Ribeirada

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argumento

Quando o preto Ribeiro entregue ao somno
Jazia, lhe apparece o deus Priapo;
E com uma das mãos por ser fanchono,
Lhe agarra na cabeça do marsapo;
Off'rece-lhe depois um bello cono,
Cono sem cavallete, gordo e guapo;
Casa o preto, e a mulher, por fim de contas,
Lhe põe na testa retorcidas pontas.

CANTO UNICO


I

Acções famosas do fodaz Ribeiro,
Preto na cara, enorme no mangalho,
Eu pretendo cantar em tom grosseiro,
Se a musa me ajudar n'este trabalho:
Pasme absorto escutando o mundo inteiro
A porca descripção do horrendo malho,
Que entre as pernas alberga o negro bruto
No lascivo apetite dissoluto.

II

Oh! musa gallicada e fedorenta !
Tu, que ás fodas d'Apollo estás sujeita.
Anima a minha voz, pois hoje intenta
Cantar esse mangaz, que a tudo arreita:
D'esse vaso carnal que o membro aquenta.
Onde tanta langonha se aproveita,
Um chorrilho me dá, oh musa obscena,
Que eu com rijo tezão pego na penna.

III

Em Troia, de Setubal bairro inculto,
Mora o preto castiço, de quem fallo;
Cujo nervo é de sorte, e tem tal vulto,
Que excede o longo espeto de um cavallo:
Sem querer nos calções estar occulto,
Quando se enteza o tumido badalo,
Ora arranca os botões com furia rija,
Ora arromba as paredes quando mija.

IV

Adorna hirsuto rispido pentelho
Os ardentes colhões do bom Ribeiro,
Que são duas maçãs de escaravelho.
Não digo na grandeza, mas no cheiro:
Alli piolhos ladros tão vermelho
Fazem com dente agudo o pau leiteiro.,
Que o cata muita vez; mas ao tocar-lhe
Logo o membro nas mãos entra a pular-lhe.

V

Os maiores marsapos do universo
Á vista d'este para traz ficaram:
E do novo Martinho era prosa e verso
Mil poetas a porra decantaram:
Quando ainda o cachorro era de berço
Umas moças por graça lhe pegaram
Na pica já taluda, e de repente
Pelas mãos lhes correu a grossa enchente.

VI

De Polyophemo o nervo dilatado,
Que intentou escachar a Galathéa,
Pelo mundo não deu tão grande brado
Como a porra do preto negra e feia:
Da Cotovia o bando gallicado
Com respeito mil vezes o nomeia,
E ao soberbo estardalho do selvagem
As putas todas rendem vassallagem.

VII

O longo e denso vau da noite escura
Das estrellas bordado já se via;
E em rota cama a horrenda creatura
Os tenebrosos membros estendia:
Do caralho a grandissima estatura
C'os lençoes encubrir-se não podia,
E a cabeça fodaz de fóra pondo
Fazia sobre o chão medonho estrondo.

VIII

Os ladros, que fieis o acompanhavam,
A triste colhoada a cada instante
Com agudos ferrões lhe traspassavam,
Atormentando a besta fornicante:
Na duríssima pelle se entranhavam,
Supposto que com garra penetrante
O negro dos colhões a muitos saca,
E o castigo lhes dá na fera unhaca.

IX

Tendo o cono patente no sentido
Na barriga o tezão lhe dava murros;
E de activa luxuria enfurecido
Espalhava o cachorro afflictos urros:
Co'a lembrança do vaso apetecido
O nariz encrespava como os burros;
Até que em vão berrando pelo cono,
De todo se entregou nas mãos do somno.

X

Já roncando os visinhos acordava
O lascivo animal, que representa
Co'o motim pavoroso que formava,
Trovão fero no ar, no mar tormenta:
Com alternados couces espancava
Da pobre cama a roupa fedorenta,
Que pulgas esfaimadas habitavam,
E de mil cagadellas matisavam.

XI

Eis de improviso em sonhos lhe apparece
Terrifica visão, que um braço estende,
E pela grossa carne que lhe cresce
Debaixo da barriga ao negro prende:
Acorda, põe-lhe os olhos, e estremece
Gomo quem ao terror se curva e rende:
Com o medo que tinha, a porra ingente
Se metteu nas encolhas de repente.

