Compendio de Botanica/XI
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CAPITULO XI.
Dos orgãos da reproducção ou fructificação.
SECÇÃO I.
Dos sexos em geral.
O sexo das plantas he estabelecido nos orgãos da fructificação, chamados estames e pistillo. As flores ou flosculos relativamente ao seu sexo são susceptiveis de quatro distincções principaes, a saber: hermaphroditas, masculas, femininas, e neutras. As flores hermaphroditas (hermaphroditi), a que chamão alguns tambem bissexuaes, e outros absolutas, tem estames e pistillo dentro dos seus tegumentos, como he a açucena, jasmim, pereira, e a maior parte das flores.
As flores masculas (masculi) são aquellas em que somente se achão estames sem pistillo algum, donde alguns lhes chamárão estaminosas, como as que terminão o colmo do milho, os amentilhos da nogueira, e algumas de melão, pepino, abobora, aroeira, legacão, linho canamo, gilbarbeira, etc.
As flores femininas (feminei) são as que tem somente pistillos sem estames alguns, donde lhes chamárão tambem pistillosas, taes são por ex. as que se achão nas tenras maçarocas do milho, nos tenrinhos fructos da nogueira e avelleira, nos que devem ser bolotas no carvalho, e as que estão sobre os tenrinhos melões, etc.
As flores, ou antes os flosculos neutros (neutri) são aquelles, em que se não achão estames nem estilete nem estigma; e apenas se observa debaixo da corolla hum principio de germen abortivo, como são os flosculos do raio do girasol, centaurea, etc.
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Alêm das quatro denominações mencionadas, Linneo deu ainda ás flores os nomes das classes do seu systema sexual, e lhes chamou monandras, diandras, triandras, tetrandras, pentandras, hexandras, heptandras, octandras, enneandras, decandras, dodecandras, icosandras, polyandras, didynamicas, tetradynamicas, monadelphas, diadelphas, polyadelphas, syngenericas ou compostas, gynandras, monoicas ou androgynas, dioicas, polygamas, e cryptogamicas.
Deu-lhes igualmente o nome das ordens do systema, e as denominou tambem monogynas, digynas, trigynas, tetragynas, pentagynas, hexagynas, heptagynas, decagynas, dodecagynas.
O sexo das plantas he fundado sobre o das suas flores, e por conseguinte quasi todas as denominações, que se costumão dar a estas relativamente ao sexo, se podem tambem dar com propriedade ás plantas que as produzem.
Pelo que as plantas se dizem masculinas (plantae masculae) quando dão somente flores masculinas: femininas (feminae), se dão somente flores femininas: hermaphroditas (hermaphroditae), se dão flores hermaphroditas: monoicas (monoicae), quando no seu tronco ou ramos dão flores humas masculinas outras femininas, como no milho, melão, abobora, etc.: dioicas (dioicae) quando em dous individuos da mesma especie ha hum que dá flores masculinas, e outro femininas, como a mercurial, etc.: polygamas (polygamae) rigorosamente são as que dão no mesmo tronco flores hermaphroditas e unisexuaes, como a esponjeira, e alfavaca de cobra, porêm este nome tambem he applicado ás especies que dão flores hermaphroditas e unisexuaes em troncos diversos, como o freixo, figueira, e alfarrobeira.
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Os modernos costumão dar o nome de hybridas ou mulinas (hybridae) a certas plantas, que procedem de duas especies diversas; assim como no reino animal, os mulos procedem do coito de jumento e egoa, individuos especificamente differentes.
Isto tem lugar nos vegetaes, em consequencia de cahir o pó fecundante de huma especie sobre os pistillos de outra; as sementes que provêm desta fecundação, produzem as plantas hybridas, as quaes ainda mesmo florecendo não dão sementes fecundas, e só se podem conservar por meio de suas raizes ou ramos, v. g. a saponaria hybrida, etc.
Segundo a opinião de alguns botanicos, todas as especies de plantas que existem hoje na face do globo terrestre, são as mesmas que existião nos dias primitivos da terra; elles somente admittem novas variedades, e jamais novas especies: outros pelo contrario são de parecer, que ha muitas novas especies procedidas do coito entre os individuos especificamente differentes.
Brotero julga não ser bem fundada esta ultima opinião, e as plantas hybridas provão contra ella.
As plantas que procedem do coito de individuos differentes são mistiças ou mulinas. As mistiças são as que provêm de duas especies ou variedades, e dão sementes fecundas; se cortarmos v. g. os estames a huma tulipa vermelha, e apolvilharmos o seu pistillo com o pó dos estames de huma tulipa branca, as sementes da dita tulipa vermelha produzirão tulipas, humas vermelhas, outras brancas, e outras variegadas de vermelho e branco; as suas sementes serão fecundas, similhantes plantas devem por conseguinte ser chamadas mistiças.
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As plantas mulinas propriamente taes, são as que procedem de duas especies analogas ou do mesmo genero, e dão sementes estereis incapazes de reproduzir individuo algum.
Tanto as mistiças como as mulinas não são outra cousa mais do que variedades, apezar de que algumas tenhão sido consideradas como verdadeiras especies; as mulinas offerecem quasi todo o habito externo da planta de que procedem, e não differem da especie senão no viço e infecundidade da flor.
SECÇÃO II.
Da monstruosidade e viço das flores.
Assim como, entre os animaes, nascem alguns com huma estructura differente em parte da ordinaria da sua especie, e que por isso lhes dão o nome de monstros; do mesmo modo, entre os vegetaes, se encontrão muitas vezes individuos, que conservando ainda mesmo parte da estructura e habito externo da sua especie, se desvião comtudo della em parte, principalmente na flor; he fundado nesta similhança, que os botanicos lhes dão igualmente o nome de monstros (monstra, s. plantae monstrosae).
