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Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira/Capítulo 15

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MITOS SOBRE A URNA

Com a popularização da internet e o aumento do uso das redes sociais, o boato também ganhou seu espaço, sendo reinventado através das famosas “Fake News”. E o processo eleitoral brasileiro, todo ano, é vítima de algumas dessas fakes.

“Só o Brasil utiliza urna eletrônica”

Como descrito no capítulo anterior, até 2021, 46 países utilizavam o sistema eletrônico de votos, sendo que países como Paraguai e Argentina utilizaram o modelo brasileiro em algumas eleições.

O site INTERNATIONAL IDEA SUPPORTING DEMOCRACY WORLDWIDE apresenta um mapa dos países que utilizam o sistema de voto eletrônico:
Crédito: www.idea.int - O mapa pode ser acessado no site:
www.idea.int/news-media/media/use-e-voting-around-world

“A urna eletrônica é fabricada pela Venezuela”

Um boato insinua que o sistema eleitoral brasileiro poderia ser fraudado pelo governo da Venezuela, pois a responsável pela fabricação e desenvolvimento das urnas seria a empresa Smartmatic, britânica, fundada por venezuelanos, nos Estados Unidos. Por ter sido fundada por venezuelanos, circula a informação de que a empresa seria venezuelana, mas é inicialmente americana e hoje britânica.

Ao longo do livro, pudemos relatar como foi todo o processo de projeto, desenvolvimento e produção da urna eletrônica brasileira e a quantidade de pessoas envolvidas em todo esse processo.

Além disso, a empresa Smartmatic jamais venceu um processo licitatório para fabricar urnas no Brasil. Em alguns países, os equipamentos são adquiridos com empresas particulares, mas, no Brasil, o projeto é do TSE, independentemente da empresa que vença a licitação.


“Invasão hacker”

Alguns boatos afirmam que hackers podem invadir o sistema utilizado nas urnas eletrônicas para alteração dos votos e mudança do vencedor da eleição e outros afirmam que isso já teria acontecido.

De fato, como foi visto, isso não é possível.

O TSE realiza, periodicamente, testes públicos de segurança e, até hoje, ninguém conseguiu invadir o sistema. A urna não possui comunicação com internet, seja por rede wi-fi ou física; não há equipamento na urna que permita tal conexão.

Além de não permitir conexão, caso alguém consiga acessar alguma urna fisicamente, pois pela internet não é possível, e queira inserir um software que não seja o da própria urna, ela simplesmente não funciona, ou, em termos populares, “trava”.


“A criptografia não é confiável”

Criptografia é uma cifragem dos dados para embaralhar as informações de forma que apenas os que detém a chave para “descriptografar” os dados tenham acesso à informação original, mantendo o sigilo de dados em diversos softwares e aplicativos. Essa tecnologia também está presente nas urnas eletrônicas para proteger os votos.

Para a primeira urna eletrônica desenvolvida, os técnicos do TSE buscaram comprar a tecnologia da criptografia estadunidense. Pela lei dos Estados Unidos, a criptografia é considerada uma informação sensível tecnologicamente e, obedecendo aos pré-requisitos na venda dessa informação, os EUA deteriam a “chave” que permitiria o acesso às informações constantes na urna, se tivessem interesse.

De posse dessas informações, os técnicos solicitaram o desenvolvimento de uma criptografia brasileira, exclusiva para a utilização nas urnas eletrônicas, tornando-a ainda mais segura.

Até hoje ninguém conseguiu quebrar o sigilo da urna.


“Não é possível auditar as urnas”

Alguns candidatos, ao perderem as eleições, costumam levantar dúvidas sobre o processo eleitoral, principalmente se tiveram um bom resultado nas pesquisas prévias. Solicitar a recontagem dos votos era uma prática comum, nesses casos, quando a eleição era em cédulas de papel. Com as urnas eletrônicas, os resultados são precisos, podem ser comparados com os boletins de urna fixados nos colégios eleitorais, mas a recontagem é desnecessária, o que é equivalente a verificar na calculadora se o resultado de 2 + 2 realmente é 4. Então, surgiu um boato alegando que a urna não pode ser auditada.

