Saltar para o conteúdo

Da França ao Japão/VIII

Wikisource, a biblioteca livre

CAPITULO VIII

 
O Japão antigo — Os escriptores hollandezes ciosos da descoberta do Japão pelos portuguezes. — Fernão Mendes Pinto. — Como este viajante descobrio o Japão, e como foi recebido n’esse paiz. — S. Francisco Xavier no Japão. — Como forão recebidos os primeiros estrangeiros no Japão. — Os missionarios e os bonzos. — Importancia do commercio portuguez com o Japão.
 


De todos os paizes da Asia, é, na opinião da maior parte dos viajantes, o Império Japonez que mais interesse apresenta, assim pelos costumes dos seus habitantes, como pelo lugar que em breve occupará entre as nações mais adiantadas.

A sua historia, se perde nas tradicções antigas de modo que seria impossivel, determinar-se, com alguma approximação, quaes os costumes d’este povo nos tempos primitivos, e nem mesmo póde-se affirmar qual a sua origem.

Nos annaes historicos d’este paiz, vê-se a identificação dos primeiros chefes japonezes com deoses e semi-deoses de uma mythologia complexa. Assim é, que por elles se vê que, durante dois milhões de annos, reinarão cinco deoses-homens, que se succederão no governo, para irem ás altas regiões decidirem dos destinos de seu paiz. Esta tradição legendaria nos mostra com clareza que a fórma theocratica do governo subsistio até 1868, quando a revolução veio senão, então tornar o Japão um paiz constitucional pelo menos fazel-o pôr em movimento todas as suas forças, e de um salto sahir do estado de barbaria relativo, em que se achava, á um gráo de civilisação bem apreciavel.

Antes de fallarmos do Japão moderno, será indispensavel para accompanharmos o seu progresso, lançarmos a vista sobre sua historia a partir da epocha em que se soube de sua existencia na Europa.

Alguns escriptores hollandezes, levados por um sentimento de patriotismo mal entendido, negão aos portuguezes a gloria de terem sido os primeiros europeos que pisarão o solo japonez; outros, respeitando a verdade, ajuntão que esta gloria foi obra do acaso, e por isso, que o facto da descoberta do Japão apenas apresenta sob este ponto de vista um interesse secundario.

A estes, basta lembrarmos que não foi o acaso que fez dos antigos portuguezes aventurosos navegantes e perfeitos guerreiros de então; aos primeiros, pediremos permissão para pôr em duvida seus titulos de fieis chronistas.

E, se algum facto pode ser verificado mais facilmente o da descoberta do Japão pelos portuguezes o será tambem, e este é assumpto de brilhantes paginas escriptas pelo seu proprio descobridor Fernão Mendes Pinto e pelo continuador das decadas da Asia de João de Barros, Diogo do Couto.

Os proprios annaes da Companhia das Indias Orientaes contão que aos portuguezes se deve a noticia d’este rico paiz do Oriente, com o qual, durante dois seculos, ella foi a unica que d’elle auferio lucros immensos.

A narração de Fernão Mendes Pinto parece em alguns pontos inverosimil, porém não é difficil conhecer-se que a falta de precisão, é antes filha de uma imaginação ardente e enthusiastica pelos seus proprios feitos, do que de calculada má fé ou de habituada mentira.

Como nós partimos da cidade de Uzangué [1], e do que nos aconteceu, até chegarmos á ilha de Tanaxumá [2], que é a primeira terra do Japão.

«Com alvoroço, o contentamento, que se pode imaginar que teriamos no cabo de tantos trabalhos, e desventuras, como até então tínhamos passado, do que por então nos viamos livres, nós partimos d’esta cidade de Uzangué a 12 de Janeiro, e fizemos nosso caminho por um grande rio de agua doce de mais do uma legua em largo, levando a proa a diversos rumos, por causa das voltas que o rio fazia; vendo sempre por espaço de sete dias, que por elle corremos, muitos e mui nobres logares, assim villas como cidades, que segundo o apparato de fóra, parecia que devião do ser povos ricos, pela sumptuosidade dos edifícios, que nelles se vião assim de casas particulares, como de templos com curuchéos cosidos em ouro, e pela grande multidão do embarcações de remos, que ali se vião com toda a sorte de mercadorias, e mantimentos em muita abundancia. Chegando nós a uma Cidade muito nobre, que se dizia Quangeparú [3], quo teria quinze, ou vinte mil visinhos, oNaudelum, que era o que por mandado d’El-Rei nos levava, se deteve n’ella dose dias fazendo sua veniaga com os da terra a troco de prata, e de perolas, em que nos confessou que de um fizera quatorze; mas que se levara sal, se não contentara com dobrar o dinheiro trinta vezes. Nesta cidade nos affirmarão que tinha El-Rei de renda todos os annos, só das minas de prata, dois mil e quinhentos picos, que são quatro mil quintaes; e fóra esta renda, tom outras muitas cousas differentes.

