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Da França ao Japão/VI

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CAPITULO VI

 
Hong-Kong. — Os inglezes e o opio. — Um grito de indignação do Governo do Celeste Imperio. — O commercio de Hong-Kong. — Os negociantes chinezes e japonezes. — Um novo meio de transporte. — Os chins do Norte e os do Sul. — A razão dos pequeninos pés das damas chinezas. — Macáo. — Como são recebidos os europêos na China. — Um curioso pasquim. — Attentados commettidos pelos chins contra os estrangeiros.
 


O PORTO de Hong-Kong, da moderna cidade que renasceo das antigas ruinas de uma população indigena, é, pela sua situação, o mais importante do Celeste Imperio, e hoje, com o augmento extraordinario da navegação do Oriente, esta cidade é destinada a ser a mais importante praça commmercial da Asia. Infelizmente, a dominação ingleza obsta que o Imperio da China utilise as vantagens do seo commercio maritimo; e, é sobretudo, pelos seos portos de mar que penetra nas mil e quinhentas cidades da China, o terrivel veneno que entorpece o espirito e enfraquece progressivamente os musculos de grande parte da população da China, transformando seos habitantes em verdadeiros entes irracionaes.

O trafico infame do opio é, em larga escala, feito pelos inglezes, e não obstante as reclamações, protestos e appellos feitos, durante a revisão do tratado de commercio de 1869 pelo Governo Imperial da China, representado pelo Principe Kong e outros personagens ao Ministro de S. M. Britannica, com o fim de reprimir o consumo do opio; já augmentando os direitos da importação, ou os de exportação nos mercados inglezes; o governo de Londres, tendo á frente o Sr. Gladstone, foi surdo a esta justa petição, verdadeiro brado de indignação da sociedade illustrada da China [1].

O desmedido amor de riquezas, que ninguem poderá desconhecer nos inglezes, é a causa unica de toda a sorte de iniquidades, praticadas por estes homens nos paizes asiaticos. Esquecem-se até, que elles fazem parte da humanidade e collocando-se fóra da communhão dos entes racionaes, julgão-se legitimos senhores dos bens da terra, e pela força se apossão do alheio, em nome de uma liberdade que a mór parte delles, no seu proprio paiz nunca conhecerão, vivendo na miseria e com um desfaçamento de costumes mais degradante do que tudo que a esse respeito se tem observado entre os selvagens.

O consummo do opio na China augmenta diariamente, e uma terça parte da população, entrega-se desordenadamente á este infame vicio. Alguns, fumão opio em largas fornalhas de seus compridos cachimbos; outros, mascão o lento veneno como os indianos o betel e os africanos o fumo; outros, ainda mais viciosos, preparão o opio em pilulas e a todo o instante engolem uma ou duas grammas desta substancia.

A cidade de Hong-Kong apresenta um aspecto agradavel e imponente; o mór numero das habitações são edificadas sobre um pequeno monte que se divisa do porto, em pittoresco panorama, com importantes edificios e lindas casas em fórma de chalets e pintados com variegadas côres.

A sua população é superior a cento e cincoenta mil individuos, dos quaes, quatro quintos são chins e o resto compõe-se de europeos e de malayos.

Actualmente, o commercio d'esta cidade é florescente, e é interessante vêr-se, durante o dia, o grande movimento de mercadorias nas ruas occupadas pelo commercio estrangeiro.

Os inglezes são, naturalmente, os principaes negociantes de Hong-Kong, em seguida, o commercio chinez é o mais importante; contando-se, porém, algumas casas francezas, hollandezas e portuguezas não menos respeitaveis.

Existe em Hong-Kong duas casas bancarias inglezas e uma franceza, filial ao Comptoir d'Escompte de Paris, as quaes, fazem lucrativas transacções com o commercio chinez não só d’esta cidade como com o do interior.

Em frente aos bancos inglezes, proximo á entrada e dentro de um gradil de ferro, vêm-se os contadores chins que se occupão em verificar as piastras de prata, dadas em pagamento ao banco. Com extrema habilidade e rapidamente, estes individuos fazem soar cada moeda por sua vez, e para isso lanção-n'as ao ar e em seguida as recebem sobre uma outra que conservão na palma de uma das mãos. Pelo som produzido, julgão, sem repetir a prova, da qualidade da prata, tendo o cuidado de separarem não sómente as moedas falsas como as que, por qualquer motivo, pareção depreciadas em seu justo valor.

