Vida do Padre José de Anchieta/III/V

Wikisource, a biblioteca livre
Saltar para a navegação Saltar para a pesquisa

Bem por vir estava o cargo de provincial em que entrou, quando muito antes o disse, como também que São Jorge Soares o havia de ver depois de sua morte, e que havia de ser enterrado junto do Padre Gregório Serrão, o que tudo assim se cumpriu como no livro segundo fica dito.

Que escaparia de uma cólica o Padre Inácio Toloza - Profecias[editar]

Acrescentemos outros exemplos. A muitas pessoas que estavam mal de graves doenças, profetizou a vida e saúde como depois se viu; um deles, foi o Governador Geral Lourenço da Veiga, como me contou Nuno do Amaral que então servia de seu veador.

Vindo do Rio de Janeiro para o Colégio da Bahia, com o Padre Visitador Cristovão de Gouveia, e outros padres, no Cabo Frio adoeceu um deles de tão aguda e apressada cólica, que tratavam já de o enterrarem ali, ou tornarem a levar seu corpo para o Colégio do Rio.

Neste comenos o Padre José chamou um irmão que entendia de cura, e lhe disse que aplicasse ao enfermo alguma mezinha dissimuladamente, como de si, e acrescentou: “não há de morrer desta, mas não digais isto a ninguém”. E hoje em dia vive o enfermo da cólica que é o Padre Inácio Toloza.

De outro irmão[editar]

Chegando de São Vicente ao Rio de Janeiro, foi logo visitar ao Irmão João Marinho, que estaca mui mal; e saindo-se foi ao coro visitar ao Santíssimo Sacramento, e descendo disse lhe que não dessem a Santa Unção, que não havia de morrer daquela. Assim se fez, e o irmão sarou e viveu depois mais de vinte anos.

Que não morreria uma doente[editar]

Foi o padre um dia confessar fora da cidade uma mulher que estava muito no cabo, cujo marido chamado Domingos Saraiva, muito choroso, saiu a receber ao padre, que vendo-o tão sentido, lhe disse: “não vos desconsoleis, bom velho, que vos não há de morrer desta, vossa companheira”. E isto foi antes de chegar à casa onde a doente estava. O padre o disse e Deus o confirmou, e a doente viveu depois muitos anos.

O mesmo de outra[editar]

Tinha Manuel de Oliveira Gago, uma filha, na vila de Santos, para morrer, e já pranteada de toda a família. Chegou o Padre José, e disse ao pai e mãe que não chorassem, que a enferma não havia de morrer daquela doença, e que havia de casar, mas que eles se aparelhassem, porque primeiro haviam ambos de morrer que não a filha, e o pai não duraria mais que um ano. Deu à doente um pouco de vinho e mandou-a sangrar, e logo tornou em si. E quanto o padre disse tudo foi verdade sem faltar coisa alguma.

Qual havia de ser o marido de uma moça[editar]

A mãe da dita enferma por nome Felipa da Mota, sendo moça em casa de seu pai, estava apalavrada para casar com certo homem honrado; mas desfez-se o casamento, com muito sentimento do pai e mãe.

Foi-os consolar o Padre José, e lhes disse e não desconsolassem, porque não era sua, e seu marido havia de vir de Lisboa, e a capa que trouxesse aos ombros havia de ser sua própria, sem dever nada a ninguém mais que a Deus; e que havia de ter tantos filhos que não saberia quais eram as camisas de uns e de outros. O que tudo assim sucedeu.

Da filha de Diego de Amorim[editar]

Sendo morador na cidade da Bahia, Diogo de Amorim, casado com Andreza Dias, lhe nasceu uma criança de sete meses, por causa de uma queda que deu a mãe, de que correu muito risco de vida e a mãe padeceu muito trabalho. Foi-a ver o Padre José, e por a criança vir muito fraquinha, rogaram ao padre que a batizassem; escusou-se dizendo que não morreria então, e que mais honra seria batizá-la na Sé, mas que lhe não tirassem o nome de Maria, pois nascera em dia da Assunção de Nossa Senhora; que a criassem muito bem, porque havia de ser alegria daquela casa, e que morreria em dia de Nossa Senhora dali a onze anos, mas não na Bahia onde nascera.

Depois se mudaram seus paris para o Rio de Janeiro, onde a menina faleceu no mesmo dia, ano e idade. Isto referiu a mãe ao Padre Pantaleão dos banhos, dizendo que juraria quando lh’o mandassem.

Aires Fernandes[editar]

No tempo que o Padre José andou entre os tamoios, esteve também com ele um amigo seu, por nome Aires Fernandes, a quem os inimigos tinham retido como preso para o matarem e comerem. Deu conta disso ao padre que lhe respondeu: “não vos gasteis que vos não hão de matar; amanhã a tais horas há de vir um barco a tal porto, e nele vos podeis pôr em salvo”. E assim sucedeu.

Do que pedia ser recebido na companhia e depois se arrependeu[editar]

Concluirei este capítulo referindo um triste caso que o Padre José prognosticou a um homem, que se não quis aproveitar de seu conselho. A história foi esta: sendo o Padre José provincial, e estando no Rio de Janeiro, um homem viúvo lhe pediu o recebesse na Companhia; o padre lhe deu palavra que sim, mas que seria na Bahia, para onde ambos estavam de caminho, tanto que ele concluísse seus negócios.

Veio o homem primeiro com aquela boa intenção, e depois chegou o padre dali alguns dias, e acertaram ambos de se encontrarem na praia; e com o padre, seu companheiro, que notou bem o que ali passaram; perguntou-lhe o padre: “pois, Belchior Gomes, como estais de vossos negócios, não vos acabastes ainda de desembaraçar?” Respondeu: “já, sr. Padre, mas mudei o conselho, porque quero ir morrer a Portugal e lá pedirei a Companhia e morrerei nela”. O padre se chegou a ele, e batendo-lhe com a mão no ombro lhe disse estas palavras, com semblante severo, como que lhe denunciava uma sentença divina: “Belchior Gomes, ir a Portugal ireis, mas o morrerdes e acabar, não será lá nem na Companhia, mas cá no Brasil, e de maneira que merece quem vira as costas ao chamamento de Deus”.

Este pobre homem dali a alguns anos se foi a Portugal, e tornou com provisões para fazer uma nova povoação no Cabo Frio, onde, andando pelo mato, se perdeu dos companheiros, e ali acabou sem mais aparecer, senão que dali a um ano o foram achar mirrado, debaixo da lapa de um penedo.