40 anos no interior do Brasil/O Banho de Assento

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O Banho de Assento


O inverno no Brasil, especialmente nas frias regiões do sul, é uma coisa singular. Às vezes o termômetro marca alguns graus abaixo de zero pela noite; então o campo amanhece coberto pela geada. Mas tão logo os primeiros raios decidem passar sobre as superfícies prateadas e a geada é visivelmente lambida como o sal pelas vacas, então somente na sombra ficam por algum tempo algumas faixas esparsas de geada. Mas assim que o astro-rei vai mais alto, a temperatura sobe rapidamente e chega até vinte graus na sombra. Assim é o inverno brasileiro! O que o brasileiro faz em tais dias excepcionalmente frios? Para tais situações ele tem um meio muito simples: quando a situação o permite, fica na cama até esquentar um pouco. Não há estufa nos quartos, ele pode no máximo se sentar em frente do fogão à lenha na cozinha. Ou procura aquele lugarzinho que já foi iluminado pelo sol, onde ele imediatamente encontra almas na mesma situação. Então se discute política e são contadas anedotas que muitas vezes são de conteúdo duvidoso e não servem para ouvidos sensíveis.

Tal idílio de inverno brasileiro não me era concedido, pois era empregado da ferrovia, como se pode depreender da seguinte história:

Nós éramos nove homens, todos a cavalo; voltávamos de uma exploração da nova ferrovia em construção e queríamos cavalgar para casa. Você sabe o que isso significa depois de se ter perambulado por meses no mato? Não, você não pode nem de longe imaginar, porque você não sabe como é a floresta virgem brasileira!

Quando eu ainda era um rapaz inexperiente e tinha muitas expectativas, em minha inocência sonhava com a floresta virgem. E quando estudei na Alemanha, aprendi que se utilizavam mapas militares e em casa se faz o esboço do traçado da linha férrea, para só então ir para o campo propriamente dito. Contudo, quando eu fiquei à beira de uma verdadeira floresta virgem, todas as minhas expectativas foram por água abaixo. Além disso, aqui não havia mapas militares, nem mesmo mapas convencionais. Pois o que havia sob esse nome era três quartos de mera fantasia. Tentava-se achar um rio com um desses mapas e ao invés disso chegava-se a um morro, ninguém se espantava com isso, torcendo para que o rio procurado pudesse estar do outro lado do morro. Entretanto, não se deve ignorar que o Brasil é um país novo e que só conta com metade da população da Alemanha, mas é aproximadamente dezessete vezes maior em extensão. Com tudo isso, a floresta virgem é uma completa "Terra incognita". Ela forma um emaranhado de todas as plantas imagináveis, de árvores, taquaras que se parecem com bambus da Índia, trepadeiras e madeira de corte espínhosa, de forma que nunca se pode ver o chão e saber onde se pisa. Deve-se ficar satisfeito quando se tem uma visão de dez metros. O avanço é extremamente fatigante e exige uma marcha própria para a floresta virgem, para isso levanta-se as pernas passo a passo e avança-se bem lentamente, como um cavalo marchador. Caso se quisesse mover os pés de forma normal e habitual, logo se daria com o nariz no chão. A esta comodidade, juntavam-se ainda os inumeráveis animais que povoavam a floresta. Na verdade eu já vi todos eles, nunca em uma floresta, mas sim nos jardins zoológicos na Alemanha. Pois na selva espessa eles são quase invisíveis. No geral, nas regiões mais habitadas, a caça não é quase praticada, pois cada jovem brasileiro já carrega uma pistola de caça no cinto, antes mesmo de atingir o décimo ano de vida. Essas pistolas são, na maioria, carregadas pelo cano de aproximadamente trinta centímetros de comprimento e fabricada para carga de chumbo. Para a floresta elas são muito mais manejáveis do que espingardas grandes; pois não se tem um campo de visão muito amplo e o seu poder de fogo é completamente suficiente. Com estas pistolas se atira em qualquer animal, indiferente de ser uma mãe ou filhote.