Todas as flores viçadas e mutiladas (flores luxuriantes et mutilati) são monstros. Nas primeiras os tegumentos dos orgãos sexuaes são de tal maneira multiplicados, que as partes essenciaes da fructificação ficão mais ou menos destruidas: esta producção por mais agradavel que pareça aos floristas, jardineiros, e a quaesquer pessoas em geral, he comtudo considerada pelos botanicos como opposta á ordem natural, e como huma verdadeira degradação causada pela redundancia dos succos nutritivos.
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Nas mutiladas, pelo contrario, a falta de calor sufficiente, e as doenças fazem faltar as partes, que aliás costumão ter naturalmente, sem que por isso outras augmentem.
Nas flores engrandecidas (flores grandificati, s. injuriantes), ainda que a corolla não degenera, quanto ao numero das petalas ou lacinias; e posto que não falta, comtudo em razão dos succos abundantes vem a ser maior, do que naturalmente devêra ser, como se observa na galeopsis, prunella, etc. similhantes, flores devem por isso ser contadas no numero das viçadas modicamente. No mesmo numero se devem contar, as que tem hum calice córado fóra do costume natural, como succede ás vezes no quejadilho.
As flores, a que chamão verdadeiramente viçadas, são de tres sortes, a saber: semidobradas, dobradas, proliferas.
A flor semidobrada (flos multiplicatus, s. semiplenus) he aquella cuja corolla tem mais ordens de petalas, ou maior numero de lacinias do que costuma ter naturalmente; conserva o pistillo e alguns estames, e dá algumas sementes fecundas.
O perianthio e involucro rarissimas vezes degenerão, de modo que cheguem a constituir huma flor semidobrada; e ainda que o calice, contra o natural costume, possa mudar de cor, como succede ás vezes no quejadillo, isto só deve ser considerado como hum pequeno viço.
As flores petaleadas são as que mais ordinariamente vem a ser semidobradas, como por ex. as da nigella, papoila, dormideira, pessegueiro, anemona, hepatica, etc., comtudo não deixão de haver também flores monopetalas semidobradas, como se vê na datura stramonium, e campanula trachelium, etc.
Nesta sorte de flores viçadas, o augmento das petalas ou lacinias he mais ou menos consideravel, constando humas vezes de duas ou tres series, outras vezes de quatro ou mais. Nellas a fructificação não deixa de medrar em parte, havendo sempre algumas sementes perfeitamente fecundadas.
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Os estames ou os nectarios, que nestas flores passão ordinariamente a ser petalas, augmentão-nas ás vezes de tal modo, que parecem similhantes ás polypetalas naturaes, e he preciso ter cuidado de não as confundir com ellas; a nymphea, cactus, e o mesembryanthemum são polipetalas naturaes; a sua fructificação he sem viço, e huma das suas sementes lançada em terra competente, reproduz a especie com flores polypetalas, em tudo similhantes áquella de que a dita semente he originaria; o que não tem lugar nas petaleadas, multiplicadas por viço; por quanto se semeamos a semente de huma flor petaleada semidobrada, da nigella, v. g., em hum terreno competente, as corollas da nova planta terão somente huma só serie de cinco petalas, como naturalmente costumão ter.
A flor dobrada (flor pleus) propriamente tal he aquella cuja corolla dobra de tal modo, que todos os estames ficão convertidos em petalas ou lacinias. O pistillo nestas flores ordinariamente he transformado assim como os estames, ou apertado e suffocado de modo que fica esteril. Sendo pois deste modo destruidas as partes essenciaes da fructificação, se entende facilmente que huma flor, segundo a verdadeira accepção botanica deste termo, fica inteiramente esteril, e não se podem esperar della sementes algumas fecundas.
A dobrez (impletio) tem ordinariamente lugar nas flores petaleadas, como v. g., nas da maceira; pereira; pessegueiro; cerejeira, gingeira, amendoeira; romeira; murta; morangueiro; ranunculo; anemona; papoila; dormideira; craveiro; açucena; peonia, ou rosa albardeira; tulipa; narcisso; junquilho; violeta, chagas; goiveiro; malva; alcea ou malva da China; hesperis matronalis; hibiscus; anemona hepatica; aquilegia; nigella; agrostema coronaria; silene; lychnis; fritillaria, etc. Não deixão comtudo de haver alguns exemplos de flores monopetalas sujeitas a dobrar, como são por ex. as do jacintho; açafrão; colchico; quejadilho; tuberosa; datura; etc.
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As monopetalas dobrão por meio do augmento das lacinias, e as petaleadas pelo augmento do numero das petalas, o qual se faz não só á custa dos orgãos sexuaes, mas ainda por meio da transformação dos nectarios, como se vê nas esporas; nigella; aquilegia; etc.; a dobrez comtudo desta ultima, segundo se tem observado, pode ser de tres modos: 1.º pela transformação total dos nectarios em petalas: 2.º pela transformação total das petalas em nectarios: 3.º pela dobrez dos nectarios, conservadas comtudo as cinco petalas; e neste caso os espaços entre ellas ficão occupados cada hum por tres nectarios encravados huns nos outros.
No narcisso ás vezes só os nectarios dobrão, outras vezes tanto dobrão as petalas como os nectarios. A saboeira de Inglaterra (saponaria officinalis hybrida), os novelos ou rosa de Gueldres (viburnum opulus globosum, s. roseum), e a peloria (antirobinum linaria peloria) subministrão tres exemplos extraordinarios de dobrez. A primeira he huma variedade da saboeira ordinaria; com a corolla de cinco petalas transformada em monopetala, similhante á da genciana.
Os novelos são huma variedade de cerdeira (viburnum opulus); a cerdeira ou especie natural dá flosculos dispostos em cimeira; as corollas dos que estão no centro ou disco são campanuladas, de cinco lacinias, e contêm orgãos hermaphroditos; as do ambito ou raio são arrosetadas, maiores do que as do disco, e sem estames nem pistillo: mas nos novelos a cimeira he multiplicada, e tem a fórma de hum novelo; os flosculos do disco são estereis e neutros, como são os da circumferencia da cimeira da especie de que degeneravão, e similhantes a elles na grandeza; nesta circunstancia a dobrez consiste na esterilidade, e grandeza augmentada das corollas, no que se assimelha á dobrez das flores compostas.
