A Esperança Vol. I/Clotilde/VI

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VI
O baile

A casa do marquez de Santa Eulalia é situada em um ponto de vista encantador! Sobranceira á casa está uma colina povoada de tantas arvores, que vista das janellas, parece uma só arvore gigantesca. No cimo d'esta colina, rebenta um arroio de limpida agua que vem serpentiando de cascata em cascata, até o valle, aonde está situada a casa. Ricos pomares de deliciosas fructas, se estende n'um dos flancos da quinta: lindas casinhas feitas de murta, espalhadas aqui e além, convidam a descançar á sua sombra; immensos repuchos rebentam de todos os lados; e em um grande tanque saltam e mergulham peixes de variadas côres.

Uma comprida rua de loureiros, e tilias, aonde a furto penetra o sol, conduz da colina para o jardim que é vasto e variado, e põe remate a esta bella propriedade. A casa é só de dois andares: é um d'aquelles edificios antigos e tão solidamente construidos que o tempo ainda não pode gravar-lhe o seu sêllo de destruição. Tem magestozos salões que abrem muitas sacadas sobre o jardim.

No dia 14 de Julho, estavam elles primorosamente adornados. Vasos de porcelana da China contendo elegantes ramos guarnecem as mezas bem envernisadas, e de custoso lavor; grande quantidade de castiçaes antigos mas de muito valor, sustentando alvas velas de stearina, estão collocadas com ordem e gosto entre as flôres. Bambinellas da cassa da India guarnecem as janellas e modificam o brilho do sol.

Era o dia 14 de julho, o destinado para festejar a feliz chegada de Paulino.

A sala do baile estava ricamente decorada; as paredes eram alvas de neve, e d'ellas se viam pendentes muitos retratos de familia com doiradas molduras. Bellos tremós e ricas cadeiras estufadas de velludo azul os rodeavam.

Paulino não sabia de nada, tinha ido, havia dois dias, pagar as visitas do Barão de Franco, e do Visconde de Fornos. Elle foi sem o saber, o portador das cartas de convite para as duas familias; e n'essas cartas ia ordem de não lhe dizerem nada rêspeito ao baile.

Josefina, ajudada por Mauricia, sua velha aia, andava tratando dos preparativos da festa.

A menina tinha mandado pedir a Clotilde viesse logo pela manhã, e estava n'uma impaciencia, por que eram 4 horas da tarde, e ella sem chegar.

― Alguem entrou minha sr.a, por que senti destroncar o portão ― dizia Mauricia.

― Hade ser Clotilde ― respondeu a filha do marquez, correndo para a porta.

― Não era a sua amiga quem acabava de chegar, mas sim Paulino.

― Ah! és tu? ― dizia a menina abraçando-o ― suppunha que era alguem ― accrescentou a rir.

― Visto isso, minha irmã colloca-me nos nove fora da taboada da gente?

― Não é tanto assim!... E que eu suppunha que era gente de mais ceremonia.

― É grosso o remendo, e não assenta bem, minha irmã ― respondeu o mancebo beijando-a na testa.

― Tu não sabes que espero hoje Clotilde?

― Sim? mas é já bastante tarde, talvez mudasse de tenção.

― Olha, ella ahi está ― disse Josefina correndo para a porta por onde entrava a sua amiga e o snr. Cunha.

― Já suppunha que não vinhas ― dizia-lhe a filha do marquez apertando-a nos braços.

― Nós queriamos vir de manhã ― acrescentou o snr. Cunha, mas Clotilde esteve bastante encommodada.

― Não foi nada, mesmo nada ― respondeu a menina ― nem vale a pena fallar n'isso, meu tio. Onde está teu pai Josefina?

― No seu quarto, mas supponho que não tardará.

― Vem tirar o teu chapeu.

Apenas entraram no quarto de Josefina, procurou-lhe a sua amiga.

― Teu irmão ainda não sabe de nada?

― Não porque ainda agora chegou de fóra, e meu pai vai chamal-o para o seu quarto para lá o enterter, não sabe sobre que pretexto. Nós vamos vestir-nos por que são horas, e os convidados não tardarão a chegar.