Disse-nos um empregado do banco inglez de Hong-Kong, que, em quanto um empregado europeo verifica dez mil piastras, um chinez, com pratica de alguns dias, não só verifica, como conta e ensacca este mesmo numero de moedas.

Os chins são bons empregados de escripta e intelligentes correctores para compras e vendas das mercancias orientaes, e, em taes empregos, são bem remunerados pelos negociantes europeos, e salvo os japonezes, que, em geral, os excedem em probidade, nenhum outro povo da Asia é mais apto para o commercio.

Uma outra qualidade avantaja o negociante japonez sobre o chinez, é a sobriedade em certos vicios, o que não era de esperar de homens que entregão-se ao opio, em busca de estupidas emoções e lascivos sonhos.

Assim, ao anoitecer, é contristador vêr-se, nas lojas de venda chinezas, o chefe da casa e mesmo seus empregados, embriagados e abatidos, completamente distrahidos do que fazem, respondendo por monossyllabos ao que se lhes pergunta, apenas occupados com seus compridos cachimbos, e em empestar o ambiente com o fumo do maldito extracto de dormideiras.

Além dos pequenos carros, puchados pelos cavallos da Australia, encontra-se em Hong-Kong, um outro meio de transporte, que consiste em uma cadeira de forma appropriada presa lateralmente a duas longas travessas de madeira ou a bambús, a qual, dois ou quatro homens facilmente carregão. Os pés dos passageiros repousão, para maior commodidade, sobre um estribo suspenso por fitas que se prendem aos braços da cadeira.

Em geral, paga-se um shelling pela corrida dentro da cidade; para os arrabaldes, convem proceder-se a um trato preliminar, sob pena de pagar-se, sem direito de reclamação, ás autoridades inglezas, a quantia que for exigida; e os carregadores chins, bem avezados em taes espertezas, nunca fallão sobre o preço ao passageiro, antes de terem feito o serviço que se lhes exige.

A cidade de Hong-Kong acha-se edificada sobre as encostas de collinas que se succedem em todo o longo do porto em uma extensão approximada de duas léguas.

A parte baixa da cidade é occupada pelas casas de commercio, edificios publicos e pelos armazens alfandegados. As suas ruas são largas, bem ventiladas e aceiadas; e mesmo, no quarteirão chinez, não se observa a immundicie nem se respira o ar viciado e putrido das cidades chinesas.

Os chins de Hong-Kong são verdadeiros mestiços da raça chineza e malaya, e, á primeira vista, se distinguem os chins do sul dos do norte do Império. Os primeiros, são de uma constituição fraca e mesmo rachitica, muito magros e curvados para diante, se dirá que são verdadeiros hecticos; emquanto os chins do norte, são de robusta compleição, mais activos e intelligentes do que aquelles.

Igual differença, senão mais acentuada, se nota entre as mulheres, e, em geral, a filha das regiões do norte do Império é mais bella do que as do sul.

A principio, julgamos que um dos caracteres, entre as chinas de pura raça e as mestiças, era o tamanho dos pés, porém, mesmo entre as ultimas, se encontrão algumas que possuem pequeninos pés.

Uma questão em que divergem as opiniões de alguns viajantes é sobre os meios empregados pelos chins para impedirem o crescimento d’esses membros.

Segundo nos disse pessoa bem informada, alguns paes desarticulão pouco a pouco o calcaneo de suas filhas, de modo que este osso venha a occupar um lugar mais alto; deixando assim de fazer parte da planta dos pés e de exercer o trabalho que lhe é destinado, o calcaneo tem um desenvolvimento muito lento ou quasi nullo. Qualquer que seja o meio empregado, nota-se facilmente que ha deformação, e que a pequenhez a que reduzem os pés das mulheres, importa o sacrificio da fórma natural, parecendo a planta do pé ser formada por dous planos que formão entre si angulo apenas sensivel, e dos quaes o anterior é o unico que serve de apoio ao corpo.

As mulheres chinas vestem calças e amplas blusas de estofo azul ou branco com vivos de outras côres; aos pés, calção uns sapatos de seda preta lustrosa ou de outro qualquer estofo, com fortes solas de palha trançada.

