Castelo Perigoso/XIII
Por luxúria peca homem por desvairados modos. Primeiro pelo feito que é em pessoa religiosa muito feio e vilão pecado. E as pessoas que em tal sujidade se deixam acostumar, maravilha é se nunca o de si podem lançar, antes fazem em ele fim de suas vidas.
Em má hora foi nascida a pessoa de religião que de tal pecado é subjugada, se asinha se não repreende e emenda por verdadeira contrição e confissão e satisfação, ca Deus tem sempre os braços abertos para receber os pecadores a misericórdia.
E assim peca homem por outras maneiras como pelo feito primeiro quando a cobiça do pecado é no primeiro movimento, antes que a razão se perceba bem. Isto é pecado venial. Desde aí quando homem consente de estar longamente nos sujos pensamentos e más deleitações de luxúria, que a razão bem entende, e se deixa estar ciente em estes vis deleites. Isto é pecado mortal, e ainda que homem não queira fazer por obra por nenhuma guisa. Desde aí quando homem assente ao feito do pecado, que de boa mente o faria, se houvesse tempo e lugar. Isto é pecado mortal. E quando uma pessoa esguarda a outra afincadamente com grande ardor de luxúria e a cobiça. Este é ainda maior pecado, porque com o mau pensamento vem o mau olhar.
Item quando com o mau pensamento e o olhar se mistura más falas, que homem roga à mulher e ela o escuita de boa mente, ou que ela diz palavras por que homem pode claramente conhecer sua má vontade. Quem em tal intenção as diz, este é maior pecado que os outros, porque há aí mais de más condições.
Das mulheres vem muitas vezes que, por suas sandias palavras e por sinais que mostram, por seus olhares e continências, e por outras maneiras, que os homens as requerem. E por isto todos os religiosos que de bom coração querem prazer e amar ao seu doce amigo e verdadeiro esposo Jesus Cristo, deviam de fugir a todas ocasiões que podem trazer pecado, as quais homem pode saber por razão e por verdadeiro e puro amor, sem escrito.
E ainda homem peca muito mortalmente quando com o pensamento e o olhar e palavras, vem abraços e beijos e outros vilãos tocamentos em lugares desonestos por deleitação e ardor de luxúria. E sabei que beijar sua parenta com ardor de luxúria, ou por sua formosura ou por outra razão desordenada, é mais grave pecado que a estranha. E homem se deve a guardar de umas e das outras.
Ainda é de saber que em luxúria pecam os homens e as mulheres contra natura, que é o mais espantoso e o mais aborrecível pecado de todos os outros; como e em que maneiras e em quantas, aqueles e aquelas que o fazem o sabem. Mas eu me calarei porque de tão vil e tão fedorento pecado nenhum não deve falar, que ele foi a causa do dilúvio.
E aqueles que isto fazem serão no dia do Juízo como bestas. E se lhe acontecesse antes que houvesse idade e discrição, deve-se homem a confessar, ainda que disto não houvesse perdida virgindade, e se homem não fosse de tal idade que soubesse certamente que sua carne era corrompida.
Assim como dito é que homem filha ardimento de rogar à mulher por sandias continências, assim é mulher por mulher e homem por homem, especialmente religiosos e religiosas, que mal podem fazer seus feitos, se não hão quem os sustenha e ajude em suas companhas. Mas, bem saibam tais gentes que assim passarão estes feitos, como se os fizessem por obra, que o provérbio diz: "tanto vale quem tem o pé como quem o corta". E em tal caso um deve prasmar o outro e admoestá-lo escondidamente que se emende. E, se se não emendar, deve-o denunciar em segredo a seu maior, que o pode emendar em caridade sem fazer escândalo.
Isto não é defamar seu próximo, quem o faz em boa intenção por o corrigir, e quem o não faz, há parte no pecado. Quem com grande ardor amasse Deus e houvesse o seu temor no coração, mais amaria ser desmembrado do que se lançar a tal pecado e deixar o amor de Jesus Cristo, que o deleite é muito breve e o tormento é sem fim. E há muitas aflições e temores em procurando e em fazendo que homem sempre teme ser descoberto. E, se se parte, sempre é apressado por tornar. Assim usam estas gentes seu tempo em dor. Mas em bem fazer e amar Deus há infindo prazer e grande paz de coração. Mas isto não sabe senão quem o prova, de que vos direi um exemplo. Exemplo de uma monja: