Dicionário de Cultura Básica/Dürrenmatt

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DÜRRENMATT (dramaturgo suíço)

O grande dramaturgo Friedrich Dürrenmatt (1921–1990) confessou as influências de Strindberg e de Brecht. Seu teatro deve mais ao primeiro do que ao segundo autor, pois, embora tenha utilizado algumas inovações técnicas de Brecht, especialmente o anti-ilusionismo dramático e o recurso a fatos históricos do passado, Dürrenmatt não acredita na possibilidade de uma transformação social. Sua ironia chega ao pessimismo mais absoluto, face às trágicas conseqüências das duas Guerras Mundiais de 1914–1918 e de 1939–1945. Sua dramaturgia apresenta a crise de todos os grandes ideais da humanidade, que se tornaram pura utopia: capitalismo, socialismo, religião, heroísmo, fraternidade, amor. A dura realidade da existência é a luta pela satisfação dos instintos, pelo dinheiro, pela ascensão social. O egoísmo humano atinge não só os indivíduos, mas inteiras coletividades. As instituições sociais, especialmente a justiça, são facilmente corruptíveis porque ninguém resiste à força do dinheiro e ao jogo de interesses. É este desencanto que justifica sua predileção pelo tom irônico e pela comédia, embora de fundo trágico. A peça de estréia, Está escrito, ironiza o fanatismo de um comerciante anabatista que se priva de seus bens para fazer uma experiência de vida comunitária. Na representação da comédia Rômulo, o Grande, palco e platéia são empestados pelo cheiro de bosta de galinhas: o último Imperador de Roma, desiludido da vida, tornara-se um avicultor! Em O casamento do senhor Mississipi, os três nobres pretendentes à mão da bela Anastásia (um intelectual aristocrata, um juiz reacionário e um idealista revolucionário) são derrotados por um oportunista sem escrúpulos. Um anjo vem a Babilônia retrata a fragilidade das instituições políticas e religiosas, que temem qualquer inovação mesmo que venha do céu. Com o musical Frank V, Dürrenmatt faz uma hilariante sátira da vida dos banqueiros. Em Os físicos, os cientistas tomam a heróica decisão de internar-se num hospício com o fim de evitar que suas descobertas sejam utilizadas pelas grandes potências para destruir-se mutuamente. Mas o poder da corrupção torna inútil seu sacrifício, pois as fórmulas são vendidas pela Diretora do manicômio. A peça mais famosa de Friedrich Dürrenmatt é A visita da velha senhora. Denominada "comédia trágica", em três atos, sua fábula, isto é, a seqüência das ações em sua ordem cronológica, é a seguinte: a jovem Clara Waescher, de família humilde e ainda de menor idade, é seduzida por Alfred Schill, um moço filho de um ricaço de uma cidade provinciana. Apaixonada e grávida, a mocinha pede justiça, mas a família do rapaz, para impedir o casamento, arruma falsas testemunhas e prova no tribunal que ela era uma moça leviana, pois tivera relações sexuais com outros rapazes. Assim caluniada, Clara é expulsa da cidade. Obrigada a prostituir-se para poder sobreviver, acaba perdendo a criança com apenas um ano de idade. Mas não deixa de ter sorte: bonita e inteligente, consegue casar-se com o milionário Zahanassian, que a tira de um bordel e, ao morrer, a deixa herdeira de uma fabulosa fortuna. A Velha Senhora, então, acompanhada por dois maridos, o sétimo e o nono, por um mordomo e por seguranças, volta à cidade natal, disposta a vingar a afronta sofrida na sua mocidade. A cidade de Gullen encontra-se num estado de total decadência: indústria parada, comércio fraquíssimo, casas abandonadas. Com o novo nome de Claire Zahanassian chega de trem junto com a sua comitiva e oferece milhões para soerguer a cidade. Mas há um preço: a cabeça de Alfred Schill, seu antigo sedutor e caluniador, agora casado e com filhos. As pessoas mais influentes da cidade, inclusive a própria esposa e os filhos, atraídas pela força irresistível do dinheiro, reconhecem a ignomínia de Alfred e decretam sua morte. Schill é assassinado pela coletividade e em público. A Velha Senhora vai embora, legando à cidade o cheque prometido.

Esta é a fábula. A trama da peça começa com a chegada de trem de Clara a Gullen e a festiva recepção. O espectador fica sabendo de todo o conteúdo fabular pela fala das personagens ao longo do drama. Quanto ao sentido, A visita da Velha Senhora é a tragédia do ressentimento, da vingança, sentimento irresistível do ser humano que a mitologia grega personificou na figura de nêmesis, a justiça vingadora, cega mas de boa memória. É também a comédia da moral burguesa regida pela lei do estômago: os acusadores de ontem se tornam os defensores de hoje, com relação a Clara; com respeito a Alfred, acontece exatamente o contrário. A dramaturgia de Dürrenmatt não faz concessões ao público: irônica, satírica, feroz, superficialmente cômica e muito divertida, mas profundamente trágica porque realista e verdadeira.