Muitas, usão penteados a europea, porém a mór parte deixão cahir os cabellos em forma de pequenas tranças sobre as espaduas.

Os homens ainda usão do tradicional rabicho, no que elles tem o maior cuidado, o tal é o apreço, que, se considerarião deshonrados e banidos da sociedade se por qualquer motivo perdessem os cabellos.

Esta valia, em que os chins teem o rabicho, muito servio á policia de S. Francisco da California para garantir a ordem na colonia chineza; assim, desde que alguns culpados de pequenos delictos forão condemnados a perderem o rabicho, o numero dos infractores do regulamento policial diminuio consideravelmente. Ainda hoje esta pena é applicada em algumas cidades dos Estados-Unidos e mesmo na China, quando se trata do pequenos delictos.

Algumas horas de viagem dista Macáo de Hong-Kong, esta interessante visita á antiga cidade portugueza se fez com toda commodidade em grandes paquetes americanos, que são empregados exclusivamente neste serviço.

Macáo foi uma das mais ricas cidades da Asia; era o verdadeiro emporio do commercio portuguez com o Japão: hoje, em completa decadencia, esta antiga rival de Gôa apenas apresenta um interesse historico.

A antiga possessão portugueza foi concedida pelo Imperador Khang-Hi que quiz, assim, reconhecer os relevantes serviços prestados pelos filhos da antiga luzitania contra os piratas Chang-Silau e Hoang-Tchin, que assolavão as costas meridionaes da China.

Partindo de Lampassau, os portuguezes apenas chegarão á Macáo, tratarão de edificar casas e igrejas, e depois de fortificarem os limites da concessão, organisarão um governo regular que sob a direcção do da metropole curasse dos interesses da cidade e da segurança de seus habitantes.

A concessão comprehendia um pequeno terreno que se estende em isthmo na parte oriental da ilha, de Negão-Men.

O governo chinez reservou para si a outra parte da ilha, que mandou fortificar, e onde sempre conservou agentes intelligentes encarregados de fiscalisar a politica dos portuguezes.

Á nenhum estrangeiro era permittido, sem incorrer em severas penas, franquear os limites da cidade europea; entretanto, foi facultado aos chins penetrarem e residirem na concessão.

Emquanto durou o commercio do Japão, Macáo floresceu e mesmo gosou dos esplendores da riqueza; porém, posteriormente a decadencia do predominio portuguez na Asia, os hollandezes e os inglezes, ciosos da prosperidade da cidade portugueza, tratárão de obter a franquia do porto de Cantão, que recebendo, desde então, os navios das companhias das Indias Orientaes causou a ruina do commercio de Macáo.

Á este facto, já muito significativo, reunirão-se outros de ordem moral; e os abastados negociantes macaistas liquidarão seus negocios e voltarão ao Reino. Não era somente a importancia do commercio de Macáo que se mingoava, era a desmoralisação das instituições da mãi patria, transplantadas, havia muito tempo, ao solo da colonia. Os filhos de Macáo, na mór parte mestiços, erão naturalmente indolentes, e pouco a pouco os chins se apoderárão do commercio ainda existente, de modo que significando elles ao seu governo, o supposto perigo de serem attacados pelos portuguezes-macaistas, pedirão e obtiverão por um accordo entre o governador da colonia e o governo da China a intervenção de mandarins para regularem a marcha da justiça e conjurarem as revoluções.

Desde então, as revoluções, promovidas pelos indigenas de Macao e os chins, se têm succedido sem longos intervallos, e nestes tempos anormaes, as residencias dos europeus são invadidas e entregues ao saque e á pilhagem.

Entretanto, o velho Portugal faz verdadeiros sacrificios para conservar esta colonia, que, longe de lhe dar lucro, é onerosa aos seus cofres, segundo nos informarão; e quando seus filhos, reconhecidos, devião auxiliar o governo da colonia, altamente proclamão o estupido desejo que nutrem, de experimentarem o regimen colonial da Inglaterra.

O que dissemos, é infelizmente pura verdade, e apezar de termos recebido distincta hospitalidade de alguns cavalheiros macaistas, bem como de alguns europeos do club portuguez de Hong-Kong, cumpre-nos confessar que os filhos da terra predilecta de Camões, são os unicos culpados dos vexames e das arbitrariedades que hoje soffrem dos mandarins chinezes.