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A da peloria tambem he bastantemente notavel: esta planta dá-se ordinariamente entre as linarias, e se assimelha inteiramente a ellas no habito externo, cor da corolla, calice, e germe do pistillo de suas flores; estas circunstancias, e não dar sementes fecundas, fez considera-la como huma variedade hybrida de linaria ou linaria monstruosa: as flores naturaes da linaria tem huma corolla mascarina, com hum esporão e quatro estames, e as da pelotia tem a corolla regular, fendida em cinco lacinias, com cinco estames, e cinco esporões, e nisto se diz consistir a sua dobrez.
A semidobrez e a dobrez das flores pode ter lugar, tanto nas que são simplices, como nas compostas. Huma flor simples petaleada em estado de viço, pode facilmente distinguir-se de huma polypetala natural, da maneira que já dissemos: tambem a poderemos distinguir de huma flor composta natural pela razão de ter somente o pistillo no centro, ou não ter pistillo algum, como o ranunculo dobrado: nas flores compostas naturaes, como por ex., nas da alface, e chicoria, cada flosculo tem o seu pistillo e estames.
As flores compostas, como fica dito, são inteiramente ligulosas, ou inteiramente tubulosas ou radiadas. Nas flores radiadas a dobrez pode ter lugar: 1.º em razão dos flosculos tubulosos do disco tomarem a fórma dos flosculos do raio, como se vê em algumas especies de girasol, cravo de defunto; calendula, chrysanthemum, anthemis, matricaria, achillaea ptarmica, centaurea cyanus, etc.: 2.º quando conservados os flosculos do raio, os do disco se alargão e alongão demasiadamente, e tem menos lacinias ou denticulos, no seu orificio como se tem visto na serratula arvensis: 3.º quando as corollulas ligulosas do raio se mudão em tubulosas, como se tem observado na bonina, matricaria, e cravo de defunto.
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Nas flores compostas inteiramente ligulosas, a dobrez só se conhece e se distingue do estado natural, pela razão de que os estigmas se alongão muito, os germens augmentão, são mais compridos do que o calice, e divergem, como se tem observado na escorcioneira, lapsana communis, e tragopogon pratense.
Huma flor composta radiada no estado de dobrez não deve ser confundida com as inteiramente ligulosas naturaes, como são a serralha, dente de leão, etc.; estas flores tem todos os seus flosculos hermaphroditos, nas radiadas dobradas pelo contrario, não ha antheras em flosculos alguns; nem tambem algumas vezes pistillos perfeitos.
Tem-se observado que se huma flor composta natural, como a bonina, cravo de defunto, matricaria chrysanthemum, tem no raio flosculos com pistillos, os flosculos transformados dos discos os conservão igualmente: mas se os do raio não tem pistillos, não os tem tambem os flosculos viçados do disco, como acontece na dobrez do girasol, centaurea, e calendula.
Ha muitas familias de plantas que dão constantemente flores sem dobrez nem viço algum notavel, taes são por ex. as das ordens naturaes, que Linneo chama inundadas e boleraceas que dão flores sem corolla, como a tabúa, espinafre, acelga; as verticilladas ou labiadas, como a salva, alecrim; as personadas, como a escrophularia: as asperifolias, como a borragem; as estrelladas, como a ruiva, e amor de hortelão: as umbelliferas, como o coentro, salva; as leguminosas, como o feijão, caracoleiro: nesta ultima familia não deixa de haver alguns exemplos, ainda que raros, de flores dobradas; ellas se tem observado na giesteira, clitoria ternatea, coronilla varia, e anthyllis vulneraria.
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A flor prolifera (flos prolifer) he a que lança de si outra flor ou pequenas folhas; ordinariamente he dobrada: no primeiro caso he denominada flor prolifera de flores (prolifer floriferus); e no segundo flor prolifera de foliolos (prolifer foliiferus).
A prolificação de flores he de dous modos, ou originaria do centro, ou dos lados; na do centro o pistillo brota de si outra flor para cima, posta sobre hum pedunculo, e tem lugar algumas vezes nas flores simplices, como nos cravos, ranunculus tuberosus, anemona hortensis, geum urbanum, rosa gallica, etc.; na dos lados o calice commum brota de si muitas outras flores pedunculadas, e tem lugar nas flores compostas e aggregadas, como na bonina, calendula officinalis, saudade, hieracium falcatum proliferum de Gaspar Baubim.
As flores proliferas de foliolos são raras, observão-se comtudo algumas vezes nas roseiras, e anemonas.
A prolificação (prolificatio) não só tem lugar nas flores, mas ainda nas umbrellas simplices e cimeiras, em razão destas brotarem de si outras contra o seu costume natural, do que temos exemplo no cornus suecica, selinum palustre, etc.
A flor mutilada (flos mutilatus), segundo Linneo, he aquella em que falta a corolla, quando a devera ter, como se vê em algumas violetas, ipomaea, pes tigridis, tussilago anandria, campanula perfoliata, etc. Estas flores não deixão comtudo de ser fecundas.
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SECÇÃO III.
Da Natureza physiologica das flores.
A maior parte dos botanicos hoje considera a flor, e os differentes orgãos que a compõem, como formados de folhas diversamente modificadas. Esta idea engenhosa, tendo sido ja apresentada por Jungius, Linneo, e Volf, foi depois offerecida de novo por Goeth em 1790, na sua pequena obra intitulada Metamorphose das Plantas.
Du Petit Thouars lhe deu huma nova fórma; apoiando-se sobre a authoridade dos factos, e demonstrou a verdade do theorema seguinte: que a flor não he outra cousa mais do que a transformação de hum botão, cujas diversas partes fórmão muitos verticillos sobrepostos, separados huns dos outros por entrenós extremamente curtos.