Mas voltemos aos nove homens a cavalo! Eu era o chefe da pequena tropa. Por volta das nove horas da manhã nós atingimos a margem do rio Putinga.[1] Quando o nível da água estava baixo, era fácil atravessar. Mas agora ele estava com todo o leito cheio, de modo que deveria ter de oito a dez metros de profundidade. A água barrenta corria com grande velocidade e não nos causava uma impressão muito confiável. Onde está a canoa? Ah, não havia nenhuma canoa à vista! E onde está o canoeiro? Este também não apareceu. Nós chamamos e gritamos por ele cada vez mais alto, e como isso não ajudou muito, atiramos para cima com nossos revólveres. Finalmente veio um homem de rosto amarelo-sujo por uma estradinha.

Bon dia!”

Bon dia! Como vai o senhor?”

“De saúde estou ótimo, mas me diga onde, por mil demônios, está a sua canoa?”

“Por favor, não se irrite, meu senhor! Paciência, paciência! O senhor quer saber onde está a minha canoa? Claro, está sobre a outra margem do rio! Se o senhor se posicionar aqui, poderá ver o outro costado”.

“Sim, sim; mas quem nos atravessará até o outro lado?”

“Veja, meu caro senhor, eu não quero arriscar a minha vida. Eu não vou buscar essa canoa nem por cinquenta mil-réis”.

“Sim,sim, mas o que faremos nós aqui?”

“O senhor pode esperar até que viajantes venham do outro lado ou atravessar nadando e pegá-la!” E maliciosamente sorrindo o corajoso canoeiro arrastou os pés de volta para sua cabana escondida.

O que fazer? Nós nos encaramos e fitamos as águas gorgolejantes até que eu, finalmente farto da indecisão, coloquei a questão de quem saberia nadar.

“Eu não”, opinou o primeiro desanimado. “Eu de modo algum”, balbuciou um outro inseguro. “Eu posso nadar um pouco, mas não nessa correnteza”, objetou o terceiro. “E eu não nesse frio”, desculpou-se o seguinte. Então em fila eles me abandonaram.

“Vocês não valem nada!” explodi irritado. “Essa cambada mora ano após ano mais no campo que na cidade e não sabe nadar nem em caso de necessidade!”

Então pensei comigo mesmo, esperar aqui até que por acaso um viajante venha do outro lado? Nesse caso nós podíamos contar que precisaríamos esperar meio ou até um dia inteiro em uma região isolada como aquela! Não, de forma alguma! Meu olhar desamparado mirou de cima a baixo na procura de alguma tábua ou objeto semelhante que pudesse ser utilizado. Nosso velho capitão da infantaria costumava dizer que nós, uns malditos sujeitos, éramos preguiçosos demais para manter os olhos abertos, pois tudo que precisávamos estava à mão. E realmente a minha vista pousou sobre as taquaras gigantes que se encontravam na margem. Taquaras são mais macias e mais finas que bambus, chegam a atingir doze metros de altura e, no entanto na base mede somente de três a cinco centímetros. É encontrada em toda a parte, em alguns lugares sozinha, em outros formando um taquaral. Para o brasileiro, são tão indispensáveis quanto os coqueiros para outros povos. Dos tubos cortados ele trança suas cestas e até mesmo as paredes do interior de sua cabana, os tubos cortados mais fortes ele utiliza nas cercas, que, no entanto são às vezes defeituosas, e ainda para muitas outras coisas. Uma parte dessas estacas murcha depois de algum tempo, torna-se seca e flutua razoavelmente bem sobre a água. Caso elas não estejam rompidas, as cavidades isoladas contêm ar entre cada nó, funcionando, por assim dizer, como câmaras de ar.

Portanto eu mandei o meu pessoal apear, cortar com seus longos facões tais estacas secas e trazê-las. Estas estavam enfileiradas em uma distância de quatro a cinco metros e embrulhadas em dois feixes, sendo que nós utilizamos as taquaras verdes rachadas como amarras. Em cima disso foi amarrada uma ripa que estava na margem e que serviu como assento – e assim, a mais bela das jangadas estava feita!