«Esta cidade não tem mais força para sua defensa, que só um fraco muro de tijolo de oito palmos dos meus de largo, e sete palmos de fundo. Os moradores della são gente fraca, e desarmada, nem tem artelheria, nem cousa que possa prejudicar a quaesquer quinhentos bons soldados, que a acometerem. D’aqui nós partimos uma terça-feira pela manhã, e continuamos por nossa derrota mais treze dias; no fim dos quaes chegamos ao porto de Sanchão[4] no Reino da China, que é a ilha onde depois falleceo o Bemaventurado S. Francisco Xavier, como adiante se dirá: e não achando ali já a este tempo navio de Malaca, por haver nove dias que erão partidos, nós fomos a outro porto mais adiante sete leguas por nome Lampacau, aonde achamos dois juncos da costa do Malayo, um de Patané, e outro de Lugor. É como a natureza desta nossa nação Portugueza é sermos muito affeiçoados a nossos pareceres, houve aqui entre nós todos oito tanta differença, e desconformidade de opiniões sobre uma cousa, que o que mais nos levava era termos muita paz, e concordia, que quasi nos houveramos de vir a matar uns aos outros; de maneira que por ser assaz vergonhoso contar o como isto passou, não direi mais, senão que o Necodá da lorcha, que nos alli trouxe, espantado deste nosso barbarismo se partio muito enfadado, sem querer levar carta, nem recado nosso, que nenhum de nós lhe desse, dizendo que antes queria que El-Rei por isso lhe mandasse cortar a cabeça, que offender a Deos em levar cousa nossa, aonde elle fosse. E assim differentes, e mal avindos ficamos nesta ilha mais nove dias, em que os juncos ambos se partirão, sem tambem nenhum d’elles nos querer levar comsigo; pelo que nos foi forçado ficarmos alli mettidos no mato arriscados a grandes perigos, dos quaes ponho muita duvida podermos escapar, se Deos Nosso Senhor se não lembrára de nós; porque havendo dezasete dias que aqui estavamos em grande miseria, e esterilidade, veio acaso alli surgir um cossairo por nome Samipocheca, que vinha desbaratado fugindo da Armada do Aytão do Chinchêo, que de vinte e oito vélas que trazia, lhe tomara as vinte seis, e elle escapara somente com aquellas duas que trazia comsigo, das quaes trazia a maior parte da gente muito ferida; pelo que lhe foi forçado deter-se alli vinte para que a curasse. E nós os oito constrangidos da necessidade nos foi necessário assentarmos partido com elle, para que nos levasse comsigo por onde quer que fosse, até que Deos nos melhorasse n’outra embarcação mais segura, em que nós fossemos para Malaca.

«Passados estes vinte dias em que os feridos convalescerão, sem em todo este tempo haver entre nós reconciliação da desavença passada, nos embarcamos ainda assim mal avindos com este cossairo; os tres no junco em que elle ia, e os cinco no outro, de que era capitão um seu sobrinho ; e partidos daqui para um porto, que se chamava Laylo, [5] avante do Chinchêo [6] nove léguas, e desta ilha oitenta, seguimos por nossa derrota com vento bonança ao longo da costa de Lamau [7] espaço de nove dias ; e sendo uma manhã quasi noroeste-sueste com Rio do Sal, que está abaixo do Chaboque, cinco léguas nos accommetteu um ladrão com sete juncos muito alterosos, e pelejando comnosco das sete horas da manhã até as dez, em que tivemos uma briga assaz travada, e muitos arremeços, assim de lanças, como de fogo; emfim se queimarão tres velas, as duas do ladrão e uma das nossas, que foi o junco, em que ião os cinco Portuguezes, a que por nenhuma via pudemos ser bons, por já a este tempo termos a maior parte da gente ferida; e refrescando-nos sobola tarde a viração, prouve a Nosso Senhor que lhe fugimos, e escapamos das suas mãos. E continuando nossa viagem assim destroçados como hiamos mais tres dias, nos deu um temporal de vento esgarrão por cima da terra tão impetuoso que naquella mesma noite a perdemos de vista; e como então já a não

podiamos tornar a tomar, nos foi forçado arribarmos em popa
Como desembarcamos n'esta ilha de Tanixumá, e do que passamos com o senhor d’ella.