XII

Do tremendo phantasma a testa dura
Dous retorcidos cornos enfeitavam;
E, debaixo da pansa, a matta escura
Três disformes caralhos occupavam:
O sujo aspecto, a feia catadura,
Os rasgados olhões illuminavam;
E na terrivel dextra o torpe espectro
Empunhava uma porra em vez de sceptro,

XIII

Ergue a voz, que as paredes abalava,
E co'a força do alento sibilante
Mata a pallida luz, que a um canto estava,
Em plumbeo castiçal agonisante:
«Oh tu, rei dos caralhos (exclamava)
Perde o medo, que mostras no semblante:
Que quem hoje te agarra no marsapo
É de Vénus o filho, o deus Priapo.

XIV

«Vendo a fome cruel do parrameiro,
Que essas negras entranhas te devora,
De putas um covil deixei ligeiro,
Por fartar-te de fodas sem demora:
Consolarás o rígido madeiro
N'uma femea gentil, que perto mora,
Mas não lh'o mettas todo, pois receio
Que a possas escachar de meio a meio.»

XV

Disse; e o negro da cama velozmente
Para beijar-lhe os pés se levantava;
Mas tropeça n'um banco, e de repente
No fetido bispote as ventas crava :
Não ficando da queda mui contente
Co'uma gotta de mijo á pressa as lava;
E, acabada a limpeza, a voz grosseira.
Ao numen dirigiu d'esta maneira:

XVI

«Soccorro de famintos fodedores,
Propicia divindade, que me escutas!
Tu consolas, tu enches de favores
O mestre da fodenga, o pae das putas:
Viste que, do tezão curtindo as dòres,
Travava co'o lençol immensas luctas;
E baixaste ligeiro, como Noto,
A dar piedoso amparo ao teu devoto.

XVII

«Em quanto houver tezões, e em quanto o cono
Fòr de arreitadas picas lenitivo.
Sempre hei de recordar-me, alto patrono.
De que és de meus gostos o motivo:
Pois me dás gloria no elevado throno,
E já, como o veado fugitivo
Que o caçador persegue, eu corro, eu corro
A procurar as bordas por quem morro.»

XVIII

Deteve aqui a voz o rijo accento,
Que dos trovões o estrepito parece,
E logo d′ante os olhos n′um momento
A nocturna visão desapparece:
Deixa Ribeiro o sordido aposento,
Que de antigos escarros se guarnece;
E nas tripas berrando-lhe o demonio
Corre logo a tractar do matrimonio.

XIX

O brando coração da femea alcança
Com finezas, caricias e desvelos;
A qual sobre a vil cara emprega, e lança
(Tentação do demonio!) os olhos bellos:
O fodedor maldito não descança
Sem vêr chegar o dia, em que os marmellos
Que tem juntos do cu, dêem cabeçadas
Entre as cândidas virilhas delicadas.

XX

Chega o dia infeliz (triste badejo!
Misera crica! desditoso rabo!)
E ornado o rosto de um purpureo pejo
Une-se a mão de um anjo á do diabo:
Ardendo o bruto em férvido desejo
Unta de louro azeite o longo nabo,
Para que possa entrar com mais brandura
A vermelha cerviz faminta, e dura.

XXI


Principia o banquete, que constava,
De dous gatos achados n′um monturo,
E de raspas de corno, de que usava
Em logar de pimenta o preto impuro:
Em sujo frasco alli se divisava
Turva agua pé: fatias de pão duro
Pela meza decrepitas espalhadas
A fraca vida perdem ás dentadas.

XXII


Depois de ter o esposo o bucho farto.
Abrasado de amor na ardente chamma.
Foge com leves passos para o quarto.
Ao collo conduzindo a bella dama:
Pelas ceroulas o voraz lagarto
A genital enxundia já derrama;
Só por ver da consorte o gesto lindo
Inda antes de foder já se está vindo!

XXIII


Jazia o velho thalamo n′um canto
Onde de pulgas esquadrão persiste,
Para theatro ser do afflicto pranto
Que havia derramar a esposa triste:
Oh noute de terror, noute de espanto,
Que das fodas crueis o estrago viste!
Permitte que com metrica harmonia
Patente ponha tudo á luz do dia.

XXIV


Ergue-lhe a saia o renegado amante,
Estira-se a consorte agil, e prompta;
E elle a setta carnal no mesmo instante
Ao parrameiro misero lhe aponta:
Co′um só beijo do membro palpitante
Ficou subitamente a moça tonta,
E julgou (tanto em fogo ardia o nabo!)
Que encerrava entre as pernas o diabo.