“Seus chorões!” Bufei eu imponente. “Nadar vocês não podem, mas guiar uma canoa, todos conseguem muito bem! Quem de vocês senta sobre essa jangada, pega esta segunda ripa como remo e busca a canoa?”

Novamente um silêncio constrangido e então mil pretextos e desculpas! Eu involuntariamente lembrei-me do poema “O Mergulhador”[2] de Schiller ao ver estes valentes cavaleiros e escudeiros parados em volta sem coragem de entrar no abismo. Ficou claro para mim que eu não podia contar com esses heróis, então, meio contra a vontade, decidi tentar eu mesmo. Em primeiro lugar eu meti a mão na água corrente para testá-la. Uh, com os diabos, como estava fria! Eu estimei que dificilmente teria mais do que seis ou sete graus. Mas não tinha jeito. Então eu me despi até a camiseta de baixo e mandei a embarcação ser trazida para a água. Ela boiou perfeitamente. Mas coragem, vamos lá. Eu montei sobre aquela coisa oscilante e em seguida mergulhei as pernas na água gelada. Huuuuuuu! Sob o meu comando: “Já” os valentes e homéricos companheiros empurraram a jangada, de modo que ela veio comigo para a correnteza. Mas... que raios, o que estava acontecendo? Eu afundava cada vez mais e mais. Primeiro eu mergulhei as coxas, então, muito lentamente mergulhei também os prolongamentos da minha espinha dorsal. Uhhhhhhh, literalmente me correu um frio na espinha! Um banho de assento bem deplorável nesta sopa gelada! Talvez eu tivesse utilizado poucas taquaras, de modo que elas não suportaram o meu peso, ou elas eram em parte permeáveis e permitiram que a água entrasse nas câmaras de ar. Resumindo, era uma situação extremamente desagradável. Além de eu precisar remar com toda a força para que a correnteza não me arrastasse consigo. Mais adiante a jangada esticou o seu focinho intrometido para fora das águas, igual a um golfinho que espreita, enquanto eu, um segundo Arion[3], tomava o meu banho involuntário sentado sobre as costas da besta. Mas Arion pôde pelo menos tocar a sua harpa, mas eu precisei remar e remar, não queria ficar completamente abatido. Poesia e prosa, como vocês sabem, andam sempre tão próximas! Depois de longas disputas com as furiosas correntes, finalmente cheguei nas águas calmas e desembarquei, completamente acabado, ao lado da canoa fugitiva. Com grande esforço eu subi para dentro para me pôr de cócoras e descansar por algum tempo; os flancos do bote me protegeram razoavelmente do vento frio, e assim eu pude esperar até que o meu sangue agitado tivesse descansado do esforço sobre-humano. Então eu amarrei o “golfinho” à canoa e remei para o outro lado do rio onde o meu pessoal me recebeu com gritos de júbilo. Infelizmente só consegui soltar um rosnado feroz em retribuição e me apressei em vestir-me.

A travessia realizou-se agora sem incidentes, na qual os cavalos foram guiados pelo cabresto e podiam nadar ao lado da canoa. Quando eu quis ser transportado para o outro lado com os últimos quatro homens, finalmente o valente canoeiro voltou de lá arrastando os pés e observou a jangada com grande interesse. “Bela jangada!” opinou ele então com um sorriso maroto. “O senhor poderia deixar ela aqui para mim!” Mas eu me vírei, e com um corte soltei a taquara que unia tudo, dei tal pontapé na jangada que ela voou na água que dançava na nossa frente. “Vá buscar a jangada se você tanto quer, seu palerma!” gritei para ele e mostrei o chicote, cuja linguagem penetrante ele entendeu muito bem; então ele retirou-se o mais depressa possível. Mas nós nos apressamos duas vezes mais rápido para o aconchego do lar.

 

  1. Refere-se ao Rio Putinga, pertencente ao atual município de São Mateus do Sul, no Paraná. (NdH)
  2. Referência a uma conhecida balada sobre um corajoso mergulhador escrita por Friedrich Schiller. (NDT)
  3. Figura mitológica grega que escapa da morte por afogamento, salva por um golfinho enquanto cantava um hino de louvor a Apolo. (NdT)

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