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Uma Lágrima de Mulher/II/XIII

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Nesse mesmo dia, Miguel, compondo boa sombra e bom gesto, se desfazia em razões por descontinuar em casa da família L...

— Já que está tão aferrado à sua resolução, parta, meu amigo, dizia o protetor de Miguel, entregando ao protegido o saldo dos seus salários; mas não se esqueça que aqui fica uma família que tanto o aprecia, como estima. Se algum dia suceder que volte, venha de novo ter conosco; prezamos contar para meus filhos com o mesmo mestre e para mim com o mesmo filho. Venha! O senhor será sempre recebido de braços abertos nesta casa; e pode, tanto disto, como da afeição sincera que nos inspirou, levar certa a vitória, mais ganha por direito que por conquista!

E levantando mais a voz, em cuja firmeza se percebia a experiência e a convicção, disse como um profeta:

— O senhor é um homem de bem!

— Obrigado, balbuciou Miguel comovido, e beijou-lhe a mão.

As crianças estavam boquiabertas.

— Mas o meu mestre vai para ficar? Perguntou Beppo.

— Espero que não, meu amiguinho; um dever de amigo constrange-me a partir para Nápoles, mas, logo que me seja possível voltar, continuaremos nossos estudos e os nossos passeios; quanto à boa amizade - ah! essa, garanto, em desfavor da ausência e do tempo, continuar na mesma altura.

Assim dizendo, Miguel abraçava Beppo e os irmãos.

Os meninos, entretanto, vestiam tal seriedade, que mais pareciam zangados que pesarosos. Convém notar que em Miguel não viam eles a carranca do mestre-escola, mas o olhar inteligente e amigo do companheiro de folguedos; metera-lhes, é verdade, o bom moço, a carta do ABC nas unhas e na memória, mas em compensação ensinara-lhes a atirar funda, a lançar o pião, a nadar e vencer barrancos e finalmente instruíra-os na grande ciência de fazer armadilhas e laçar passarinhos e lagartos.

Ora, quem ensina destas artes às crianças é fatalmente adorado por elas, e, por conseguinte, mesmo barateando a simpatia natural de Miguel, os filhos do senhor L... tinham jus a estremecer o mestre, para, assim de coração tranqüilo, o verem partir tão inesperadamente.

A amizade das crianças, como toda afeição dos fracos, é egoísta; os pequenos constituíam para si um direito absoluto sobre o amigo. Tiravam-lho? Tanto pior! Por que? Não queriam saber de razões; fossem quais fossem as causas, o efeito era evidentemente desfavorável e mau. E tanto bastava para estarem enfiados e furiosos.

Jeovanito, o mais moço dos três, vendo que nada conseguia pelo suposto direito, achegou-se do mestre e disse-lhe, ameigando-lhe os dedos com a sua mãozinha gorda e rosada:

— Fica, meu mestrinho!...

Dito isto, ficou a olhá-lo suplicante, fazendo dos lábios, que talvez ainda cheirassem a leite, um biquinho de enfado e ternura.

Miguel respondeu negativamente com a cabeça, enquanto o beijava.

Desesperou-se o pequeno, e, conhecendo a nulidade de seus esforços, arremessou com toda a delicada força de seus bracinhos uma pancada no ombro de Miguel, acompanhando-a dos epítetos mais engraçados e injuriosos que pode dizer uma criança.

Por outro lado, a mãe dos garotos também apresentava, com muita brandura de gestos e delicadeza de palavras, as suas sinceras oposições; e delas, vendo a virtuosa senhora o nenhum êxito, volvia a aconselhar o amigo de seus filhos, com tais carinhos e meiguices de mãe, como se aos próprio filhos o fizesse.

A mãe revela em tudo a maternidade, seja ela a mãe de Cristo ou a de um leão; entre a brandura celestial da santa e a ferocidade mundana da leoa está esse sentimento sublime, esse amor incomparável que tudo pode, tudo vence, tudo desbarata para salvar o filho. Penda para uma das extremidades, penda para outra, seja divina ou seja bestial, há de ser mãe - ora comove pedras com as lágrimas do anjo, ora vence gigantes com as garras da fera; ora pede de joelhos, ora ameaça com as unhas; ora suplicante, ora ameaçadora; mas sempre imponente, sempre sublime, sempre mãe!

Miguel despediu-se da mãe dos seus discípulos sumamente comovido; ela fê-lo chorando e chorando dependurou-lhe do pescoço uma medalha de cobre com a imagem da Madona.

— É para que o proteja e ajude, disse a boa senhora abençoando-o, e, distribuindo depois pelos filhos objetos de uso, como pentes, escovas, lenços e gravatas, disse-lhes:

— Vamos, meus filhos, dêem esses mimos ao seu mestre e peçam a Deus que o abençoe e acompanhe.

As crianças, quase em coro, repetiram automaticamente as palavras da mãe.

O senhor L... ofereceu-se ainda uma vez ao viajante para escrever a alguns amigos de sua confiança, recomendando-o; ao que se opôs reconhecido Miguel, protestando parecer-lhe isso nimiamente desnecessário.

— Então, repito-lho, meu amigo, vá e não se esqueça de nós.

— Seria preciso ser muito ingrato, disse Miguel, abraçando-o pela última vez, o que foi fazendo por todos até sair, depois de beijar repetidas vezes os discípulos, que se conservaram imperturbáveis e sérios.

Quando Miguel desapareceu, os pequenos desataram a chorar ruidosamente.

Decorreu para a família L... um dia comprido e triste.