Assim é, que jámais governador portuguez, quaesquer que fossem seus titulos, encontrou n’aquella colonia o apoio de seus compatriotas; forão sempre seus actos mal interpretados e censurados publicamente nas praças publicas e casas de negocio, e o primeiro cuidado dos macaistas era tentarem desmoralisar o delegado da metropole com mofinas e denuncias pelos jornaes inglezes de Hong-Kong. Os chins aproveitão inteligentemente da dissidencia, para, com astucia, augmentarem a preponderancia de que já gozão na colonia.

 
CEYLÃO
 
Mulher cinguleza
Mulher cinguleza

Lith, Imperial A. Speltz

MULHER CINGULEZA
 

Foi com amargura que lembramo-nos dos antigos feitos, de que foi theatro a cidade, então florescente, de Macáo, e difficilmente se reconhecem os filhos dos autores de tão grande empreza. A terra onde Camões, o poeta ao mesmo tempo mythologico e christão, terminou Os Lusiadas, é hoje apenas habitada pelos descendentes de uma raça europea, atrozmente degenerada pelo sangue indiano e chinez.

O commercio de Macáo é presentemente sem nenhuma importancia, e salvo algumas casas chinezas que vendem a retalho, nenhuma casa importante tem prosperado.

Não queremos fallar dos meios adoptados como fontes de renda para subsidiar a metropole, nas despezas que faz com esta colonia; além destas questões não interessarem ao leitor, não devemos commentar certos factos que pódem encontrar, senão justificativa, ao menos, explicação necessaria nos costumes locaes, os quaes não profundamos.

O jogo é um dos vicios alimentados pelo povo chinez e sobretudo, as populações do litoral, entregão-se com infrene paixão a este covarde inimigo do trabalho; e na phrase do mais abalisado economista — Adam Smith, o verme destruidor de toda riqueza.

Nas suas relações com os europeus, os chins são pouco leaes e muito insolentes, e para fallarmos verdade, nenhuma garantia tem o viajante quando se interna no celeste Imperio.

É, especialmente, em Pekin, debaixo das vistas das autoridades superiores da China que os attentados contra os estrangeiros se succedem, sem que o governo chinez tome serias medidas de modo a prevenir taes delictos. Se contenta em punir os assassinos, emquanto que, com seu silencio, autorisa a publicação e distribuição de manifestos contra os europeus, excitando o odio das populações das cidades onde se distribuem taes pasquins.

Transcrevemos um destes manifestos, que foi affixado nas esquinas das ruas de Pekin e que dará idea exacta dos sentimentos que os chins nutrem contra os estrangeiros. A traducção que se segue devemos ao Sr. Eugêne Cottin.

No alto do manifesto lê-se :

APELLO AOS HOMENS DE CORAÇÃO.

No primeiro quadrado começando-se pela esquerda:

O FIEL, JUSTO E GRANDE MINISTRO TIEN-SIN-CHOU
Palavras de Tien-Sin-Chou

Malditos mil vezes, sejão este macho e esta femea indignos da especie humana! Porque querem elles se metamorphosear em quadrupedes? A parte, anterior de seus corpos é, na verdade, da raça europea, porém, é quando entrão na China, que tomão essa forma humana; uma vez, porém, que tornão a respirar o ar da patria, os primeiros traços lhes caracterisão. Não adorão o céo nem a terra, e não conservão lembrança dos antepassados. Suas mulheres e filhos pertencem ao primeiro que quizer corrompel-os, e é, por esta razão, que estes demonios, dignos emulos dos cães, só crião bastardos de raça barbara. Podemos distinguil-os pela pelle, pelo pello e pelos cornos; e, ainda que elles quizessem, jámais poderiam deixar a especie bruta para pertencerem ao genero humano.

O quadrado inferior correspondente, representa um christão coberto com a pelle de um boi, uma christã com a de um cão e um menino cujas costas de tartaruga, indica ser bastardo.

Os caracteres chinezes que constituem a legenda se traduzem:

Á esquerda: — christão macho e femea.

Á direita: — filho dos christãos.