Mesmo assim, o sistema desenvolvido pelo TSE permite que seja feita uma auditoria dos votos assim como nas eleições com votos impressos. “Todas as urnas podem ser auditadas. O equipamento grava todas os votos em uma tabela de forma aleatória, para não permitir identificar a sequência dos eleitores que votaram, e esse registro é assinado por meio de um certificado digital. Esse material fica disponível para que os partidos façam uma recontagem", explica Giuseppe Janino.

No segundo turno da eleição de 2014, Dilma X Aécio, por exemplo, o PSDB auditou as urnas após as eleições e não constatou nenhum indício de irregularidade.

Em 2021, quando se criou a polêmica sobre a segurança da urna e a impressão do voto, o PSDB fez uma declaração pública a favor do sistema eleitoral brasileiro: “o PSDB segue confiando no sistema eleitoral brasileiro”.

Em entrevista para este livro, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso afirmou:

Nunca houve reclamações do sistema atual, que se mostra eficaz. Por que, então, mudar o que está funcionando?

E sobre a apuração de votos com o sistema de urnas eletrônicas:

Eu acho que a apuração é mais segura do que foi no passado, quando se fazia com papel. Há reclamações vagas, que nunca ofereceram prova.


“O voto não é secreto”

Um grande receio das pessoas em relação à urna vem do boato de que seria possível saber o voto de cada eleitor.

Entre os sistemas de segurança da urna eletrônica brasileira, existe um especialmente desenvolvido para “embaralhar” as informações e impedir que isso aconteça. O sigilo do voto é um preceito constitucional, garantido pelo artigo 14 da Constituição Federal. E isso foi cuidadosamente trabalhado pelos técnicos, impedindo a vinculação do eleitor ao seu voto.


“Vídeo mostra fraude em urna eletrônica”

Foi divulgado um vídeo que sugere f raude nas urnas eletrônicas, tendo por base um equipamento que apresentou problemas no teclado em Auditoria Pública realizada pelo TRE-SP, em 20 de outubro de 2018.

O vídeo veiculado distorce o que foi verificado na Auditoria Pública realizada pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo TRE-SP.

Nas eleições daquele ano, uma das urnas eletrônicas do estado de São Paulo apresentou uma falha mecânica durante o primeiro turno das eleições. Prontamente, o TRE-SP adotou o procedimento correto de substituição do equipamento defeituoso por uma urna de contingência, sem que esse defeito pudesse influenciar no resultado do pleito eleitoral.

A Auditoria empreendida pelo TRE-SP foi realizada com urnas das duas seções eleitorais, onde foram registradas ocorrências de problemas no primeiro turno das eleições. Os testes confirmaram a integridade e a autenticidade dos sistemas instalados em todas as urnas auditadas, tanto a urna substituída, quanto a substituta.

Na análise do hardware de cada equipamento, observou-se defeito n o tecla do da urna eletrônica que funcionou originariamente na seção 227, da 404ª Zona Eleitoral – Cidade Tiradentes.

Nessa urna específica, foram observados defeitos aleatórios em teclas diversas durante a digitação após sucessivas repetições do autoteste, o qual é o procedimento padrão para verificação do regular funcionamento de todos os componentes da urna eletrônica: tela, teclado e áudio, entre outros, e do terminal do mesário.

A Justiça Eleitoral sempre promove a imediata substituição de qualquer urna eletrônica com defeito técnico. A urna eletrônica auditada foi substituída no início da manhã do dia da eleição, tão logo se tomou conhecimento da ocorrência de defeitos. A substituição foi registrada tanto na ata da seção eleitoral, preenchida pelos mesários, quanto nos registros de log da urna eletrônica.

O defeito aparecia em números aleatórios, conforme os vários testes realizados. Para descartar qualquer suspeita de fraude, a equipe de auditoria fez testes com os diversos números, nos diversos cargos, constatando que o defeito não ocorria somente com um número ou cargo específico.

A auditoria comprovou que houve falha no equipamento, e não fraude, conforme erroneamente sugerido no vídeo veiculado.

Falhas podem ocorrer em equipamentos eletrônicos. A substituição por urnas de contingência é o procedimento a ser adotado nessas situações, o que foi prontamente realizado nas seções eleitorais onde tais problemas ocorreram.