Geralmente he adoptada hoje esta maneira de encarar a flor, e se na pratica da sciencia não he sempre de huma applicação facil, he sobretudo de huma utilidade incontestavel; ao menos em theoria não se poderia attestar o contrario.
Dissemos, no começo do estudo dos orgãos floraes, que a flor a mais completa he simplesmente a reunião de quatro verticillos de folhas diversamente modificadas.
O numero dos verticillos he variavel segundo a flor he mais ou menos completa. Assim em huma flor puramente femea, privada de involucros floraes, não haverá mais do que hum só verticillo: haverá dous em huma flor hermaphrodita sem perianthio: tres na que tiver perianthio simples: quatro na flor completa, isto he, tendo perianthio duplo e que reune estames e hum ou muitos pistillos.
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Cada hum destes verticillos he composto de hum numero variavel de folhas diversamente modificadas.
As sepalas em geral tem o aspecto e estructura das verdadeiras folhas: geralmente são verdes, offerecendo nervuras salientes, nas quaes se achão vasos em espiral.
O calice he chamado polysepalo, quando as folhas do verticillo se distinguem humas das outras: porêm estes foliolos podem ser soldados huns aos outros, e então o calice he monosepalo ou gamosepalo.
A corolla he formada por hum verticillo de folhas mais interior que o calice, e por este motivo he mais alterado na sua natureza; comtudo ainda he extremamente facil reconhecer nas petalas hum grande numero de flores, da mesma estructura que o calice, com algumas modificações muito importantes. Assim por ex. as tracheas que existem no calice, faltão na corolla.
Os foliolos que fórmão o verticillo da corolla podem ser distinctos huns dos outros, ou soldados entre si, donde tirão origem as expressões de corolla polypetala, e corolla monopetala ou gamopetala. Os estames fórmão o terceiro verticillo da flor.
A anthera he huma folha, cujos bordos se curvão e se enrolão para a nervura mediana, e fórmão assim duas especies de saccos cheios de hum tecido cellular em que as vesiculas se separão humas das outras para formar o pollen.
O pistillo pode tambem ser considerado, como o resultado de huma ou mais folhas verticilladas: quando he unicellular, e os ovulos que contêm são ligados a hum só ponto do seu interior, o pistillo então he formado por huma folha, cujos bordos convergem hum para o outro, e se soldão para constituir a cavidade do ovario.
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Quando o ovario contêm muitas cellulas, ou mesmo quando tem huma cellula, mas que os ovulos estão ligados a muitos trophospermas parietaes, compõe-se então de tantas folhas, quantas são as cellulas que contêm. No caso em que ha muitas cellulas, os bordos das falhas convergem para o eixo da flor, soldando-se lateralmente entre si por huma parte da sua face externa, e constituindo septos: quando porêm o ovario he unicellular, as folhas são soldadas entre si.
Esta theoria parece ter por fundamento e base a natureza, porque não he raro vêr certas flores, que se confundem com o nome de monstruosidades, offerecerem de huma maneira mais ou menos completa as diversas partes da flor no seu estado normal e primitivo, isto he, mostrando o aspecto e a estructura das verdadeiras folhas. Segundo a observação de Du Petit Thouars no tropaeolum majus, o calice, a corolla, os estames, o pistillo, e os ovulos erão debaixo da fórma de folhas, apresentando a posição natural e respectiva das differentes partes constituintes da flor.
Designa-se em geral debaixo do nome de corianthia esta especie de monstruosidade.
SECÇÃO IV.
Da Anthese ou desabotoamento das flores.
Dá-se o nome de anthese á reunião dos phenomenos, que se manifestão no momento, em que todas as partes de huma flor, tendo adquirido o seu completo desenvolvimento, se abrem, expandem, e se afastão.
Nem todas as plantas florecem na mesma epocha do anno: a este respeito ha differenças muito consideraveis, que dependem da natureza da planta, da influencia maior ou menor do calorico, da luz, e da posição geographica do vegetal.
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As flores são hum dos bellos ornatos da natureza: se ellas se manifestassem todas na mesma epocha do anno, e na mesma estação, deverião desapparecer muito depressa, e os vegetaes ficarião privados de enfeite por muito tempo.
O inverno, apezar das suas geadas, vê brotar as flores. O galanthus nivalis, leucrium, daphne, desenvolvem as suas flores quando a terra se acha ainda coberta de neve: porêm estes exemplos são de alguma maneira excepções.
O frio com effeito oppõe-se ao desenvolvimento das flores, entretanto que hum calor brando e moderado o favorece. Assim vê-se, para assim dizermos, huma primavera perpetua, e a terra cobrir-se de flores novas, nos paizes em que a temperatura se mantêm de alguma maneira em hum termo medio.
Nos climas temperados he na primavera, quando hum calor brando e vivificador substitue os rigores do inverno, que afastando insensivelmente os involucros das flores, ellas se mostrão e desabotoão á nossa vista.
Segundo a estação em que se desenvolvem as flores, as plantas tem sido distinctas em quatro classes, 1.º plantas vernaes (plantae vernales s. vernae) aquellas que florecem durante os mezes de março, abril, e maio; taes são as violettas, etc.; 2.º estivaes (plantae aestivales) aquellas que florecem desde o mez de junho até ao fim de agosto, a maior parte das plantas estão neste caso; 3.º autunnaes (plantae autumnales) aquellas que florecem desde o mez de setembro até dezembro, taes são o colchicum autumnale, e o crysanthemum indicum, etc.: 4.º invernaes (plantae hibernales, s. hibernae) todas aquellas que florecem desde o mez de dezembro até ao fim de fevereiro, taes são o galanthus nivalis, e o helleborus niger.
Linneo, fundando-se na epocha em que as differentes plantas produzem as suas flores, estabeleceu o seu Calendario de Flora. Vide a terceira parte deste compendio.