Quando as duas meninas pregavam os toucados, entrou Mauricia e disse-lhe:

― Já chegou o visconde de Fornos, e a familia.

― Anda, Clotilde, vamos depressa, por que quero gozar da surpresa de Paulino.

O mancebo ajudado a descer d'um elegante carrinho as duas filhas do visconde de Fornos, quando as duas amigas chegaram a uma das janellas.

As filhas do visconde vinham envolvidas em grandes chailes, e como era já quasi noite não percebeu Paulino os ricos vestidos que ellas trajavam, no entanto, surprehendido, procurava ás duas meninas a causa d'uma visita tão inexperada!

― Pois ha tão poucas horas que nos vimos, e vossas excellencias não me fallaram n'esta visita! ― dizia o mancebo. Aqui ha mysterio, acrescentava elle.

― Foram as saudades por vossa excellencia que aqui nos trouxeram, respondeu Eugenia, (filha mais velha do visconde).

― Não o acredito, minha senhora, ainda que isso era bem lisongeiro para mim, disse a rir o mancebo.

As duas meninas e Paulino subiram as escadas, e o moço não ficou menos admirado quando viu Clotilde, e sua irmã vestidas para baile.

N'este momento ouviu-se no pateo o rodar d'um carroção.

― E' o barão do Franco, disse Clotilde, chegando a uma janella.

― Cortem-me as orelhas, se entendo isto! repetiu Paulino, tornando a descer as escadas para ir comprimentar as novas damas que chegavam.

― Andai tirar os vossos chailes, antes que subam as outras nossas amigas, dizia Josefina ás filhas do visconde.

Quando o barão de Franco e sua familia entraram na sala de baile, já lá estava Josefina, e as suas tres amigas: a menina depois de abraçar as que chegavam, procurou a seu irmão, que no auge da surpresa olhava admirado para o salão brilhantemente illuminado.

― Já decifraste o enygma?

― Já, e não sei qual é maior, se a minha surpresa, ou meu reconhecimento á tua ternura, e as bondades de nosso pai.

O marquez entrou no salão precedido de numerosos amigos, e dando o braço ao visconde de Fornos.

Este era um homem de 50 annos, baixo e grosso; os olhos grandes e redondos, afastados um pouco do nariz, revirado, davam-lhe á primeira vista a apparencia d'uma ave de rapina! O rosto excessivamente córado e quasi sem barba, tinha uma expressão de maldade tão pronunciada, que fazia lembrar ao vêl-o, um condemnado ao patibulo. Tinha só duas filhas. Eram bellas e elegantes: d'indoles bem formadas, mas com pessima educação. Desde criancinhas haviam-lhe feito todas as vontades, e tinham por isso ridiculos caprichos. Eram vaidosas porque seu pai estava sempre a elogiar a sua formosura; orgulhosas, porque lhe fallavam de continuo das suas immensas riquezas. N'este baile, em que as apresentamos, estavam ellas ricamente vestidas. Ambas traziam vestidos de velludo côr de violeta, guarnecidos de custosas rendas; os brilhantes e perolas cobriam-lhe os bellos braços. Eugenia, trazia ao pescoço uma enfiada de coraes. Margarida, um rico colar de esmeraldas. Flores de perolas e coraes, enfeitavam seus louros cabellos.

O barão do Franco, mais velho do que o visconde, não tinha a má apparencia d'este, mas era uma cara antipathica, e um ente nullo para a sociedade. Tinha tres filhas, e um filho, pouco mais sympathico que o pai, e insupportavel por sua presumpção, e parvoice. Suas irmãs eram bellas, grosseiras e escarnecedoras: vestiam com luxo, mas sem gosto. A baroneza, senhora já idosa, de genio indolente, e espirito vulgar, não fazia mais que admirar as picantes graças de suas filhas.

A's nove horas estavam reunidas todos os convidados e o baile começou. O marquez, o barão, o visconde, e outras pessoas que não dançavam, jogavam em uma sala contigua á do baile.

No fim da primeira contradança, Clotilde foi assentar-se numa cadeira que estava collocada no vão d'uma sacada. Pela janella aberta mirava distraida o firmamento, e parecia indifferente ao que se passava no salão.