Para verificar se a falha não alterou o total de votos, foi realizada a auditoria de votação paralela em ambas as seções eleitorais, procedimento em que foram novamente digitados os votos recebidos pelas urnas eletrônicas, e comparado esse montante digitado com os Boletins de Urna originais dessas seções eleitorais. Em todas as urnas verificadas, a conferência entre o digitado e o resultado original foi coincidente.


“Tecnologia da urna é a mesma desde 1996”

As urnas brasileiras e o sistema eletrônico de votação têm sido continuamente atualizados e modernizados, desde sua implantação no país, em 1996.

É falsa a afirmação de que as urnas eletrônicas atuais apresentam a mesma tecnologia de 1996. O sistema de votação brasileiro é objeto de aprimoramentos constantes, que acompanham o desenvolvimento científico nas áreas de segurança de sistemas e de sistemas embarcados.

Embora o design exterior da urna tenha sido preservado ao longo dos anos, por dentro, a urna evoluiu significativamente. O TSE adquiriu urnas nos anos de 1996, 1998, 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2009, 2010, 2011, 2013, 2015 e 2020. Os modelos de 1996 a 2008 já não estão mais em uso. A cada novo modelo, as urnas eletrônicas tornaram-se mais modernas e seguras.

A manutenção do mesmo “visual”, com singelas modificações, não significa que todos os modelos de urnas eletrônicas utilizados sejam os mesmos.

A parte referente ao equipamento teve algumas mudanças, mas já estavam previstas, a gente só não sabia como fazer. A arquitetura conceitual da urna é a mesma desde 1995. Algumas coisas nós não conseguimos implementar, então definimos fases de implementação. A implementação seria gradativa, até atingir o ponto que satisfizesse os requisitos finais”, afirma Catsumi.

“Urna eletrônica brasileira foi hackeada nos Estados Unidos”

Um texto difundido nas redes sociais afirma que a urna eletrônica brasileira teria sido invadida em uma convenção hacker realizada em julho de 2017, na cidade de Las Vegas, nos Estados Unidos. A mensagem diz também que os participantes do encontro teriam violado o sistema do equipamento brasileiro em menos de duas horas.

O encontro de hackers, ao qual a citação compartilhada na internet se refere, de fato existe. É a Defcon, considerada a mais tradicional conferência de hackers do mundo. Portanto, essa parte do texto é verdadeira. Contudo, a informação de que a urna eletrônica brasileira teria sido invadida durante o evento é completamente falsa.

Naquela edição do evento, dois técnicos do Tribunal Superior Eleitoral - TSE participaram da Defcon, para conferirem o trabalho dos especialistas que tentavam atacar os modelos de urnas usadas nos Estados Unidos. Ou seja, em nenhum momento os equipamentos brasileiros foram submetidos aos testes realizados durante a conferência.

Os servidores do TSE também aproveitaram a oportunidade para observar a organização do encontro e coletar experiências para aprimoramento do Teste Público de Segurança, uma espécie de versão brasileira da Defcon.

Desde 2009, o TSE convidou especialistas em tecnologia para tentar burlar as barreiras de proteção da urna eletrônica e dos sistemas a ela vinculados. Qualquer brasileiro com mais de 18 anos pode se inscrever para participar.

A ideia do Teste Público de Segurança é verificar se há alguma vulnerabilidade que possa comprometer a segurança do processo eleitoral brasileiro. Caso alguma fragilidade seja identificada, ela é corrigida e novamente testada pelos participantes antes da realização do pleito.


“Sala secreta no TSE”

Um dos boatos que ganhou força nas últimas eleições é que “a apuração dos votos é feita por meia dúzia de pessoas, de forma secreta (...) em uma sala lá do TSE”. Como relatado ao longo do livro, a apuração dos votos é realizada automaticamente pela urna eletrônica, assim que a votação é encerrada. A apuração ainda emite um comprovante, o Boletim de Urna, que contém a quantidade de votos registrados na urna para cada candidato e partido, além dos votos nulos e em branco. O Boletim é fixado no local de votação, visível a todos, de modo que o resultado da urna se torna público e definitivo. As vias adicionais são entregues aos fiscais dos partidos políticos.

Esse processo de apuração pela urna eletrônica acontece antes da transmissão de resultados, que ocorre por uma rede de transmissão de dados criptografados. Ao chegarem ao TSE, a integridade e a autenticidade dos dados são verificadas e se inicia a totalização, isto é, a soma dos resultados de cada urna eletrônica, por supercomputador localizado fisicamente no tribunal. O resultado final divulgado pelo TSE sempre correspondeu à soma dos votos de cada um dos boletins de urna impressos em cada seção eleitoral do país.