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Com effeito ha hum grande numero de vegetaes, cujas flores apparecem sempre na mesma epocha do anno, e de huma maneira regular. Assim no clima de Pariz o helleboro negro florece em janeiro; o mezereão em fevereiro: o pessegueiro em março: a pereira em abril a maceira em maio, etc.
Não só as flores se mostrão em epochas differentes do anno nos diversos vegetaes, mas ha hum grande numero que abre e fecha em horas determinadas do dia: algumas flores só se desabotoão durante a noite. Daqui nasce a distincção que se tem feito em flores diurnas e nocturnas. Estas ultimas são menos numerosas do que as primeiras.
Linneo servio-se destas epochas bem conhecidas do desabotoamento das flores, para formar o seu Relogio de flora. Vide a terceira parte.
Os differentes meteoros atmosphericos parecem exercer huma influencia notavel sobre as flores de certos vegetaes. Assim a calendula pluvialis fecha a sua flor, quando a athmosphera se cobre de nuvens.
O sonchus sibericus ao contrario não se abre, senão quando a atmosphera está carregada de nuvens.
A luz mais ou menos forte do sol parece ser huma das causas, que opera mais efficazmente sobre o desabotoamento das flores. A sua ausencia determina nas flores e nas folhas das plantas leguminosas huma especie de somno.
Bory de Saint Vincent tem chegado, por meio de experiencias engenhosas, a fazer florecer certas especies de oxalis, cujas flores ainda se não tenhão desabotoado naturalmente, esclarecendo-as vivamente durante a noite, e reunindo sobre ella os raios luminosos por meio de huma lente.
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Chamão-se plantas ephemeras aquellas, que se abrem de manhãa, e se fechão antes do dia terminar, v. g. a tradescanthia virginica, alguns cactus, etc.
Em fim ha algumas flores, em que a cor varía nas differentes epochas do seu desenvolvimento. Assim na hortensia ao principio as suas flores são verdes, depois adquirem huma cor de rosa, e por fim huma cor mais ou menos azulada.
O convolvulus vesicularis tem a sua corolla de huma cor de rosa pallida, no momento em que a flor começa a abrir; ao meio dia adquire huma cor escarlate; e ao pôr do sol huma cor branca.
SECÇÃO V.
Da fecundação das plantas.
Deixando á historia da Botanica a parte relativa á fecundação, cujo conhecimento he muito antigo, pois que data de Herodoto; só diremos que desde 1703 a 1717, he que Morland, Geoffroî junior, e Baillant, exposerão de huma maneira clara e indubitavel a existencia dos orgãos sexuaes nos vegetaes, apezar que depois tenha havido quem negue a existencia dos sexos, comtudo a maior parte dos botanicos tem admittido a realidade, provada por numerosas experiencias.
Os vegetaes privados da faculdade locomotôra tem em geral os orgãos sexuaes reunidos não sobre o mesmo individuo, mas hum grande numero de vezes na mesma flor.
Comtudo ha alguns, que á primeira vista, parecerião não se acharem em circunstancias favoraveis, e a fecundação ter sido abandonada pela natureza ao acaso.
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As plantas hermaphroditas são sem duvida aquellas, em que as circunstancias accessorias são favoraveis á fecundação. Esta funcção começa no momento, em que as cellulas da anthera se abrem, para pôr o pollen em liberdade.
Ha plantas, em que a dehiscencia das antheras, e por consequencia a fecundação, se opera depois do desabotoamento da flor. Porêm na maior parte dos vegetaes, o desabotoamento só tem lugar, depois de se abrirem os involucros floraes.
Para bem conhecermos a fecundação, estudaremos separadamente os phenomenos preparatorios ou accessorios da fecundação; os phenomenos essenciaes; e os phenomenos consecutivos.
ARTIGO 1.º
Phenomenos preparatorios da fecundação.
A fecundação em geral opera-se no momento da anthese, isto he, quando as partes que compõem a flor, tendo chegado ao seu completo desenvolvimento, os involucros floraes se expandem, e descobrem os orgãos sexuaes.
Vêm-se as antheras, até então intactas, começarem a abrir as suas cellulas, e o pollen destacar-se e espalhar-se sobre o estigma, sendo então que a fecundação se opera.
Ha comtudo hum certo numero de vegetaes, em que a fecundação tem lugar, antes do desabotoamento completo da flor, e he quando o perianthio ainda cobre os orgãos sexuaes.
No momento em que a fecundação se deve operar, observão-se nos orgãos sexuaes da flor mudanças, que convem estudar. Assim aos oito ou dez estames que compõem a arruda (ruta graveolens) por ex., se dirigem alternativamente para o estigma, depositando nelle huma parte do seu pollen, e depois se dirigem para fóra. Os estames da sparmannia africana, quando se irritão com a ponta de huma agulha, se apertão e aproximão huns dos outros, dirigindo-se para o pistillo.
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Os orgãos femininos de certas plantas parecem igualmente ser dotados de movimentos, que dependem de huma irritabilidade mais desenvolvida durante a epocha da fecundação. Assim, por ex., o estigma da tulipa se engrossa, e parece mais humido nesta epocha.
Segundo as experiencias de Lamarck e Bory de Saint Vincent, parece que muitas plantas desenvolvem nesta epocha hum calor extremamente manifesto, como se observa no arum italicum, em o espadice, que aquece a mão que a toca nesta occasião.
Hum grande numero de plantas aquaticas tem primeiro occultos os seus botões de agua, pouco a pouco se aproximão da sua superficie, e quando a fecundação se tem operado, mergulhão outra vez para amadurecerem os seus fructos. Comtudo algumas podem ser fecundadas debaixo d'agua, como observou Boitard e outros, nas plantas que tem involucros floraes, sendo impossivel naquellas em que falta a corolla e calice, como na ruppia, zostera, e zanichellia, etc.
ARTIGO 2.º
Phenomenos essenciaes da fecundação.