Lê-se na columna do meio:

O GRANDE MINISTRO Ly-Hong Tchang, PERNAS E BRAÇOS DO IMPERIO.

Palavras de Ly-hong Tchang.

Só abrirei a boca para vos maldizer, ó barbaros reis. Se ousais, vinde perturbar a ordem do grande Imperio! Raça de cavallos e de cães! Jesus, o velho barbaro, é causa de toda calamidade. Sob pretexto de vos exhortar para o bem, elle destroe a ordem e corrompe os corações; porém, é incapaz de turvar minha consciencia e de manchar minha fidelidade. Criminoso dos pés á cabeça, elle merece mil mortes; secretos embustes, hypocrisia, odio á autoridade, eis seus projectos.

Agora, que o poder está em minhas mãos, filhos e netos de barbaros, morrei sob a espada, que d’ora avante a religião christã seja aniquilada. Abandonemos a mentira, sigamos a verdade e sejamos felizes.

A caricatura correspondente, tem as seguintes legendas: Á esquerda:

Rei barbaro da França.

No meio:

O chefe da religião do nome detestado de Jesus,
está na cruz atravessado por flexas.

Á direita:

Rei barbaro da Inglaterra.

Eis finalmente a traducção da terceira columna:

VALENTE E PROBO GRANDE MINISTRO PÁO-TCHÁO
Palavras de Páo-Tcháo

Malditos sejão estes europeus, estes cães missionarios ou governadores de cães, que pregão uma religião barbara, destroem a santa sabedoria, profanão e difamão o santo Confucio, e, entretanto, nem mesmo estudarão a primeira pagina de um livro.

O céo não os póde tolerar e a terra recusa sustental-os; devemos feril-os e envial-os a meditar no fundo dos infernos. Que se lhes corto a lingua, porque seduzem a multidão com mentiras; e a hypocrisia, com que se revestem, tem mil meios para conquistar os corações. Que elles não cuidem ser minha dynastia fraca e tímida, eu tsio[2] tenho força e coragem. As penas com que castigo são terriveis. A morte não basta para punir seus crimes. Lancemos seus cadaveres no deserto e sirvão de pasto aos cães.

 

A caricatura representa o missionario sendo torturado.

A legenda indica o genero de morte para os missionarios. Fóra do quadro, lê-se quatro legendas transversaes, duas á direita e duas á esquerda.

As da direita:

 

As pessoas que guardarem esta sentença sem publical-a, são tão culpáveis como os christãos.

Voltemos a felicidade; homens da justiça e da espada reuni vossas forças para varrer a falsa religião e salvar a dynastia dos Tsin.

As da esquerda significão:

 

Convite aos lettrados, aos agricultores, operarios, negociantes, para reunir suas forças, esmagar o monstro e prevenir suas rapinas.

Quem receber esta folha devera affixal-a na praça publica.

 

Estas excitações ao assassinato, tem sido fataes aos estrangeiros que se acham na China, o consta-nos, que nestes ultimos annos, grande numero de crimes forão commettidos em suas pessoas. Assim, em 1874, forão gravemente feridos nas ruas de Pekin um joven addido á embaixada russa e o Dr. Bushes e sua senhora que forão perseguidos a pedradas pela infima plebe.

Ainda ultimamente, conta o jornal das Missões Catholicas que mesmo, em Shangai, deu-se um facto revoltante que entretanto não mereceu attenção do governo do imperio do Meio. Acabavão do desembarcar nesta cidade as tropas chinezas que forão mandadas á ilha Formosa, para baterem os selvagens e, depois de se pôrem em ordem, desfilarão pelos quarteirões europeus, porém, na concessão franceza, os soldados debandarão e ameaçarão invadir as casas dos residentes. Os estrangeiros recolherão-se ás suas casas e pozerão-se em defeza, promptos para venderem caro suas vidas. Infelizmente chegavão nesta occasião dos arredores, em carro descoberto, um americano e sua senhora, os soldados lhes impedirão a passagem, lançarão-nos fóra do carro e ferirão-nos com suas lanças.

