Uma Lágrima de Mulher/I/XI

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A casinha branca ficava situada em um dos extremos da ilha, para as bandas do nascente.

Era um ponto magnífico.

A modesta e simpática vivenda olhava de frente, podemos dizer, sorrindo, para a estrada que conduzia ao centro povoado da ilha; do mundo, saía-lhe correndo, em distância de seiscentos passos, a nossa já conhecida alameda de oliveiras, cujo solo formava um declive suave e fértil, plantado de ambos os lados, com variedade e gosto, até onde o terreno ia pouco a pouco se tornando mais íngreme com a vizinhança do mar.

Então, principiava uma ladeira pedregosa, que ia acabar, em grande distância, numa ampla e formosa praia, de areias claras e batidas livremente pelos ventos.

Do lado direito, avizinhava-se o mar, entre o qual e a casa, interpunha-se somente uma clareira, onde Rosalina costumava sentar-se à tarde, e uma moita de espinheiros, espécie de cerca natural, que ali entrelaçara a natureza, para servir de ameias, que resguardassem as bordas perigosíssimas deste lado.

Do esquerdo, o espaço entre o mar e a casa era desproporcionalmente maior, porém menos cultivado e coberto de uma vegetação enfezada e má. Por entre esse mato, nascia uma picada, tão irregular e confusa, e tão dificultada pelos abrolhos e sarças, que quase não se deixava perceber; e tanto mais ingrato era o solo, quanto mais se afastava da casa.

Perto desta era a terra cultivável e solta, mais ia gradualmente e tornando calcífera até chegar ao estado de pedra, à proporção que se aproximava das bordas da ilha, terminado por um pedregulho alcantilado, inteiramente liso e escorregadio, pelo salpicar constante do pó úmido das vagas, que se despedaçam contra ele.

A rocha ficava a pique sobre o mar, um precipício medonho!

Nas noites claras do estio, alguém que trepasse à penedia até galgar os alcantis aprumados e reluzentes, abrangeria, só com um abraço de olhos, a imensidade dos horizontes celestes e marinhos; e se, chegado à borda do abismo, se debruçasse um pouco sobre a ingremidade da rocha, julgar-se-ia solto no espaço, sem ligação alguma com este mundo e só preso a Deus pelo espírito.

Então sentiria debaixo dos pés os soluços espumosos das ondas, e sobre a cabeça a linguagem enérgica do nordeste, revelando à natureza adormecida os mistérios da criação dos mundos.

E o mugir dos ventos e o rugido colérico do mar lhe pareciam, nesse instante de transporte, o resumo supremo de todas as forças, de todas as paixões, de todas as virtudes, de todos os vícios, de todas as tempestades dos homens e todas as tempestades dos elementos; chegar-lhe-iam ao coração como o index fabuloso do universo.

Assim, medonho e belo, era o lado esquerdo da casinha branca, o que o tornava desprezado e quase ignorado, a não ser pelas gaivotas e outras aves aquáticas, que lá subiam nesses cumes, à procura do pouso e da solidão.