Os phenomenos essenciaes da fecundação são aquelles, que constituem realmente esta funcção. Dividem-se em tres periodos: 1.º acção que o pollen exerce sobre o estigma no momento, em que os grãos se achão em 241 contacto com este orgão: 2.º trajecto da materia fecundante do estigma até ao ovulo: 3.º acção da materia fecundante sobre o ovulo.
§. 1.º Acção do pollen sobre o estigma.
Quando os grãos, que constituem o pollen, chegão ao estigma, immediatamente engrossão; os que erão alongados, tornão-se esphericos, e no fim de hum espaço de tempo maior ou menor a membrana exterior dos utriculos pollinicos se rompe, e a membrana interior sahe debaixo da fórma, de hum appendice tubuloso ou vermiforme. Estes appendices comportão-se de differentes maneiras, segundo os utriculos do estigma são nús ou cobertos de epiderme. No primeiro caso penetrão mais ou menos profundamente a substancia do estigma, tendo-se introduzido primeiramente nos utriculos. No segundo caso, o appendice tubuloso, não podendo penetrar nos utriculos estigmaticos, solda-se pelo seu apice com a epiderme, e no lugar da sua reunião forma-se huma pequena abertura, pela qual penetrão os orgãos do pó fecundante, introduzindo-se na substancia do estigma.
§. 2.º Trajecto da materia fecundante até aos ovulos, e sua acção sobre os mesmos ovulos.
Muitas opiniões se tem emittido sobre o verdadeiro caminho, que segue a materia fecundante para chegar aos ovulos. Comtudo sabe-se que os grãos do pollen descem até aos trophospermas, os ovulos os absorvem pela abertura dos tegumentos chamada micropylo: estes grãos chegão então á amendoa, e a fecundação se opera. Muitas vezes sahe do ovulo pelo micropylo hum pequeno appendice tubuloso, que se applica sobre a placenta, e conduz os grãos fecundantes para o interior do ovulo. Este appendice tubuloso quando existe, o que he raro, termina inteiramente no ponto da amendoa, onde se deve formar o embrião, isto he, na pequena vesicula, a que Malpighi dá o nome de sacco amniotico.
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Nas plantas em que o pollen não he pulverulento, mas sim em massas solidas, a fecundação parece que difficilmente se deve operar nestes vegetaes, comtudo na familia das orchideas as massas pollinicas são algumas vezes terminadas por hum pequeno corpo globuloso, glanduloso, e viscoso, que se chama retinaculo, e que parece servir a fixar o pollen ao estigma, no momento em que sahe das cellulas da anthera.
Frequentes vezes o pollen permanece na cellula que o contêm, sem se pôr em contacto com o estigma. He sem dúvida por esta razão, que as orchideas raras vezes tem grãos que cheguem á sua madureza, porque nellas a fecundação se opera com difficuldade.
Muitos authores tem pensado que a fecundação nas orchideas tem lugar pela transmissão do fluido fecundante atravez do tecido da anthera, sem que o pollen se pozesse em contacto com este ultimo. Porêm ultimamente Brown em Londres, e Brogniart em Paris, reconhecêrão que os pollens solidos das orchideas, quando se applicão sobre o estigma, se comportão da mesma maneira que os pollens pulverulentos. Ha comtudo huma differença considerável, que os utriculos pollinicos são somente compostos de huma membrana simples, de sorte que os appendices tubulosos não sahem do interior dos utriculos, mas são hum prolongamento unico da membrana que os compõe. Nestes appendices se observão os grãosinhos da fovilla, que executão movimentos sensiveis.
Qual he pois a influencia da fovilla, ou dos grãos que contêm? He impossivel deixar de reconhecer, que estes grãos, em que alguns authores tem observado movimentos espontaneos, são inteiramente analogos aos pequenos animaes existentes no esperma dos animaes.
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Diversas hypotheses se tem feito sobre o phenomeno da impregnação. Podem-se reduzir a dous os systemas principaes: isto he, evollução, e epigenese. Na theoria da evollução admitte-se a existencia dos germes a fecundação consiste unicamente em activar o seu desenvolvimento.
Os partidistas da theoria da evollução se dividem em duas classes: huns, entre elles Levenhoeck, Morland, Needham, etc. dizem que he a materia fecundante mascula, o pollen nos vegetaes por ex., que contém o germe. O acto da fecundação tem por fim o introduzir este germe ja existente nos orgãos sexuaes da femea, onde deve adquirir hum certo desenvolvimento.
Outros ao contrario, como Bonnet, Spallanzani dizem que o germe precedente nos orgãos femininos, no ovulo por ex., e a materia espermatica mascula tem por fim activar o seu desenvolvimento.
O systema da epigenese admitte em principio que não existe signal algum de germes anteriormente á impregnação: estes germes se fórmão no momento em que a fecundação se opera. Todos os authores, que tem admittido esta theoria, não estão d'accordo sobre o modo como tem lugar a formação do embrião: huns querem que resulte da mistura dos dous licores seminaes. Tal he a opinião de Aristoteles, e Hippocrates. Outros julgão que a fecundação não he mais do que a modificação, e extensão de huma funcção mais geral á nutrição, como pensa Treviranus.
Spallanzani na sua memoria sobre a geração das plantas, diz ter observado algumas vezes, que as plantas de flores dioicas tem dado grãos perfeitos, bem que os individuos estivessem inteiramente separados dos masculinos.
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Para evitar toda a especie de causas de erro, e sobre tudo para resolver a objecção que se lhe tinha feito, que os individuos machos separados das femeas podem fecundar os orgãos, Spallanzani mandou vir melancias durante o inverno, epocha em que certamente não se achavão outras em toda a Lombardia, as suas femeas comtudo derão flores fecundas.
Estes resultados serião sem dúvida de grande valor, se acaso estas experiencias, que tem sido repetidas depois por hum grande numero de observadores não tivessem dado resultados inteiramente differentes.