MANIFESTO PUBLICADO PELOS CHINS CONTRA OS ESTRANJEIROS
MANIFESTO PUBLICADO PELOS CHINS CONTRA OS ESTRANJEIROS

Imp. Lith. do A. Speltz Rua S. Jose 69. Rio de Janeiro.[nota 1][nota 2]

Foi necessario a intervenção dos marinheiros dos navios de guerra estrangeiros, para pôr cobro aos desmandos dos soldados chinezes que, durante muitos dias, praticarão toda sorte de crimes sem que as autoridades do paiz podessem contel-os.



  1. Eis em que termos foi concebida a reclamação dos commissarios chinezes:

    «De Tsungli-Samen á Sir R. Alcock, Julho de 1869. — Os abaixo assignados, já por varias vezes, ao conversarem com S. Ex. o Ministro Inglez têm-se pronunciado sobre o negocio do opio como altamente prejudicial aos interesses do commercio da China. Tiverão em vista os tratados entre nossos respectivos paizes firmar uma paz duradoura; mas, se é impossivel adoptar medidas que affastem do espirito publico uma interpretação por demais affrontosa, será de recear que nenhuma politica consiga remover as causas de futuros disturbios. Se ha desejo sincero de cortar o mal pela raiz o de estancal-o em a sua origem, nada será mais efficaz do que uma prohibição igualmente decretada por ambas as partes. Ao passo que os negociantes chinezes fornecem, ao paiz que representais, excellente chá e seda, beneficiando-o portanto, os negociantes inglezes envenenão a China com o pestifero opio.

    «É injusto tal procedimento. Quem o justificará? Que admiração se todas as nossas classes accusarem a Inglaterra de pretender a ruina da China; e disserem que nenhum sentimento amigavel para comnosco a anima?

    «Todos fallão na riqueza e generosidade da Inglaterra. Sabem o cuidado com que ella previne e antecipa tudo quanto possa prejudicar os seus interesses commerciaes. Como é, pois, que a Inglaterra hesita em remover um mal reconhecido como tal? Não é possível que a Inglaterra persista ainda neste máo negocio, arrostando o odio de todas as classes a China e tornando-se alvo das censuras das outras nações, só, porque, com a prohibição da cultura da dormideira perderia uma pequena fonte de receita!

    «Os abaixo assignados contão que V. Ex. induzirá o seu governo a expedir ordens para a India e outros pontos, afim do ser a referida cultura substituida pela dos cereaes ou algodão. Prohibão terminantemente ambas as nações a producção da dormideira, e logo o trafico, como o consumo do opio, cessarão.

    «Grande seria o merecimento da Inglaterra se acabasse com semelhante mal; além de, assim, fortalecer as relações amigaveis, tornaria seo nome illustre. Que gloria para ella de transmittir aos vindouros um acto de tanto alcance! É este negocio prejudicial aos interesses commerciaes em não pequeno gráo. Se S. Ex. o Ministro Inglez não pode, antes que seja tarde, concertar um plano para a prohibição conjuncta (do trafico), então, não importa o zelo que os abaixo assignados desenvolvão, talvez não seja possivel dissipar os sentimentos adversos do povo e estreitar as relações amigaveis a ponto do as collocar acima de qualquer receio de desavença.

    «Dia e noite dedicão-se os abaixo assignados com a mais desvelada attenção ao estudo deste assumpto.

    «Suppondo haverem-se manifestado com toda a franqueza, os abaixo assignados esperão ser honrados com a resposta de V. Ex.»
  2. Nome de dignidade militar.