« Não havia ainda bem duas horas, que estavamos surtos nesta calheta de Miaigina, quando o Nautaquim Principe desta ilha do Tanixumá se veio ao nosso junco acompanhado de muitos mercadores, o de gente nobre com grande somma de caixões cheios do prata para fazer fazenda. E depois de se fazerem de parte a parte as cortezias costumadas, o elle ter seguro para se podor chegar a nós, se chegou logo, e vendo-nos aos tres Portuguezes, perguntou que gente éramos, porque na differença do rosto e barbas entendia que não éramos chins. O capitão cossairo lhe respondeu que éramos de uma terra, que se chama Malaca, aonde havia muitos annos que tinhamos vindo de outra que se dizia Portugal, cujo Rei, segundo nos tinha ouvido algumas vezes, habitava no cabo da grandeza do mundo. De que o Nautaquim fez um grando espanto e disso para os seus que estavão presentes. Que me matem se não são estes os Chenchicogins, de que está escripto em nossos volumes, que voando por cirna das aguas, tem senhoreado ao longo delia os habitadores das terras, aonde se crearão as riquezas do mundo: pelo que nos cahirá em boa sorte, se elles vierem a esta nossa com titulo de boa amisade. E chamando então para junto de si uma mulher. Lequia, que era a interprete por quem se entendia com o Capitão Chim senhor do junco, lhe disso. Pergunta ao Necodá aonde achou estes homens ou com que titulo os traz comsigo a esta nossa terra do Japão? A que respondeu: Que sem falta nenhuma éramos mercadores, e gente bóa, e que por nos achar perdidos em Lampacau, nos recolhera, para nos ajudar com suas esmolas, como tinha por costume fazer a outros, que já assim achara; para que Deus permittisse livral-o a elle das adversidades impetuosas, que cursavão por cima do mar, com as quaes se perdião os navegantes. Ao Nautaquim parecerão tão bom estas razões do cossairo , que entrou logo no junco e mandou aos seus, que por serem muitos não entrassem mais que os que elle dissesse. E depois de andar vendo todas as particularidades do junco assim da pôpa, como da prôa, se assentou em uma cadeira junto com o toldo, e nos esteve inquirindo de algumas cousas particulares, que desejou saber de nós, a que respondemos conforme ao gosto, que nelle enchergamos, de que elle mostrava muito contentamento.

«Nestas praticas gastou comnosco um grande espaço, mostrando em todas as suas perguntas ser homem curioso, e inclinado a cousas novas; e se despedio de nós e do Necodá chim, que dos mais não fez muito caso; dizendo:

— Amanhã me ide vêr a minha casa, e me levai um grande presente de novas desse grande Mundo, por onde andaste, e das terras que tendes visto, e como se chamão; porque vos affirmo que essa só mercadoria comprarei mais a meu gosto, que todas as outras; e com isto se tornou para terra.

«E como ao outro dia foi manhã clara, nos mandou ao junco um grande paráó de refrescos, em que entravão uvas, peras, melões, e toda a sorte de hortaliça, que ha nesta terra; com cuja vista demos muitas graças e louvores a Nosso Senhor.

«O Necodá do junco lhe mandou pelo mensageiro algumas peças ricas, e brincos da China em retorno do refresco, e lhe mandou dizer que como o junco ancorasse no surgidouro, quando estivesse seguro do tempo, o iria logo ver a terra, e levar-lhe as amostras da fazenda, que trazia para vender.

«E ao outro dia tanto que foi manhã desembarcou em terra, e nos levou comsigo a todos tres com mais dez chins, os que lhe parecerão mais graves, e autorisados em suas pessoas, os quaes elle queria para o ornamento desta primeira vista, em que esta gente se costuma mostrar com muita vaidade.