O que parece ter podido dar lugar ao erro de Spallanzani, he sem dúvida que nos individuos femininos das plantas dioicas, se desenvolvem accidentalmente algumas flores masculas, e basta este pequeno numero de flores com estames para fecundar as flores femininas.
Alguns authores tem dado huma explicação differente da acção do pollen sobre o estigma. Segundo Schelver o pollen exerce huma acção deletérea sobre o estigma; logo que se põe em contacto com este orgão produz a sua mortificação, consequentemente a vegetação se suspende; e os succos nutritivos, em lugar de se dirigirem para todos os pontos do pistillo, se concentrão nos ovulos, onde determinão o desenvolvimento. O grande numero de factos, que refferimos precedentemente, basta para refutar esta opinião.
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ARTIGO 3.º
Phenomenos consecutivos da fecundação.
Pouco tempo depois que a fecundação se tem operado, sobrevem certas mudanças que convêm saber. A flor fresca até então e ornada das cores as mais vivas, perde o seu colorido; a corolla murcha, e as petalas seccão e cahem. Os estames, tendo preenchido as funcções a que a natureza os tinha destinado, experimentão a mesma degradação: o pistillo permanece isolado no centro da flor: o estilete e o estigma, tornando-se inuteis, experimentão igual sorte. O ovario persiste unicamente, pois que he no seu eixo, que a natureza tem depositado os rudimentos das gerações futuras.
He o ovario pelo seu desenvolvimento que deve formar o fructo. O calice muitas vezes o acompanha até á sua perfeita madureza, o que tem lugar principalmente, quando o calice he monosepalo: se o ovario he inferior ou parietal, o calice necessariamente persiste, por que está unido a elle.
No alkekenge (physalis alkekengi) o calice sobrevive á fecundação, e se córa em vermelho formando huma especie de vesicula, em que acha contido o fructo. Pouco tempo depois que a fecundação tem tido lugar, o ovario começa a augmentar de volume: os ovulos que contêm, sendo no principio de huma substancia cellulosa, e de alguma sorte inorganica, adquirem pouco a pouco mais consistencia: a parte que deve constituir o grão perfeito, se desenvolve successivamente, todos os seus ovulos se pronuncião, e bem depressa o ovario adquire os caracteres proprios para constituir o fructo.
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ARTIGO 4.º
Resumo das provas da fecundação nas plantas.
1.º Nas plantas, em que os sexos estão separados, os individuos femininos não tem fructos e grãos fecundos, senão quando o pollen das flores masculas tem sido lançado sobre ellas.
2.º Pode-se fecundar artificialmente huma ou muitas flores do mesmo ramo, depositando em algumas o pollen; as outras ficão estereis.
3.º Se cortarmos os estames de huma flor hermaphrodita, antes da dehiscencia das cellulas da anthera, o pistillo cessará de desenvolver-se.
4.º Nas flores dobradas, isto he, naquellas cujos estames se tem convertido em petalas, os ovarios ficão estereis.
5.º As plantas hybridas, isto he, aquellas que resultão da fecundação artificial, ou natural de huma especie por outra especie analoga, são a prova mais convincente da acção do pollen fecundante.
6.º Em fim a organização dos utriculos pollinicos: o cheiro que o pollen exhala, que he muitas vezes analogo ao esperma dos animaes: a analogia dos grãos da fovilla com os pequenos animaes espermaticos: a maneira como estes grãos penetrão nos ovulos, não deixão dúvida alguma sobre a identidade da fecundação nos vegetaes e nos animaes.
Nas plantas monoicas e dioicas, apezar da separação e afastamento dos dous sexos, a fecundação comtudo tem lugar. O ar he o vehiculo, que transporta a grandes distancias o pollen que as deve fecundar: os insectos voando de flor em flor concorrem a transportar o pollen.
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A experiencia tem demonstrado, que a fecundação pode ter lugar a grandes distancias nas plantas dioicas. A vallisneria spiralis planta dioica, que Richard observou no canal do Languedoc, e nas visinhanças de Arles, offerece hum phenomeno dos mais consideraveis e admiraveis na epocha da fecundação.
Esta planta está inteiramente submergida n'agua; as flores femininas sustentadas em pedunculos de dous ou tres pés, enroladas em espiral, se apresentão á superficie da agua para se desabotoarem.
As flores masculas ao contrario são contidas em huma espatha membranosa, sustentada sobre hum pedunculo curto. Quando chega o momento da fecundação fazem esforço contra esta espatha, a dilacerão, se destacão do seu sustentaculo e da planta a que pertencem, vem á superficie desabotoarem, e fecundarem as flores femininas: estas immediatamente, pela contracção das espiraes que as sustentão, se mergulhão outra vez, e seus fructos começão a adquirir huma perfeita madureza.
SECÇÃO VI.
Da Propagação e multiplicação.
Os vegetaes multiplicão-se e perpetuão-se de differentes maneiras: 1.º por estaca: 2.º por garfo: 3.º por bolbilhos, e principalmente por grãos.
A estaca he huma parte do vegetal que isolada e posta em circunstancias favoraveis, pode emittir gomos e raizes: toda a porção de huma planta, raiz, tronco, pedunculo, peciolo, folha póde reproduzir hum individuo completo da sua especie, huma vez que contenha o cambium, e que se trate de maneira que concentre sobre si todas as circunstancias favoraveis á producção dos botões, se estes não existem, ou ao seu desenvolvimento, se existem.
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O garfo não he outra cousa mais do que huma estaca crescente, á maneira das plantas parasitas sobre outro vegetal, que lhe apropria os succos nutritivos pela justa posição dos seus vasos com os do individuo.
Os bolbilhos são pequenos gomos, crescendo sobre algumas partes da planta, e contendo hum botão não adherente á planta, susceptivel de desenvolver hum individuo completo como a estaca.
