A Esperança Vol. I/Clotilde/II
Capitulo II
As duas amigas
Tinham passado dois dias desde que Clotilde recebeu a noticia da perigosa enfermidade de que fôra acommeetido o filho do marquez de Santa Eulalia.
Agora ábro um parentesis para apresentar a joven doente, e dar duas palavras de explicação aos leitores; porque ellas são indispensaveis ao desenvolvimento d'esta historia.
Paulino, orphão de mãe, era o encanto de seu pai, e irmã, e o modelo dos bons filhos, e irmãos.
Sua mãe e a de Clotilde, eram parentes, ainda que em grau muito remoto, e como as suas cazas ficavam só a algumas milhas de distancia viviam na maior intimidade, e seus filhos olhavam-se como irmãos.
As duas mães pensavam com a maior felecidade na união de seus filhos para o futuro.
Paulino, chegando á idade de 11 annos foi para o collegio, aonde estava quando morreu sua mãe.
O pai de Clotilde estava então em Lisboa, e uma noite ao sahir do theatro de S. Carlos foi morto por uma conjuração d'inimigos politicos! Sua esposa esqueceu-se de que n'aquelle momento era mais que nunca precisa para amparo de sua filha, e entregou-se toda a dôr de ter perdido seu marido. D'uma delicada construção, e sem ter quem lhe lembrasse o seu dever de mãe não pôde resistir muito tempo, e passado um anno morreu deixando só a sua querida Clotilde!
O marquez de Santa Eulalia era amigo intimo do pai da innocente orphã, e alguns membros do concelho de familia quizeram que elle fosse o tutor da pobre menina, mas a maioria votou que fosse o snr. Cunha, por ser seu parente mais proximo.
Este homem era antipatico ao velho marquez, e por tanto elle, e seus filhos foram escaceando as suas vizitas á Salgueiroza.
Paulino quando vinha a ferias custava-lhe conformar-se com a ideia de não ver muitas vezes Clotilde, e sempre arranjava licença para ir elle e Josefina passar dois dias junto da sua amiga d'infancia.
Aos 19 annos foi para Coimbra, aonde era idolatrado por todos os seus condiscipulos.
Ao principio cuidava Clotilde que a saudade que sentia pelo mancebo, era a que se tem por um irmão, mas a ultima despedida, quando elle n'esse anno foi para Coimbra convenceu-a de que o amor mais ardente incendiava o seu coração, e estava tão ateado, tinha lavrado tanto com o supposto nome d'amizade, e que era impossivel apagal-o.)
Feita esta apresentação, e dadas estas explicações, vamos de novo procurar o fio d'esta historia.
Como diziamos, eram passados dois dias desde que Clotilde recebeu a triste nova, e esses dois dias passou-os ella sem se deitar, sem tomar alimento algum, e derramando prantos de fél.
Ella não via mais do que a imagem de Paulino, morto, e com elle a sua felicidade. A's vezes um ligeiro raio d'esperança, trazido a seu coração pelo anjo da fé, fazia acalmar o seu desespero, e com a maior confiança punha os olhos na Imagem de Christo, e ficava a orar com fervor por longo tempo.
As commoções por que passava cauzaram-lhe uma febre violenta, e instada pela velha criada metteu-se na cama.
― Deus faz-me a vontade, pênsava ella, e se Paulino morrer vou unir-me com elle.
― Quer que lhe abra um bocadinho da jan'ella que deita para o jardim? ― procurou Rosa.
― Pois sim, quero respirar o ar puro da manhã.
Quando rosa abria a janella ouvia-se na rua o trote de tres cavallos.
Em breves momentos entravam no jardim o snr. Anselmo, precedido d'uma senhora.
― Menina ― grita alegremente a velha ― é seu thio, e a snr.a D. Joaquina.
Clotilde fez um esforço para os levantar, mas exhausto de forças tornou a cahir sobre o leito.
― Minha Clotilde, aonde estás? ― dizia a filha do Marquez subindo as escadas que condiziam ao quarto da sua amiga. A criada abriu a porta d'este, e as duas meninas precipitara-mse nos braços uma da outra.
― Elle morreu? ― murmuram ao ouvido da sua amiga, a sobrinha do snr. Cunha.
― Não sei ― balbuciou entre soluços a menina interrogada, meu pae partiu hontem para Coimbra concedendo-me licença de passar comtigo todo o tempo da sua ausencia: dentro de poucos dias teremos a certesa do que houvêr succedido, por que elle prometteu de me escrever logo que chegasse. Mas tu, minha querida, que tens?
― Nada ― murmurou Clotilde ― mesmo nada, uma irritação nervosa, de que estou melhor; a tua vista reanimou-me.
― Na tarde do seguinte dia, as duas meninas acompanhadas de Rosa, dirigiram-se ao cemiterio ambas de joelhos uma a par da outra enviavam lagrimas e orações, á mãe, e á amiga respeitavel, cujas cinzas alli jaziam.
Depois levantaram-se, um sorriso de resignação, e talvez de esperança animaça os palidos rostos das duas jovens.
A resignação tinha sahido d'essa campa que ellas acabavam de contemplar, a esperança tinha descido do céo para onde tinham vôado as suas orações.
― Ainda é cedo bastante, Josefina, e se tu queres podemos ir á Ermida da Serra.
― Pois vamos, porque desejo vêr o nosso velho mestre.
As portas do cemiterio fecharam-se, e as duas meninas, e a velha dirigiram-se para a Ermida da Serra.