Castelo Perigoso/XXXI

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Mas o diabo, que muitos sabe de jogos e de artes, quando se vê vencido do primeiro combate e vê que não pode empencer à primeira cava nem ao primeiro muro, porque um não pode ser filhado sem o outro, torna muito triste e move outro novo combate contra a segunda cava, ca por isto são as cavas dobradas, porque as humildades são duas, como dito é.

E porque não pode encher uma das cavas por vã glória nem por louvores, esforça-se de encher a outra por seu contrairo, isto é, por injúrias e vilanias e por desprezos e tribulações, que ele faz e procura serem feitas e ditas às devotas pessoas, que o castelo de seu coração querem guardar em humildade e paz; e move os outros, que hão inveja de sua perfeição aos repreender e plasmar e admoestar e acusar e difamar e escarnecer, porque a segunda cava do castelo é em perigo, se se não avisam e tornam seu coração a Deus, ca se se elas movem a dar mal por mal de dito ou de feito, elas hão perdida humildade, que é sofrer, ser desprezado e vil teúdo, assim como de cima é dito.

E, por não encherem esta segunda cava, é necessário correr ao segundo muro, que será chamado paciência. Este é o maior e mais alto e mais forte cerco do castelo, que quem bem tiver paciência, que é dom de Deus, não haja medo de seus inimigos.

Mas isto não pode algum fazer senão por discrição. E por isto a devota pessoa, que se vê assim cercada e combatida, deve-se logo correr ao muro de discrição e dali saltar no muro da paciência. E se bem se cercar destes dous muros não há que temer.