Saltar para o conteúdo

Vida do Padre José de Anchieta/IV/I

Wikisource, a biblioteca livre

Nem profecias nem obras maravilhosas, por si só foram nunca prova infalível da santidade de algum servo de Deus, porém sempre ajudaram muito, quando eram feitas ou denunciadas por pessoa de vida exemplar, acompanhada de virtudes evangélicas, caridade com Deus e com o próximo, humildade, mortificação, e outras semelhantes.

Tais foram as virtudes do santo Padre José, pelo que não há o que espantar, de fazer Deus por ele, as obras maravilhosas a que as forças humanas não podiam chegar, as quais, por muitos testemunhos autênticos, se mostra e prova ter Deus por ele feitas em diversos lugares, matérias e ocasiões.

Estando com outros homens ia e tornava sem darem fé disso

[editar]

Coisa muito rara e privilégio singular é que um homem em carne mortal, cada vez que quer, estando em conversação de outros homens, se faça invisível, e se ausente deles, e torne à conversação sem darem fé quando foi, nem por onde tornou. E outras coisas desta sorte que logo tocaremos. Nem eu pudera escrever, nem imaginar do Padre José, se a autoridade das testemunhas me não assegurara o campo.

Miguel de Azeredo

[editar]

Miguel de Azeredo, capitão da Capitania do Espírito Santo, depôs em seu testemunho que, andando o Padre José com muitos índios, e alguns padres das aldeias, abrindo uma levada para um engenho de uma pessoa de obrigação, dali de entre todos se ausentava, e se ia à sua oração, sem o acharem menos, e quando cuidavam que tardava, o tornavam achar entre si, do que se espantavam todos, por não saberem quando ia nem quando vinha.

Semelhante caso se tocou no livro segundo, capítulo segundo.

Luís Gomes

[editar]

Luís Gomes, morador na mesma vila, diz que indo em uma galé de que era capitão Belchior de Azeredo, na qual ia também o Padre José, muitas vezes o buscavam para cear, e não o achavam no lugar onde primeiro o buscaram. E perguntando ao mesmo onde se escondia sua R., que o não achavam, respondia que estava ali na proa rezando e que nunca dali se bulira. E conclui que não podia ser estar o padre ali.

O mesmo me contaram os padres acontecer-lhe muitas vezes com ele, assim caminhando e conversando em terra como navegando por mar.

No mesmo tempo em diversas partes

[editar]

Estevão Ribeiro, morador na vila de São Paulo, vindo à Capitania do Espírito Santo, e falando com um padre nas coisas do Padre José, lhe disse fora visto, e falaram com ele no mesmo tempo, diversas pessoas, em diferentes partes, em São Vicente e em São Paulo, havendo entre estas vilas obra de quatorze léguas de distância. O qual dito, de Estevão Ribeiro, confirmou o Padre Vicente Rodrigues, companheiro do Padre José em muitas viagens.

Do missal

[editar]

Contou o mesmo Padre Vicente Rodrigues, no Colégio da Bahia, a um padre, o caso seguinte: ia ele com o Padre José e outros padres, de São Vicente para São Paulo, e no meio da serra se acharam sem missal, sendo dia da Ascensão de Jesus Cristo Nosso Senhor. Ofereceu-se o Padre José para o tornar a buscar, à casa de São Vicente. Tornou e daí a meia hora, vem com um missal debaixo do braço, com que disseram missa.

E continuaram seu caminho, louvando a Deus as maravilhas que obrava por seu servo, mas não nas achando por novas no Padre José, sendo dignas de admiração, porque o padre não foi visto na casa de São Vicente, nem dela faltou tal missal. E para desandar e tornar a andar aquelas seis ou sete léguas, escassamente bastara todo um dia a um valente andador; mas são favores, e milagres de Deus Nosso Senhor.

Enxuto na chuva

[editar]

Andava o Padre José, com muita gente, fazendo um caminho novo pela serra, entre São Vicente e São Paulo, em companhia de Afonso Sardinha, que jura enxugar-se o vestido ao padre ao entrar na choupana, vindo de fora molhado. Disse mais que o padre se deixava estar dentro na casinha, até que lhe parecia que Afonso Sardinha dormia, e logo se saía, e posto ao pé de um pau, com as mãos alevantadas, passava a maior parte da noite em oração.

Afonso Gonçalves, morador no Rio de Janeiro, afirma que acompanhando ao Padre José com um cunhado seu, deram ambos fé que, em um dia de muita chuva, pela mesma serra, indo eles ambos ensopados em água, só o padre ia enxuto, e que dizendo isto ao padre, respondera que da sua roupeta por ser boa, logo escorria a água, sendo ela na verdade muito velha.

Do breviário

[editar]

No ano de 1601, Damião da Costa Favela, morador no termo da cidade da Bahia, contou a um padre da Companhia este caso: sendo ele moço e acompanhando ao Padre José pela praia de Nossa Senhora da Conceição, por outro nome Itanhaém, com outro irmão nosso, no meio do caminho perguntou o padre ao irmão pelo seu breviário, e achando que não metera no alforje, o Favela se ofereceu a tornar em busca dele, o que o padre não consentiu. E chegando à Igreja e feita oração, o padre tomou de cima de um altar o breviário, e se pôs a rezar por ele, e acabando de rezar o deu ao irmão, dizendo: "outro dia não vos esqueça de o meter no alforje". E era o mesmo do padre, que, por esquecimento, ficara na casa de São Vicente. Donde entendi, diz este homem, que algum anjo lh'o trouxera ali.