Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/Cahiu-me na minha catulinha
De uma vez andava uma gallinha a esgravatar no chão, e caiu-lhe um bocado de caliça em cima da cabeça; a gallinha espantada botou a fugir, e encontrou um gallo que lhe perguntou:
— Para onde vaes a fugir, comadre gallinha?
Ella respondeu:
— Caiu-me na minha catulinha! É o céo que está a cair aos pedaços.
O gallo pôz-se tambem a fugir com a gallinha; encontraram um porco, que andava á landra, e assim que os viu, perguntou:
— Para onde ides a fugir? tão azinha?
— Caiu-me na minha catulinha. Está o céo a cair aos pedaços.
O porco tambem foi com elles; encontraram um gato, que lhe perguntou:
— Para onde ides a fugir tão azinha?
Respondeu a gallinha:
- Caiu-me na minha catulinha! Está o céo a vir abaixo aos pedaços.
O gato foi tambem a fugir com elles todos; e assim foram encontrando um pato, uma raposa, uma cabra, uma ovelha que iam todos juntos por esse mundo fóra. Até que encontraram um cão, que lhes perguntou:
— Para onde é que vae toda esta romaria?
Respondeu a gallinha:
— É o céo que está caindo aos pedaços. Caiu-me na minha catulinha.
Todos os outros animaes diziam que nada tinham visto, mas que era a gallinha que lh'o dizia. Disse então o cão:
— Não vão mais para diante, e fiquem aqui debaixo da cama da minha velha, até vêr em que as cousas param.
Lá ficaram. A velha, de noite, coçava-se com as pulgas, e a cama rangia. Os animaes com medo de que caisse o céo aos pedaços, faziam muita bulha,
A gallinha cacarejava,
e o gallo cantava,
e o porco roncava,
e o gato miava,
e o pato grasnava,
a raposa regougava,
a cabra berrava,
a ovelha balava,
o cão ladrava,
e a velha dizia:
— Mal hajas tu cão,
Que não agradeces
O bem que ti fão.
(Porto.)
Notas
[editar]95. Cahiu-me na minha catulinha. — Acha-se tambem nos Contes populaires de la Grande Bretagne, de Brueyre, p. 377.