo, os cabelos compridos. E as suas casas são de madeira coberta de folhas e de ramos de árvores com muitas colunas de madeira. No meio das ditas casas e das ditas colunas para a parede põem uma rede de algodão dependurada em que fica um homem e entre uma rede e outra fazem uma fogueira, de modo que numa só casa estão 40 ou 50 camas armadas à maneira de tear.