Notas da Wikisource

  1. Peça de propaganda pró-Qing e xenófoba, exaltando os oficiais da Dinastia Qing Tian Xingshu, Li Hongzhang e Bao Chao, respectivamente, enquando os paineis inferiores criticam estrangeiros, o cristianismo e sacerdotes cristãos. Originalmente produzida em 1875 por cidadãos de Hezhou, tendo circulado por Shunqing. De acordo com a obra 《四川教案与义和拳档案》, o General de Chengdu e o governador de Sichuan decretaram a proibição de materiais anti-missionários como este em 21 maio de 1875.
  2. Transcrição e tradução livre do Wikisource:
    Posição Original Tradução
    Título: 膺戎圖 ("Ilustração do ataque contra os estrangeiros")
    Painel à extrema esquerda: 更冀滿漢文武和衷濟美,掃除邪教保清朝 ("Esperamos que manchus e hans, civis e militares possam trabalhar juntos para erradicar os cultos e proteger a dinastia Qing")
    Painel à extrema esquerda, canto inferior: 隱此圖者罪同奉教人 ("Aqueles que escondem estas imagens são tão culpados quanto os cristãos")
    Painel superior esquerdo: 忠義大臣 田心恕 ("Leal Ministro Tian Xingshu")
    Painel superior central: 股肱大臣 李鴻章 ("Confiável Ministro Li Hongzhang")
    Painel superior direito: 剛直大臣 鮑照 ("Íntegro Ministro Bao Chao")
    Painel à extrema direita: 通啟士農工商,協力復讎,降伏妖氛消劫運 ("Cooperemos soldados, agricultores, operários e comerciantes para restaurar o reino, subjulgar esta atmosfera malévola e evitar um grande disastre")
    Painel à extrema direita, canto inferior: 領此圖者務貼當眼處 ("Àqueles que virem estas ilustrações: não se esqueçam")
    Painel inferior esquerdo: 田大人判云:大罵男女不是人,為何甘願變畜牲。前身定是西洋種,初入中華變人形。忽被蠻風相感觸,依舊現出爾元神。不敬天地滅宗祖,妻女供獻任宣淫。如此狐羣狗黨輩,生出龜兒是蠻根。披毛戴角分內事,欲逃物類萬不能。 ("O Sr. Tian assim determinou: Apesar de homens e mulheres terem sidos amaldiçoados a não mais serem humanos, por quê gostariam se tornar animais? Os ancestrais eram sem dúvida ocidentais, e se transformaram em seres humanos quando adentraram a China. Mesmo se repentinamente agredido por uma ventania, o espírito primordial ainda sim apareceu. Desrespeitando o Céu e a Terra e destruindo os antepassados, esposas e filhas são jogadas à prostituição. Está na raíz deturpada desse grupo de raposas e cães parir tartarugas. Para eles, ter pelugem e chifres é uma questão natural, inescapável.")
    Painel inferior central: 李宰輔判云:開言怒罵二蠻王,敢來大國亂綱常。爾輩原屬犬馬類,耶穌老蠻留餘殃。勸善為名賄奸黨,豈能蒙蔽我忠良。以下犯上該萬死,陰謀詭詐惱上蒼。今朝落在我的手,蠻子蠻孫刀下亡。從此滅盡天誅教,去邪歸正降吉祥。 ("O Sr. Li assim decidiu: Os bárbaros cristãos nos deixaram na calamidade, transformando a justiça em traição através do suborno. Como proteger nossa lealdade? Aqueles abaixo que transgrediram contra os acima merecem dez mil mortes, os que conspiraram deslealmente para ofender os Céus.")
    Painel inferior direito: 鮑大人判云:罵聲西洋這狗官,遍傳夷教滅聖賢。污辱孔聖惡已極,歷代未曾讀書篇。上天不容地不載,打入阿鼻億萬年。妖言惑眾應割舌,奸詐百出挖心肝。莫謂我朝皆懦弱,本堂性剛刑森嚴。死有餘辜何足惜,屍拋曠野任犬餐。 ("O Sr. Bao assim julgou: Espalhou-se o boato que este oficial ocidental, um cão, foi repreendido, e que a religião bárbara destruirá os sábios. Insultar Confúcio é extremamente vil, e nunca se viu em dinastias passadas. Os Céus não permitem que a Terra se afunde, e o enviaram para as profundezas do inferno por centenas de milhões de anos. Você deveria cortar sua própria língua se você engana as pessoas pela boca. Isso não significa que nossa dinastia seja covarde, nossa Igreja é severa e pune com rigidez. Seria uma pena se houvessem múltiplas mortes, com corpos jogados em terrenos baldios para cães comerem.")
    Legenda da ilustração à esquerda inferior: 奉教男女
    奉教人之子
    ("homens e mulheres crentes")
    ("crias dos crentes")
    Legenda da ilustração central inferior: 大法國蠻王
    天誅教主,臭名耶穌,十字架上,亂箭嗚呼。
    大𠸄國蠻王
    ("o grande rei bárbaro francês")
    ("o infame fundador sectário Jesus, justamente punido na cruz, com flechas e gritos de dor.")
    ("o grande rei bárbaro inglês")
    Legenda da ilustração à direita inferior: 傳教死成 ("a morte do missionário")