Portanto, o resultado definitivo de cada urna sai impresso, é tornado público após a votação e pode ser facilmente confrontado por qualquer eleitor, com os dados divulgados pelo TSE na internet, após a conclusão da totalização. Os partidos e outras entidades fiscalizadoras também podem solicitar todos os arquivos das urnas eletrônicas e do banco de dados da totalização para verificação posterior.

“O sistema eletrônico não é auditável”

O sistema de voto eletrônico adotado no Brasil pode ser auditado antes, durante e após a eleição.

Durante todo o processo, há diversos mecanismos de auditoria e verificação dos resultados que podem ser acompanhados pelos partidos políticos, pelo Ministério Público, pela Ordem dos Advogados do Brasil e por mais de uma dezena de entidades fiscalizadoras, além do próprio eleitor.

Os interessados em fiscalizar a votação podem: acompanhar o desenvolvimento dos sistemas eleitorais; participar do Teste Público de Segurança; acompanhar a preparação das urnas eletrônicas; acompanhar o teste de integridade no dia da votação; verificar os boletins de urna impressos nas seções ou obter sua versão digital por QR Code; ter acesso a todos os arquivos eletrônicos gerados na eleição para verificações; entre outros.

A proposta de contagem de votos impressos manualmente pelos próprios mesários, em substituição à apuração automática pela urna eletrônica, não criaria um mecanismo de auditoria adicional, mas representaria a volta ao antigo modelo de voto em papel, marcado por diversas fraudes na história brasileira.

“Voto impresso é mais seguro que o eletrônico”

Finalmente, chegamos ao ponto mais polêmico: o que é mais seguro, voto em cédula de papel, voto impresso ou voto eletrônico?

Retornando ao início do livro, quando fizemos um breve resumo de como eram as eleições com a utilização de cédulas de papel, notamos que a fraude, tanto durante a votação, quanto durante a apuração, não era apenas uma possibilidade, mas uma constante. Descartamos, portanto, a votação em cédula de papel como um sistema seguro.

O voto impresso seria um processo de votação que utilizaria a urna eletrônica para registro e conferência do voto por parte do eleitor, e impressão do voto, com seu depósito numa urna, sem que o eleitor tenha contato com essa impressão.

Cabe aqui um parêntese: quando posta em votação essa possibilidade, algumas pessoas confundiram a impressão do voto com um recibo de votação, contendo os candidatos escolhidos, o qual poderia ser “levado pra casa”. Essa possibilidade nunca foi apresentada ao Congresso, pois emitir um recibo de voto dessa maneira acabaria com o sigilo do voto e marcaria o retorno do “voto de cabresto”.

Retornando ao voto impresso, a apuração oficial dos votos seria através do papel e realizada pelos mesários em cada seção eleitoral.

Mais de uma vez já relatamos que a fraude na apuração em papel era muito comum. E, como relatou o Toné, “bastaria um mesário desaparecer com um único voto, ao ver que seu candidato não está vencendo naquela urna, para anular o resultado da seção”.

A história nos mostra que a votação através de cédula de papel está muito mais sujeita a fraudes e erros humanos.

Uma Comissão Especial avaliou a Proposta de Emenda Constitucional sobre impressão do voto e apuração através do voto em papel, e emitiu parecer contrário à PEC, por considerar ser muito mais seguro e democrático o voto através da urna eletrônica.

Por fim, podemos concordar com o presidente do TSE, Ministro Luís Roberto Barroso, ao afirmar que o atual processo eletrônico de votação adotado no Brasil é seguro, auditável e transparente, ressaltando o histórico de 25 anos, completados em 2021, sem registros de fraudes nas eleições brasileiras.

A cada ano, novos boatos surgem a respeito da urna eletrônica.
Até hoje, nenhuma alegação de fraude no sistema de voto eletrônico, seja no processo de votação ou de apuração, foi confirmado. Para combater as informações falsas que circulam na internet, o TSE criou uma seção em seu site, dedicada a esclarecer a população. A página é chamada de “Fato ou Boato do TSE”: https://www.justicaeleitoral.jus.br/fato-ou-boato/

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