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Vida do Padre José de Anchieta/III/IX

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Guardei de propósito para este capítulo, alguns exemplos tirados dos testemunhos da vida do Padre José, que parece que claramente provam valer ele nesta vida, e andar em tão alto grau de privação com Deus Nosso Senhor, que muitas vezes lhe revelava, os segredos e pensamentos e consciências das pessoas com quem tratava, da qual notícia usava o servo de Deus, com as mesmas pessoas, ou para aquietar suas consciências temerosas, ou para atalhar pecados e graves desastres.

E posto que de outros santos se escrevam semelhantes coisas, como raras e em prova de santidade deles, em o Padre José era isto tão certo e ordinário, que alguns dos nossos receiavam de estar na casa onde ele era superior. E um deles diz em seu testemunho estas palavras: “o Padre José me descobria muitas coisas que eu com os de casa pensava, que só Deus e eles podiam saber, e assim andávamos muito sobre nós, por entendermos, que nada se lhe encobria, e que Deus lhe revelava tudo”.

Inácio Toloza - Descobre um pecado ao mesmo penitente

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Estava o padre Pero André doente no Colégio da Bahia, sendo provincial o Padre José; entrou um dia pela manhã o enfermeiro e achando que estava em perigo, foi logo sem falar com ninguém em busca do Padre José, pedir-lhe viesse confessar ao enfermo.

Viu ao padre de longe no cabo de um corredor, e antes de lhe dizer nada, nem lhe declara o conceito que levava, lhe disse o Padre José em voz alta: “ide depressa à portaria, e chamai ao Padre Inácio Toloza, que deixe a confissão que está fazendo, e vá em meu lugar confessar ao padre doente”. Assim se fez. Acabada a confissão perdeu logo o juízo, e não no cobrou até a morte. Um homem testemunha de si mesmo este caso: que sendo ele moço, se confessara com o Padre José, e encobria certo pecado, mas o padre lh’o disse claramente, o que ele vendo, pelo conceito que tinha da santidade do padre, se rendeu e fez confissão inteira como devia, entendendo que Deus lh’o revelara.

Aquieta a dois, de seus escrúpulos, sem os ouvir

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Um padre confessado do Padre José, foi uma vez para se confessar com ele; respondeu-lhe que fosse dizer missa, que não era mais necessário. Replicou que tinha um escrúpulo. Acudiu o padre: “vá embora que esse escrúpulo é de tal matéria, e nisso mais mereceu do que desmereceu”. Com que o padre se aquietou, sendo assim que por via humana era impossível saber a matéria do escrúpulo, e muito menos se merecera ou não. Da mesma maneira, a um padre que vinha com outro escrúpulo, antes de lhe ouvir palavra alguma da matéria, o aquietou dizendo que não tivera nisso culpa.

Livra do perigo a um padre

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Mandou a um padre que fosse confessar certa pessoa doente, e ele foi dizer missa. O confessor, querendo fazer seu ofício, achou-se lá em um perigo, de que Deus o livrou por orações do Padre José, a quem o mesmo Senhor o revelou na mesma missa. Porque tornando o confessor para casa, entrou na sacristia ao tempo que o Padre José se estava despindo; ao qual antes de falar palavra disse o Padre José, que o ajudara naquele perigo, usando daquelas palavras que o Senhor disse a São Pedro: Ego rogavi pro te, Petre, ut non deficiat fides tua.

Entrou o Padre José em um Colégio, e um irmão que nunca o tinha visto, em o vendo, formou dele fraco conceito, pelo ver de estatura e presença pouco vendável; e disse em seu coração somente: “para que é agora cá isto?” Não se escondeu este pensamento ao humilde padre, por mais secreto que foi, e quando chegou a abraçar este irmão, lhe disse com muita alegria e caridade: “assim é, irmão, como vós cuidais, e só vós me conhecestes; para que sou eu cá?” De que o irmão, ficou não menos confuso pelo conceito que formara, de que espantado de ver que o padre conhecera o que em seu coração passara.

Outro irmão, por se achar muito fraco, pediu ao dispenseiro lhe desse alguma coisa para merendar. Respondeu-lhe: “não há licença e logo o padre provincial o há de saber, ainda que ninguém lh’o diga”. Daí a pouco vai o Padre José ao cubículo do enfermeiro, e diz-lhe: “daí ao irmão o que vos pede, porque tem necessidade”.

Livra a um irmão do espírito da ira

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Um irmão andava com uma pesada melancolia na matéria de ira, e sem dizer nada a ninguém acerca dela. Nisto perpassa por ele o Padre José, e diz-lhe assim: “fora, fora com isso que não presta”. E deitando-lhe a bênção, o deixou tão desassombrado, como se tais pensamentos nunca por ele passaram.

Livra certos homens de cometerem alguns pecados

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O testemunho autêntico de João Soares, morador em São Paulo, diz assim: perguntado ele, testemunha, do que sabia do Padre José de Anchieta, que está em glória, disse: que era verdade que havia obra de trinta e cinco anos, que conhecia ao dito padre nesta costa do Brasil, e muitas vezes o acompanhara por caminhos e povoações, e se criara ao bafo de sua doutrina. E o tinha por Santo em sua vida, porque muitas vezes ia ele testemunha a cometer brigas e outras coisas de pouco serviço de Deus, sem dar conta a ninguém, e o padre se ia Ter com ele e lhe dizia: “filho não vades fazer o que levais determinado, não vades com tal propósito, porque vos castigará Deus, Nosso Senhor”.

E assim me tirava de meus maus intentos com suas santas palavras e exemplos.

E disse mais, que um dia foi cometido de um amigo para irem matar um homem, e juntamente a mulher do mesmo seu amigo, que andava já fugida de casa; e que estando eles tratando o como, sem saber do caso viva pessoa, chegou o Padre José e lhes disse: “filhos não façais o que estais determinado”. E lhes deu tão eficazes razões que ficaram fora de si. E não somente os tirara do mau propósito, mais ainda ficou o homem tão mudado, que logo disse: “padre, trazei minha mulher para casa”.

E logo ele João Soares a foi buscar, com recado do Padre José, à fazenda onde estava escondida do marido, e a trouxe à vila, onde o padre, e ele testemunha, a entregaram a seu marido. E daí por diante viveram em paz e serviço de Deus, que seja glorificado em seus Santos.