A Luneta Mágica/IV/III

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Lembrou-me o meu amigo Reis.

O Reis! tenho pena dele.

A incredulidade do meu amigo Reis é mais do que pertinácia no erro, é um atentado contra os direitos do publico que por ela se vê privado de instrumentos óticos temperados pela magia do armênio, e que podem vulgarizar maravilhas.

O meu amigo Reis é incrédulo; eu porém não sou egoísta, não quero para mim só os milagres que o armênio é capaz de realizar.

Conscienciosamente entendo que em proveito de todos devo atraiçoar o meu amigo Reis, publicando o que sei e o que obtive do armênio, e o que o armênio é capaz de dar, enriquecendo, sublimizando, tornando mágicas as oficinas, que alimentam o armazém do Reis.

Que me cumpre fazer? É claro: vou redigir uma noticia do que obtive e consegui das oficinas do Reis, vou denunciar a existência do armênio, e a sua extraordinária habilidade em magia, vou obrigar, forçar o meu amigo Reis a satisfazer aos seus fregueses, tornando público o que o armênio se declara pronto a realizar em matéria de instrumentos óticos encantados ou mágicos. É um serviço que devo prestar ao meu país e ao mundo.

Entusiasmado fixei a luneta, tomei a pena e comecei logo a escrever:

NOTÍCIA IMPORTANTE

"O abaixo-assinado, possuidor de uma nova e não menos admirável luneta magica que, por grande favor obteve do Sr. J. M. dos Reis, em cujas oficinas na casa de instrumentos físicos etc., a Rua do Hospício n.º 71 trabalha um armênio que é profundamente amestrado em magia, julga do seu dever publicar um segredo que não convém ser por mais tempo guardado.

'O Sr. J. M. dos Reis, teimando em não acreditar na magia, nega-se a aproveitar-se dos oferecimentos do armênio prejudicando assim os seus interesses e os do público.

"Informo pois que o armênio, a quem devo a luneta mágica, se propõe a preparar para que o Sr. J. M. dos Reis exponha a venda no seu armazém vidros e instrumentos óticos de assombrosas condições; espelhos que refletem a imagem dos velhos com o viço da mocidade passada, óculos, binóculos e lunetas que fazem ver o que se passa e o que há a muitas centenas de léguas de distancia, no leito dos rios, no fundo dos mares, no seio da terra..."

Oh!... que fiz eu? Que estou vendo?... meu Deus!... é a visão do bem!...

Escrevendo, esqueci o tempo, passaram mais de três minutos, e, como predissera o armênio, hoje mesmo desobedeci aos seus conselhos!

Pequei involuntariamente; como porém é bela e suave a visão do bem!

As palavras que eu acabava de escrever me pareceram acendidas em brando fogo em que brilhavam generosos sentimentos... as palavras escritas falavam a meus olhos, a incredulidade do Reis exprimia a nobre severidade da ciência e o escrúpulo da religião, a. capacidade magistral do armênio revelava o inocente e benéfico poder da magia que os homens não compreendem, e por isso apreciam mal, a noticia escrita por mim transpirava de todas as linhas, de todas as palavras, de todas as sílabas o amor da humanidade. Em tudo e em todos somente sentimentos nobres e doces virtudes.

Que prazer! que delicias experimentei e estou experimentando!

Ah! por que o armênio havia de aconselhar-me a não usar da visão do bem?

Por que privar-me destes gozos que fazem sorrir a alma beatificada pela pureza e santidade do sentimento?...

Que mal pode provir do bem?...

Eu me senti feliz, imensamente feliz...

Completei a notícia, acrescentando ao que tinha escrito, o seguinte período:

"Ao público, e especialmente aos fregueses do Sr. J. M. dos Reis cabe o direito de à força de pedidos, empenhos, e reclamações coagi-lo a vencer a sua incredulidade, e a aproveitar os oferecimentos do armênio mágico para facilitar ao público e aos seus fregueses todos os instrumentos óticos e maravilhosos espelhos encantados pela magia".

Datei a notícia, assinei-a com o meu nome e imediatamente mandei tirar dela três cópias, para que no dia seguinte aparecesse ao mesmo tempo em todas as gazetas diárias da cidade do Rio de Janeiro.