Castelo Perigoso/XLIII
Quando se chegava a hora da sua preciosa morte, veio sua madre, que da espada da sua paixão a alma havia trespassada. Então, segundo diz Santo Agostinho, ela foi mais que martirizada, ca ela sofreu na alma todos os tormentos que faziam ao seu bendito filho, e assim os sofreu no corpo, do que ela era assim como morta. O que não era pequena pena ao seu filho, que lhe disse piedosamente: "Mulher, vês aqui teu filho", por são João Evangelista, que aí era presente assaz nojoso e triste. Ao qual ele disse: "Vês aqui tua Madre".
Ora, pensai, se podeis, em que dor de coração foi esta Senhora, quando ouviu esta voz de seu filho que se ia por morte, e ela recebia por seu filho seu sobrinho, e por o Criador a criatura.
Quando a hora da nona se chegou, disse Nosso Senhor: "Eu hei sede". A isto diz são Bernardo: "Aa doce Jesus, por que te queixaste tu de sede e calaste os outros tormentos? Eu creio bem, Senhor, que esta sede era por nossa saúde, que tanto desejaste, que por ela morreste cruelmente".
Então lhe derom fel e vinagre e, gostado, não no quis beber. Desde aí, disse baixamente: "Acabado é". Desde aí, bradou altas vozes que nenhum se escusou de o ouvir: "Padre, em tuas mãos comendo meu espírito". E dito esto, inclinou a cabeça e deu a alma.
Aqui se deve a devota pessoa deter e imaginar bem que, desde hora de meio dia até nona, foram trevas por todo o mundo sobre a terra e o sol perdeu sua claridade e fendeu-se o véu do templo, quebraram-se as pedras e tremeu a terra e os (moimentos?) se abriram e os que jaziam dentro se alevantavom batendo seus peitos. E o centurião que isto viu deu glória a Deus e disse: "Certo, este homem Filho de Deus era".