Página:A Esperanca vol. 1 (1865).pdf/298

Wikisource, a biblioteca livre

A menina, ou exitou, ou pronunciou o seu nome tão baixo que só foi ouvido de Deus.

Outra idéa, não mais consoladora que a primeira se lhe apresentou na mente, porque continuou com voz tremula.

― E' isso, é, nem póde ser outra coisa, está doente sim, o coração adivinha-me que está doente!

― E sem ninguem da sua familia ao pé de si!

Torrentes de lagrimas innundaram as faces de Clotilde (que assim se chamava a nossa joven).

― Minha mãe, exclamou ella cahindo de joelhos, ― vós que tão nova me deixaste n'este mundo, pedi a Deus por aquelle, a quem meu coração exclusivamente pertence.

Uma pancada na porta do quarto fez erguer a moça lagrimosa; reconhece a voz da velha Roza, sua fiel criada, permittiu-lhe que entrasse.

A velha abriu a porta, e disse á menina:

― Vosso tio manda-vos procurar se podeis descer ao seu gabinete? Recebeu agora cartas do correio, e parece-me que veio coisa de novo, por que no fim de lêr uma d'ellas ordenou, a Leopoldo que aparelhasse os cavallos.

As duas mulheres demoraram-se alguns minutos n'esta convervação, e o tio de Clotilde, em vez de esperar que a sua sobrinha descesse ao seu gabinete, subiu elle para os aposentos da menina. Quando a criada acabava de dar a sua noticia, appareceu á entrada do gabinete o snr. Anselmo da Cunha.

Tentaremos esboçar o retrato do tutor de Clotilde.

 

 

Maria Isabel


Romance original por Maria Peregrina de Sousa

Dedicado á memoria de minha irmã

(De pag. 290)

O regedor ficou atordoado.

Damião tornou a fallar. A sua eloquencia, ao alcance dos campesinos, tornou a fazer pender a balança para aquelle lado. Adiantou-se o regedor para pegar no braço da donzella, dizendo:

— Em cortezia, venha com aquelle que é, como lá diz o outro, o mesmo que seu pae, porque faz as suas vezes, como diz a carta constitucional.

— Alto: gritou Francisco erguendo o machado. Quem pozer a mão na senhora D. Mariquinhas fica sem braço, ou sem cabeça. Este machado nem conhece cartas nem meias cartas, sejam constitucionaes sejam o diabo.

— Não se sabe que eu sou o regedor? O maioral da terra?

— Ainda que seja o diabo corto-lhe o leme se dá mais um passo; e olhe que barco sem leme não navega.

— Está preso á voz d'el-rei.

— Qual estou, nem qual cabaça! Depois de eu cortar mastros e mastareus me prenderão.

— Senhor Francisco, exclamou a menina assustada, pelo amôr de Deus não mate ninguem, nem se arrisque a ser preso. Deixe-me fallar com o snr. regedor.

— Falle a senhora: disse o regedor que já não sabia o que havia de fazer. Maria Isabel fallou, mas o seu discurso nada conseguir senão ganhar tempo. Damião estava á mira para se lançar sobre o marujo e desarmal-o; mas este vigilante e activo, não dava mostras de poder ser surpreendido.

Em cortezia, replicou o regedor ao discurso da donzella, a senhora vá para casa do seu tutor; e o senhor marinheiro abaixe o seu machado, e vá para o seu navio. E' do meu dever; como disse cá este fidalgo, de manter a carta constitucional.

Mantenha as cartas, replicou Francisco, e mais o diabo. Perdõe, senhora D. Mariquinhas... Estes labrostes do mato fazem perder a paciencia a um christão baptisado.