 
China
Lit. Imp. A. Speltz.
𝕯𝖆𝖒𝖆 𝖈𝖍𝖎𝖓𝖊𝖟𝖆 𝖊 𝖘𝖚𝖆 𝖈𝖗𝖎𝖆𝖉𝖆
 

Chegando nós a casa de Nautaquim, fomos bem recebidos delle, e o Necodá lhe deu um bom presente, e após isto lhe mostrou as amostras de toda a sorte de fazenda, que trazia;de que elle ficou muito satisfeito, e mandou logo chamar os principaes mercadores da terra, com os quaes se tratou o preço della, e concertados nelle, se assentou que ao outro dia se trouxesse a uma casa, que mandou dar ao Necodá, em que se agasalhasse com a sua gente, até se tornar para a China. Isto ordenado, o Nautaquim tornou de novo a praticar comnosco, e a perguntar-nos por muitas cousas miudamente, a que respondemos mais conforme ao gosto, que nelle viamos, que não ao que realmente era verdade; mas isto foi em certas perguntas, em que foi necessario ajudarmo-nos de algumas cousas fingidas, por não desfazermos no credito, que elle tinha desta nossa patria. A primeira foi dizer-nos: que lhe tinhão dito os chins, e lequios que Portugal era muito maior em quantidade assim de terra, como de riqueza, que todo o Imperio da China; o que nós lhe concedemos. A segunda: que tambem lhe tinhão certificado que tinha o nosso Rei fogigado por conquista de mar a maior parte do mundo; a que tambem dissemos que era verdade. A terceira, que era tão rico o nosso Rei de ouro e de prata, que se affirmava que tinha mais de duas mil casas cheias até ao telhado; e a isto respondemos que no numero de duas mil casas nós não certificavamos, por ser a terra e o reino em si tamanho, e ter tantos thesouros, e povos, que era impossivel poder-se-lhe dizer a certeza disso. E nestas perguntas, e em outras, desta maneira nos deteve mais de duas horas; e disse para os seus:

— Certo que se não deve haver por ditoso nenhum rei, de quantos agora sabemos na terra, senão já o que for vassallo de tamanho monarcha como é o imperador desta gente.

«E despedindo o Necodá com toda sua companhia, nos rogou que quizessemos ficar aquella noite com elle em terra, porque se não fartava de nos perguntar muitas cousas do mundo, a que era muito inclinado, e que pela manhã nos mandaria dar umas casas, em que pousassemos junto com as suas, por ser o melhor lugar da cidade; o que nós fizemos de boa vontade, e nos mandou agasalhar com um mercador muito largamente; assim nesta noite, como em doze dias mais, que pousámos com elle.»

Estas linhas bastão para mostrar como Pinto aportou no Japão, e fica bem provado, pelos capitulos seguintes da narração de Pinto, e que não transcrevemos por serem extensos, que foi elle, e Zeimoto um dos companheiros a quem se refere, os primeiros filhos do occidente que forão ao Japão. Fica ainda provado pelos annaes do Japão que, apezar de ser já ahi conhecida a polvora, forão Pinto e seus companheiros que primeiro fizerão conhecer aos japonezes-as armas de fogo e lhes ensinarão o modo como d’ellas se devião servir.

Segundo a ordem dos factos e algumas datas apresentadas por Pinto nas suas 'Peregrinações, devemos concluir que este viajante chegou a Tanegasimá em começo do anno de 1545, o que não combina com a tradicção Japoneza que menciona a chegada do primeiro navio europeu no Japão em 1543; comtudo, parece-nos que não é prova bastante esta divergencia para autorisar a rejeitar como falso, ter sido Pinto um dos descobridores do Japão. Erros semelhantes se tem observado em outras datas, que, entretanto, forão verificadas de diversos modos.

Ainda hoje, no Japão, póde-se vêr desenhados sobre papel os retratos dos primeiros europeus que alli aportarão; e pelo vestuario, accessorios e mais signaes, conhece-se perfeitamente que são portuguezes do XVI seculo o que elles representão.

Pinto voltou alguns annos depois á Gôa, tendo neste intervallo, realisado varias viagens ao Japão, com o que ganhou boa somma de dinheiro.

Segundo conta o Padre Melchior Nunes Barreto, foi Pinto quem convidou e acompanhou ao Santo padre Francisco Xavier, tambem chamado o apostolo das Indias, ao Japão, e ahi deixando este virtuoso varão, Pinto voltou á Europa à occupar, durante muitos annos, lugar distincto na côrte de Philippe II, que o tratava com estima e distinção.

Facil foi o estabelecimento dos portuguezes no Japão, e varias causas concorrerão para attingirem a este fim.

Primeiramente, nenhuma indisposição nutrião os amaveis japonezes contra os estrangeiros, e superior a tudo, muito contribuirão as santas doutrinas do martyr do Golgotha. Infelizmente, nem todos os missionarios comprehenderão a santa missão, à que voluntariamente se obrigarão, e as queixas repetidas e as difficuldades que elles oppunhão á marcha dos negocios publicos no Japão, decidirão o governo a lançar mão de todos os meios para banir os estrangeiros do sólo japonez, o que elle levou a effeito, fechando durante dous seculos, todos os portos do imperio aos europeus, com excepção dos hollandezes, porém, que aceitarão certas e determinadas condições bastante humilhantes e restrictivas.