Não competindo descrever os processos tanto por mergulhia como por estaca por pertencer aos tractados de Agricultura, só aqui diremos que nas enxertias quaesquer que sejão, tanto de garfo, como de escudo flauta, entalhe, etc. os succos passão do enxerto ao enxertado, e vice versa alternadamente, em razão da anastomose, e reunião dos vasos de hum e outro. Esta reunião he tanto mais duravel quanto he mais perfeita a sua perfeição consiste na grande analogia do garfo com o tronco enxertado, ou na grande affinidade de organização e dos succos, porque o garfo devendo vir a ser hum tronco do enxertado, por esse motivo quanto maior for a affinidade, tanto mais depressa e firmemente se incorporará com elle, e tanto mais viverá. He assim por ex. que não se pode enxertar o lenho, nem mesmo o alburno.
He na operação e phenomenos do enxerto, que se pode notar a grande analogia, que existe entre os gomos e os grãos, em relação ao seu desenvolvimento: com effeito estes dous orgãos são destinados a dar nascimento a novos individuos, dos quaes huns vivem á custa do sujeito, sobre que se desenvolvem, e outros subsistem por si mesmos, sem ter necessidade de soccorros alguns.
O enxerto ou soldadura das partes só pode ter lugar entre os vegetaes da mesma especie, ou entre especies do mesmo genero; finalmente entre generos da mesma familia, mas nunca entre individuos pertencentes a familias naturaes differentes: podemos por ex., enxertar o pessegueiro sobre a amendoeira, mas esta operação não poderia ser bem succedida entre o castanheiro da India, e a amendoeira; he preciso que haja huma especie de similhança e analogia entre a seiva dos dous individuos, para que se possa effectuar o enxerto.
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Ja dissemos, que era indispensavel a existencia do cambium, ou dos succos proprios dos vegetaes, porque esta materia fluida serve de meio de união entre o individuo e o enxerto, da mesma maneira que nos animaes a lympha coagulavel se interpõe nos dous labios de huma ferida recente que ella reune: porque quando se examina a ferida de hum enxerto, quinze dias depois da operação, se vê entre as duas partes unidas huma camada delgada de pequenas granulações esverdinhadas, dispersas em hum fluido viscoso, que são produzidas pelo cambium, que se solidifica, e organiza essas pequenas granulações, que são o rudimento da organização vegetal.
SECÇÃO VII.
Da Disseminação.
A disseminação he a acção, pela qual são dispersos os grãos na superficie da terra, na epocha da sua madureza. Quando hum fructo tem chegado ao seu ultimo gráo de madureza, as differentes partes que entrão na sua composição se desunem, rompendo os laços que retem os grãos na cavidade que os contêm.
A disseminação natural dos grãos he o agente mais poderoso da reproducção silvestre. Com effeito se os grãos contidos em hum fructo, não sahissem delle para se espalharem sobre a terra, para alli se desenvolverem, succederia necessariamente que a propagação das especies acabaria, e as raças inteiras se extinguirião: mas como todos os vegetaes tem huma duração determinada, deveria necessariamente chegar huma epocha, em que a vegetação desappareceria da superficie do globo.
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O momento da disseminação põe hum limite á vida das plantas annuaes: para que ella tenha lugar he necessario que o fructo tenha chegado á sua madureza, e que esteja secco; phenomeno que não se manifesta nas plantas annuaes, senão na epocha em que a vegetação se tem suspendido.
Nas plantas lenhosas, a vegetação tem sempre lugar durante o periodo do repouso, que estes vegetaes tem, quando o cambium se tem esgotado em dar nascimento ás folhas, e aos orgãos da fructificação.
A fecundidade das plantas, isto he, o numero espantoso de germes ou de grãos, he huma das causas poderosas da sua facil reproducção, e da sua pasmosa multiplicação. Rai contou 32000 grãos em hum pé de dormideira, e 36000 em hum pé de tabaco: esta progressão considerada na decima geração destes vegetaes, he de admirar que toda a superficie do Globo não se ache toda coberta delles.
Muitas causas tendem a neutralizar, em parte, os effeitos desta admiravel fecundidade, a qual pelo seu excesso seria prejudicial á reproducção das plantas. Entre estas causas, devemos contar o homem e grande numero de animaes, que fazendo destes fructos e grãos o seu principal alimento, destroem huma immensa quantidade.
Muitas circunstancias ha, que favorecem a disseminação natural dos grãos: humas são inherentes ao pericarpo, outras dependentes dos grãos.
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Ha pericarpos, que se abrem naturalmente com huma especie de elasticidade, em virtude da qual os grãos que contêm, são lançados a distancias mais ou menos consideraveis: como se vê em hum grande numero de euphorbiaceas, na hura crepitans, dimaea muscipula, etc.
Ha hum grande numero de grãos, que sendo delgados e leves, podem por consequencia ser arrastados pelos ventos: outros providos de appendices particulares, em fórma de azas ou coroas, se tornão mais leves, augmentando por este meio a sua superficie, como se vê em hum grande numero de coniferas, etc.
A maior parte dos fructos da vasta familia das synanthereas, he coroada de penachos, cujas sedas finas e delicadas, afastando-se pela dessicação, lhe servem de guardaqueda, para as sustentar no ar.
Os ventos transportão algumas vezes a distancias mui grandes os grãos de certas plantas, como se observa no erigeron canadense, que inunda e desola todos os campos da Europa, e que Linneo julga ter sido transportado da America pelos ventos.
Os rios e as aguas do mar servem tambem á emigração longinqua de certos vegetaes, porque achão-se algumas vezes nas costas da Noruega e da Finlandia os fructos do Novo Mundo trazidos pelas aguas.
Os homens e os differentes animaes são tambem meios de disseminação: huns grãos se apegão aos seus vestidos, por meio de ganchos, de que são providos, como as agrimonias: outros lhe servem de alimento, sendo transportados aos lugares que habitão, se desenvolvem quando tem sido abandonados na presença de circunstancias favoraveis á germinação.