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A Luneta Mágica/II/III

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E estremeci, ouvindo o canto dos passarinhos no jardim, e o ruído e a festa da natureza, saudando o despontar da aurora.

Era tempo; mas demorei-me ainda, aspirando mais luz, mais brilhante alvorecer no horizonte; o meu coração palpitava com força, a minha alma estava nadando em mar de esperanças e de temores: enfim minha mão se ergueu convulsa... fixei a luneta...

Oh! felicidade!... oh, supremo gozo!... eu vi!... eu adorei a aurora!

Ah! contemplei esse quadro ao mesmo tempo gracioso e magnífico de rosas de fogo suave, esse rubor da virgem do oriente acendido pelo beijo de fogo brando que o sol na face lhe imprime!

Como é bela, esplêndida, fresca, sublime a aurora! não se descreve: é como o primeiro despertar de noiva formosa no leito nupcial, mistura de glória e pejo, de pudicícia e de flamas que fazem corar... é o indizível... o céu abrindo-se à terra.

Eu estava embevecido a olhar a aurora pela minha luneta mágica, admirava, apreciava uma a uma todas as pétalas daquela rosa do oriente que resume mil rosas, todas as nuanças daquelas tintas de fogo saídas dos pincéis dos ralos do sol...

Esqueci o tempo a olhá-la... sem dúvida eu ia já além de três minutos. . .

E de repente as rosas fulgurantes foram se apagando... vi uma nuvem negra, feia, horroroso, preparando em seu seio tempestade violenta, senti a trovoada e o raio, as trevas perto da luz, o estridor abafando o trinar das aves...

Vi o sol, mas não senti nem a luz da majestade, nem o calor que fecunda, vi os raios de ardor desastroso que crestam as plantas e preparam a miséria e a fome; vi raios que pela insolação tinham de produzir a loucura, vi raios que forjados para vibrar sobre os tanques de águas estagnadas, e sobre os pauis, iam levantar, espalhar miasmas e com eles derramar a peste e a morte sobre os homens, vi o sol— não formoso— mas cheio de manchas; vi o sol— não fonte de vida— mas senti a sua força atrativa forjando só os terremotos, os cataclismos, o horror...

Recuei assombrado... a luneta mágica abandonada pela mão que a sustinha, caiu-me no peito... nada mais vi, exclamei porém com dor profunda:

— Meu Deus!... como a aurora e enganadora e falsa!... e como o sol é feio, terrível e mau!!!