Porém, para bem comprehender-se, como a successão de factos deu em resultado uma medida tão extraordinaria, unico exemplo que nos apresenta a historia das nações, traçaremos ao correr da penna, aquelles que mais contribuirão para o isolamento do Japão.

Os primeiros propagadores do chistianismo no Oriente não podião ser mais felizes em sua missão, e tal era o numero de convertidos que fizerão em alguns mezes, que elles attribuião á um soccorro sobrenatural, a rapidez com que se convertião cidades inteiras, desde o principe até ao mais humilde homem do povo. Assim devia ser: as verdades do christianismo não deixarião de influir sobre um povo intelligente e nobre, que assistia muitas vezes a victoria ganha pelos primeiros missionarios, em estiradas discussões theologicas com os bonzos do Japão, que vivendo desregradamente não podião exemplificar as doutrinas que ensinavão.

Avidos por saber, admiradores das intelligencias cultivadas, já, m’aquellas epochas, o povo corria a assistir á estas discussões, provocadas pelos bonzos sobre um mysterio ou dogma da religião christã. Os missionarios que aprendião com extrema facilidade a fallar a lingua japoneza, aceitavão os desafios, e da arena sahião victoriados pelo povo, que pedia-lhes em altos brados o baptismo, declarando quererem professar uma religião, cujas verdades não se impõe, porém se demonstra com evi- dencia.

Tal era o systema da cathechese no Japão, emquanto alli esteve o Padre Francisco Xavier, que levantando com seus virtuosos exemplos e sua illustração, os alicerces de um dos mais bellos edifícios da fé, mal sabia que outros seus successores, sem recursos intellectuaes, nem dispondo de uma alma bem formada, virião, alguns annos depois, dar ganho de causa aos bonzos, que moralmente fortes, pedirão aos governadores a expulsão dos padres, e a interdição dos livros sagrados no território japonez.

Outros factos, vierão comprometter a causa dos Europeus, tão intimamente ligada á da religião christã.

Além de abusivas praticas dos negociantes portuguezes, quando desembarcavão em alguns portos pouco frequentados, impondo por preços elevadissimos as mesmas fazendas que em Nangasaki vendião pela decima parte, forão estes mercadores muitas vezes intrigados pelos hespanhoes que traficavão sob a capa dos portuguezes, e por isso mesmo, com menos escrupulo do que se fizessem abertamente. Não forão, comtudo, estes os que mais concorrerão para que os japonezes lançassem mão de medidas repressivas e energicas para se verem livres das visitas numerosas de navios de diversas nações, que ião carregados de fazendas, e voltavão com immensas riquezas, adquiridas pelos negociantes estrangeiros com usura e facil trabalho.

A inveja causada pela preferencia que os grandes potentados japonezes davão aos portuguezes, foi a cansa da ruina de um commercio que, como dizia um chronista da epocha, «se durasse mais alguns annos, faria de Macão a primeira cidade do Oriente.»

Tal era a importância do commercio portuguez que, em um só anno, os seus navios transportarão de Nagasaki á Macáo, duas mil tresentas e cincoenta caixas de prata, representando um valor de mil contos de réis. Em 1636, conta a chronica hollandeza sobre o commercio do Japão, que dous navios portugueses , d’ali sahirão carregando mais de oito mil contos em metaes preciosos.

Tal foi a origem da intriga dos hollandezes que, sem crenças a conservar, insinuarão-se no animo dos japonezes, atacando os sacerdotes europeus, e que mesmo exclamavão, em altas vozes, que serião funestas as consequências da propaganda christã para o Japão, e durante dous séculos, satisfizerão as mais vexatorias condições, para a dignidade do homem livre, com o unico fim de conservarem um armazém em Nangasaki o ahi poderem negociar.

Agora vejamos, no seguinte capitulo, como germinarão as sementes lançadas no solo Japonez pelo Apostolo das Indias.


  1. Segundo o que se segue na narração de F. Mendes Pinto esta cidade é hoje conhecida pelo nome de Fuchnang o que está de accordo com a tradição japoneza.
  2. Hoje Tenegasimá.
  3. Quanhiabanbong.
  4. Sanchvam.
  5. Saylo ou Ningpo segundo os autores chinezes.
  6. Tschang-Tscheou—Fou eomo também chama Danville.
  7. Jeha do Lamau segundo Linschooten.