XXV


Prosegue o desalmado; mas a esposa
Que não pode aturar-lhe a dura estaca,
Dando voltas ao cu muito chorosa
Com geito o membralhão das bordas sacca;
Elle irado lhe diz, com voz queixosa:
«Não és uma mulher como uma vacca?
Porque fazes traições, quando te empurro
O mastro? quando vês que gemo, e zurro?»

XXVI


Então, cheio de raiva, aperta o dente,
E na gostosa, feminil masmorra,
Alargando-lhe as pernas novamente,
Com estrondosos ais encaixa a porra:
Ella, que já no corpo o fogo sente
Do marsapo, lhe diz: «Queres que eu morra?
Tu não vês que me engasgo, e que estou rouca.
Porque o cruel tezão me chega á bôca?

XXVII


«Ah! deixa-me tomar um breve alento,
Primeiro que rendida e morta caia...»
Mas elle, na foda é um jumento,
Não tem dó da mulher, que já desmaia:
Sentindo ser chegado o fim do intento,
Do ranhoso licor lhe inunda a saia;
Porque dentro do vaso não cabia
A torrente, que rapida corria.

XXVIII


De gosto o vil cachorro então se baba,
E vendo que a mulher calada fica,
«Consola-te (exclamou) que já se acaba
Esta fome voraz da minha pica.»
E com muita risada então se gaba
De lhe ter esfollado a roxa crica;
Mas ella grita, ardendo-lhe o sabugo:
«Ora que casasse eu com um verdugo!

XXIX


«Fóra, fóra, cachorro, não te aturo
Que me fere as bordas do coninho!»
E com desembaraço um tezo, e duro
Bofetão lhe arrumou pelo focinho:
Tomou em tom de graça o monstro escuro
A affrontosa pancada, e com carinho
Disse para a mulher: «Brincas comigo!
Pois torno-te a foder, por teu castigo.»

XXX


Estas vozes ouvindo a desgraçada
De repente no chão cahir se deixa;
E, temendo a mortifera estocada,
Ora abre os tristes olhos, ora os fecha:
Com suspiros depois desatinada
Da contraria fortuna alli se queixa:
Até que elle lhe diz, com meigo modo:
«Levanta-te do chão, que não te fodo.»

XXXI


Alma nova cobrou, qual lebre afflicta,
Que das unhas dos cães se vê liberta;
E apalpando a conaça (oh que desdita!)
Mais que bocca de barra a encontra aberta;
Mas consola-se um pouco, e já medita
Em fugir da ruina, que é tão certa;
E em vingar-se do horrivel Brutamonte.
Ornando-lhe de cornos toda a fronte.

XXXII


Tem conseguido a barbara vingança
A traidora mulher, como queria;
E o negro com paciencia branda e mansa,
Soffrendo os cornos vai de dia em dia:
Bem mostra no que faz não ser creança,
Que de nada o rigor lhe serviria;
Porque se uma mulher quizer perder-se.
Até feita em picado ha de foder-se.

XXXIII


Agora vós, fodões encarniçados.
Que julgaes agradar ás moças bellas
Por terdes uns marsapos, que estirados
Vão pregar c′os focinhos nas canellas:
Conhecereis aqui desenganados
Que não são taes porrões do gosto d′ellas;
Que lhes não pode, em fim, causar recreio
Aquelle, que passar de palmo e meio.

Notas[editar]

Este poema parece ter sido um dos primeiros ensaios da musa de Bocage. Inducções fundadas em boa razão nos levam a conjecturar que a composição d′elle data de tempos anteriores ao da partida do poeta para Gôa, isto é, do anno 1785. O transumpto pelo qual se fez a presente edição, é sem duvida preferivel por sua correcção ao de que se serviu quem ha já bastantes annos fez imprimir em Paris o referido poema, juntamente com outras poesias do mesmo genero em um folheto de oitavo grande. Posto que sobejem fundamentos para julgar reaes as personagens, e passados em verdade os factos, que despertaram a veia satyrica do poeta, suscitando-lhe a ideia de tal composição, não é comtudo possivel entrar em algumas particularidades a esse respeito: e até julgamos pouco provavel que, mesmo em Setubal, se conserve ainda a memoria das façanhas do azevichado heroe, que mereceu obter a immortalidade nos versos do Bardo do Sado.

[Nota de Inocêncio Francisco da Silva]