Uma Campanha Alegre/II/XIII

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XIII

Janeiro 1872.

A reforma da instrução pública:

A reforma da administração:

A reforma das comarcas...

Estas formidáveis iniciativas parece que deviam ser acompanhadas pelas Farpas com comentários condignos.

Mas, para quê? Todas estas imensas reformas, lançadas triunfantemente a grande ruído de tambor e retórica, durarão, como a rosa de Malherbes — o espaço de uma manhã! Que necessidade há pois de encaixilhar na nossa crítica uma folha que vai secar? Para que entremear de notas o fumo efémero de um cachimbo? para que erguer pedestal à estátua de neve que em breve se derreterá?

Reforma da administração, reforma da instrução, reforma da Carta, reforma da judicatura! P arece que é toda uma regeneração do País! Pois são apenas folhas de papel que palpitam um momento ao vento da contradição, e que daqui a pouco cairão miseravelmente e para sempre, a um canto escuro das repartições. Uma luva cor de palha serve para entrar num baile, apertar finas cintas na valsa, anediar o bigode ovante — e eis que ao outro dia vai no cisco, enodoada e perdida, ser o lixo da esquina! Assim as reformas políticas servem um ou dois meses para um ministério fingir que administra, iludir a Nação ingénua, imitar a iniciativa fecunda dos reformadores «lá de fora», aparentar zelo pelo bem da Pátria, justificar a sua permanência no «poder», fornecer alimento à oratória constitucional: e depois tendo feito o seu serviço, eis que as reformas vão, como todos os papéis velhos e inúteis, ser desfeitos e enrodilhados sob as vassouras justiceiras dos srs. varredores públicos!

As reformas dos srs. ministros são como as fardas dos srs. ministros. As fardas servem para ir ao paço, às galas, ao beija-mão. São o distintivo oficial e bordado dos que governam. Enquanto se tem correio, são escovadas, lavadas com chá, enrodilhadas em papel de seda, estendidas em lençóis de linho, cercadas da atenção zelosa da criada e do pasmo do aguadeiro. Quando o sr. ministro é despedido, a farda é vendida, reduzida a jaqueta de toureiro para se aproveitarem os bordados, dependurada no prego miserável de uma loja de adelo; e depois de ter chegado às costas suadas de um máscara do Casino ou de um comparsa do Salitre, perde-se enfim, miserável e amarfanhada, na dispersão melancólica dos trapos inúteis! Assim as reformas. Com elas o ministro governa, ilude, caracola sobre a eloquência de aluguer, e despacha: e no fim, quando S. Exª é empurrado de novo para a vida particular, as pobres reformas, com que ele tanto se empertigou e tanto se assoalhou, vão, esquecidas e inúteis, jazer na confusão amarelada dos arquivos estéreis! As reformas em Portugal são um adorno externo de ministério — como o correio, e os bordados da gola!

Todo o ministério que entra — deita reforma e cupé. O ministro cai — o cupé recolhe à cocheira e a reforma à gaveta.

Senão vejam:

Reformas Fontes: inúteis.

Reformas Reformistas: inúteis.

Reformas Braamcamp: inúteis.

Reformas Saldanha: inúteis.

Os grandes factos políticos do mês foram as reformas da Carta (plural melancólico!):

Reformas Ávila: inúteis.

Reformas Bispo: inúteis.

Reformas Regeneradoras: inúteis.

Cada ministro tem o dever tradicional de apresentar, como uma justificação da sua nomeação — uma reforma. Os jornais falam dela um momento, a oposição arranja representações na província contra ela, as comissões metem os pés nos capachos e discursam sobre ela... Mas o ministério, por uma intriga, por uma bambocha, ou por um enredo, cai: e a reforma segue-o na sua saída e logo se some como um sulco atrás da quilha!

Quantas reformas de administração, de instrução, de finanças, não tem o País visto aparecerem no horizonte parlamentar, como sombras que vão chegar à vida, e logo esvaírem-se sem terem provado da vida mais que a doçura de um reclamo nas gazetas subsidiadas!

Tem havido, nos últimos três anos, seis reformas de administração — todas irrealizadas, todas mortas ainda de mama! — E depois destas seis tentativas de reformas, o ministro do reino actual confessa que a administração é um caos vergonhoso — e o chefe da oposição actual brada que a administração é um vergonhoso caos!

Haveria um livro a fazer, intitulado: Da fisiologia das reformas em Portugal. Há pelo menos esta definição a dar: — A reforma é uma formalidade que tem a preencher perante o País todo o ministro — menos essencial que o cupé de aluguer, mais necessária que a farda de empréstimo!

Pedimos portanto, urgentemente, que o ministério seja dispensado dessa formalidade!

Que ele tenha cupé de aluguer — bem! Pede-o a civilização, a honra do País, a comodidade dos seus calos oficiais, e os srs. correios que querem trotar!

Que ele tenha farda — melhor! Pede-o a Carta, a corte, e a necessidade de evitar que SS. Ex.as se apresentem a el-Rei de quinzena e gabão.

Mas para que se há-de exigir a um português, ainda que ministro, que reforme?

Quem lucra com isso? Ele não — que não pode alugar essa formalidade na companhia lisbonense de carruagens, nem pedi-la emprestada ao adelo da esquina. O País também não — como sabem.

Para que se há-de exigir pois esse trabalho de inteligência, esse esforço de saber, a um pobre e débil lusitano?

Não, não, não! Que os srs. ministros, em nome da dignidade pública, sejam eximidos a essa formalidade ridícula, anacrónica, caturra — de reformar a Pátria.

Antes se tome este alvitre:

Nas suas carruagens de aluguer os srs. ministros trazem apenas na almofada o cocheiro. Pois em vez de se lhe exigir uma reforma mais sobre qualquer instituição — exija-se-lhe um criado mais sobre a almofada.

Nas insígnias ministeriais, nos símbolos do poder, seja a reforma do País substituída — pelo aparato do trintanário! E o desgraçado Portugal lucrará!