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A Luneta Mágica/IV/XXVIII

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Não sai mais nesse dia e dei ordem aos empregados do hotel para que despedissem a todos quantos me procurassem, pretextando ou incômodo ou ausência de minha pessoa.

Consumi a tarde, a noite e a manhã seguinte em teimosas, amarguradas, mas estéreis reflexões.

Eu estava precisamente na mesma situação, nas mesmas circunstâncias, em que me achava nos últimos dias da posse e uso da primeira luneta mágica.

Se alguma diferença havia entre as duas épocas e as duas aflições era agora para muito pior; porque agora se me quebrarem a luneta mágica da visão do bem, já sei que não poderei conseguir outra luneta.

E a sentença está lavrada e é irrevogável: o mano Américo, em sua extrema bondade e pelo grande interesse que toma por mim, receoso de que eu esbanje o resto de minha fortuna, me privará da luneta mágica que dá a visão do bem.

E é amanhã o dia em que por bem ou por mal serei recolhido a casa ou ao cárcere de minha família, e sujeito ao meu curador.

Deverei submeter-me?...

Estudei por todos os lados e em todas as suas conseqüências possíveis o caso, e conclui que o partido que me restava era fugir, e fugir imediatamente.

Para onde? Pouco importa; correrei o mundo; com dinheiro e boa vontade não se vive mal em parte alguma.

Examinei a minha carteira: restavam-me trinta e tantos mil réis!... fiquei desagradavelmente surpreendido; lembrou-me porém que na antevéspera tinha emprestado quatrocentos mil-réis a um dos amigos que jantaram comigo, e que na véspera assinara em duas subscrições para alforria de escravos.

A falta de dinheiro não podia embaraçar a execução do meu plano; eu contava tantos amigos que facilmente arranjaria quatro ou seis contos de réis.

Paguei o que devia no hotel e fui logo procurar o velho Nunes, e em seguida ao bom Damião e a mais quinze ou vinte, a todos os quais patenteei a minha situação, confiei o meu plano, e pedi algum dinheiro ou a titulo de empréstimo, ou em pagamento do que me deviam.

Triste observação!. . Não achei em todos esses excelentes amigos um só que me acudisse com alguma e ainda diminuta quantia!... mas os pobres e honradíssimos homens asseguraram-me que em quinze dias ou um mês me levariam a casa trinta ou quarenta contos de réis.

É pena que somente para tão tarde possa eu contar com esse recurso que fora hoje tão poderoso, e que então será inútil para o meu plano.

Não desanimei e me dirigi ao meu banqueiro; este porém apenas percebeu o que eu queria, tomou o Jornal do Comércio que estava sobre a mesa de seu escritório, e mostrou-me um anúncio assinado por meu irmão, em que protestava não seria paga divida alguma contraída por mim.

Retirei-me desesperado; todas as minhas esperanças tinham falhado, todos os meios me faltavam para obter dinheiro...

Ninguém pode fazer idéia da dor que me despedaçava o coração . . .

Recorri ainda a dois outros amigos que me deviam também somas importantes... um deles voltou-me as costas sem me responder, e o outro não me conheceu!!!

Fixei a minha luneta mágica sobre cada um desses dois miseráveis... ah! nenhum deles era mau: o primeiro voltava-me as costas cheio de vergonha e de pesar por não poder servir-me, e sem dúvida ao ver-me partir, desatara a chorar... o outro, pobre infeliz, afetado de uma moléstia cérebro-espinhal, tinha perdido a memória; pelo menos foi isto o que reconheci pela visão do bem.

Perdida a última esperança, sentindo profundo, moralmente mortal o golpe da desgraça, prevendo o raio infalível que ia fulminar-me no dia seguinte, pus-me a andar sem destino, mas apressado, quase a correr não sei por quais ruas da cidade; sei porém que de improviso parei na quina, ou ângulo formado por duas ruas que se cortavam.

Aproximava-se numeroso préstito de carruagens; quis vê-lo passar.

Era o préstito lúgubre de um finado. Era um enterro.