A Luneta Mágica/IV/XX

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Vi-me constantemente cercado de amigos, em quem aplaudi e venerei virtudes exemplares; paguei-lhes jantares e celas, e a quase todos emprestei dinheiro, que não me restituíram somente porque a fortuna lhes correu adversa.

Paguei flores, coroas e ovações em honra de atrizes dos diversos teatros, todas elas artistas de merecimento surpreendente, e de um proceder ilibado, que só os caluniadores e os perversos punham em dúvida, e recebi em compensação de quantas despesas fiz pela glorificação da arte, sorrisos e votos de eterna gratidão que em seus camarins onde as fui entusiasmado cumprimentar, me renderam essas sublimes intérpretes das sublimes criações dos nossos autores dramáticos, que a minha luneta mágica me mostrou pela visão do bem enriquecidos pelo seu trabalho, altamente honorificados pelo governo, e endeusados pelo povo.

Joguei na praça associando-me com um inglês, que é, pelo que me informou e esclareceu a visão do bem, o homem mais probo do mundo; mas as vacilações e subidas e descidas dos fundos públicos e ações dos bancos e de companhias foram tais, que eu perdi alguns contos de réis e o meu sócio inglês ganhou o dobro do meu prejuízo, o que ainda a minha razão não compreendeu; mas que a visão do bem elucidou perfeitamente, resplendendo os merecidos créditos de probidade e inteireza do nobre súdito de S. M. Britânica.

A visão do bem impeliu-me ainda a muitos outros atos, de que me desvaneço, mas que me custaram caro.

Contribui, subscrevi não sei para quantas liberdades de escravos, obras pias, dotes de donzelas órfãs, instituições filantrópicas, benefícios teatrais em favor de cegos e aleijados, socorros para indigência e nem me lembra que mais; Damião, a Esmeralda e vinte outras amáveis ou respeitáveis pessoas apresentaram-me as subscrições, e receberam-me as quantias com que contribui para todas essas obras de caridade, e estou certo de que o meu dinheiro foi muito bem empregado; porque a visão do bem mo assegura.

Mas na última quinzena deste mês, de que dou conta, têm sobrevindo fatos, e tenho ouvido apreciações terríveis que me provam, que ou fui vitima dos mais pérfidos enganos, e perversos abusos de confiança, ou a calúnia, e a maldade dos homens, que aliás reputo puríssimos, vão além de todos os limites.