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Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/Linda Branca

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37. LINDA BRANCA

Havia um homem muito rico, que era viuvo e tinha uma filha muito formosa chamada Linda Branca; tinha ella muita pena de ser tão bonita, porque todos a queriam. Pediu ao pae que lhe désse um vestido azul e cinzento; o pae deu-lh’o. Depois pediu lhe désse um vestido azul e prateado. Teve logo o vestido. Tornou a pedir outro azul e doirado; o pae fez-lhe a vontade. Tinha Linda Branca uma vara de condão, e ella pediu-lhe que a fizesse feia n’aquelle mesmo instante. Ella vestiu uma peliça e uma mascara muito feia, e foi d’ali para fóra servir de criada. Chegou a um palacio aonde n’aquelle tempo morava um rei, que era solteiro, e ficou por criada. Os moradores da cidade juntaram-se para fazerem uma grande festa que durava trez dias. Linda Branca pediu á rainha licença para ir áquellas festas. A rainha disse:

— Pede ao rei meu filho, que elle só governa.

Ella foi pedir licença ao rei quando estava calçando as botas. Elle lhe disse:

— Olha que te atiro com esta bota.

Depois que o rei foi para a festa, Linda Branca disse:

— Minha vara do condão, põe-me prompto um carro e preparos para ir á festa.

Vestiu-se de azul e cinzento e foi. Acabou-se a festa e ella tratou de fugir. O rei e os outros senhores seguiram atraz d’ella, e só o rei lhe apertou a mão, e perguntou:

— De que terra é?

— Sou da terra da bota.

E fugiu. Chegando o rei a casa, ella estava como de costume. No seguinte dia foi outra vez pedir licença ao rei, que lhe disse:

— Olha que te dou com esta verdasca.

Linda Branca foi outra vez de azul e prateado. Chegando lá, todos gostaram muito mais de a vêr. No fim da festa o rei chegou ao pé d’ella e disse:

— A senhora d’onde é?

— Sou da terra da verdasca.

Chegou-se ao ultimo dia, ella foi pedir licença para ir á festa. O rei tinha a toalha na mão, e respondeu:

— Olha que te dou com a toalha.

Linda Branca foi d’esta vez de azul e doirado. Ao sahir, o rei lhe apertou a mão e lhe perguntou:

— De que terra é?

— Sou da terra da toalha.

Não comprehendeu o rei isto, e ficou doente de pena de não saber d’onde era aquella formosura. Chegou a ponto que quiz que os seus amigos viessem passeiar á roda do palacio. Linda Branca, que sabia da doença do rei, vestiu-se com o primeiro vestido com que tinha apparecido e chegou a uma janella. Um amigo do rei viu-a:

— Oh que linda cara vi n’uma janella do palacio!

O rei olhou, mas não viu nada, e seguiu a toda a pressa para o palacio, chegou ao lado da rainha sua mãe, e disse:

— Quem está cá de fóra?

— Ninguem, senão a gente do costume.

Segundo dia, elle com os olhos a espreitar, mas descuidado, ella chegou com o segundo vestido e só os amigos do rei a viram. Correndo á maior pressa ao palacio , a rainha mãe disse-lhe o mesmo que no dia antecedente.

Terceiro dia, o rei espreitou e então viu a mesma senhora da vespera, com o vestido azul e enramado de oiro. Correndo com grande pressa apanhou Linda Branca com uma pequena borda do vestido dourado de fóra e diz:

— Eu te ordeno que dispas este fato.

Ella obedeceu, e então o rei pôde vêr a senhora de que tanto gostava no dia da festa. Linda Branca contou o motivo de tudo aquillo, e trez dias duraram as festas do casamento.


Quem o disse está aqui

Quem o quer saber vá lá,

Sapatinhos de manteiga

Escorregam mas não cahem.


(Ilha de S. Miguel—Açores.)


Notas

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37. Linda branca. — Pertence ao cyclo do Sapatinho de vidro. Vid. n.º 19.