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Filomena Borges/XXI

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Foram inúteis todos os novos esforços do Borges para recusar o cargo. Teve de entrar logo em exercícios de suas funções.

— Ora a minha vida! lamentava ele, sozinho, a espacear pela quinta do imperador. Ter de entrar na carreira pública depois dos cinqüenta anos de idade! Esta só a mim sucede!

Sua Majestade não tardou a puxá-lo bem para junto de si, faze-lo dos do seu peito. E, com enorme espanto do Borges, chegava a consultá-lo em questões completamente estranhas ao pobre homem. Às vezes pedia-lhe conselhos.

— Homem, majestade! ... para falar com franqueza, eu...

— Já sei, já sei! Não lhe é simpático o negócio! Eu também sou quase desse parecer...

— Perdão, perdão! não é isso!... mas é que...

E o Borges, a contragosto, ia pensando nas coisas do Estado, ia-se articulando às engrenagens do governo, ia-se deixando invadir secretamente por todas as sutilezas da política.

— Eu, jurava ele com os seus botões — eu, quando menos o esperarem, fujo! desapareço por uma vez, e ninguém saberá para onde fui! Posso lá com semelhante modo de vida!

Não obstante, quatro meses depois disso, a condessa de Itassu era já o melhor empenho para o Sr. D. Pedro de Alcântara. Pretendente que se apadrinhasse com ela podia ter a certeza de obter o que desejasse.

De suas mãozinhas aristocráticas saíram nomeações importantíssimas, licenças escandalosas, remoções, transferências, acessos de empregos, privilégios de companhias, concessões de engenhos centrais. Muita questão importante se resolveu com um simples sorriso.

Quando regressaram de Petrópolis foram habitar em S. Cristóvão, perto do palácio de sua majestade. O monarca não queria o visconde de Itassu muito longe de si.

A casa deste transformou-se logo em um centro político. Aí, todas as noites se reuniam as figuras mais volumosas dos poderes públicos; aí se discutiam as mais graves questões do Estado; formavam-se e destruíam-se gabinetes; criavam-se e resolviam-se crises, conforme o capricho de Filomena.

— Ora, dá-se por isso?... Será crível que eu nunca mais obtenha um momento de repouso?... pensava o Borges.

Com efeito, sua pobre vida jamais esteve tão cheia de preocupações e tão carregada de responsabilidade. Quando o desgraçado saía do quarto, depois de uma noite mal dormida, já uma enorme salva o esperava, transbordante de jornais, de cartas, requerimentos, ofícios, comunicados e o diabo, cujo expediente era preciso aviar e fazer subir quanto antes ao conhecimento do seu augusto amo.

Depois, tinha audiências; negócios inteiramente fora de sua competência vinham-lhe suplicar um parecer, pedir um auxílio.

Que luta!

Mas, além de tudo isso, era preciso atender aos colegas, aos amigos, aos políticos em atividade, que o procuravam todos os dias. De resto, era preciso constantemente envergar a farda, suportar as exigências do cargo, acompanhar o monarca, comparecer aos atos solenes da corte ou às reuniões particulares dos ministros.

E o Borges em vão se arrepelava, se maldizia e se punha fora de si.

Filomena, ao contrário, à semelhança de certas plantas caprichosas, que só vingam bem nos abrasados e altaneiros píncaros do rochedo, cada vez mais e mais se identificava às exigências do seu novo meio.

E protegia o marido à sombra de seus conselhos, amparava-o, conduzia-o, emprestando-lhe um lugar no ginete de suas ambições e cedendo-lhe liberalmente todas as armas do seu espírito e toda a força da sua vontade.

O Imperador não disfarçava o bom conceito em que tinha a opinião do experimentado e sensato visconde de Itassu,

— É um homem de peso... dizia. — Não tem fulgurações de talento, mas sobra-lhe o tino! Homem de gabinete!

O Borges, o modesto e inofensivo Borges, viu então circularem ao redor de si os mais lisonjeiros comentários a respeito de qualidades, que ele nunca desconfiara que possuía. Viu atribuírem-lhe competências, das quais ele podia jurar que não dispunha: viu darem-lhe a paternidade de fatos de grande tática política, dos quais só chegara ao conhecimento pelas notícias do "Diário Oficial".

Mas, em compensação, os jornais ilustrados, os órgãos republicanos e algumas folhas diárias surgiam pejados de sátiras, de pilhérias e de caricaturas contra ele, a mulher e o monarca.

Deram-lhe alcunhas ridículas, inventaram-lhe biografias vergonhosas, crivaram-no de triolets insultosos. Afirmou-se que Filomena Borges era de fato a imperatriz do Brasil: que ela, se não reinava sobre a nação, reinava sobre o monarca: que sua majestade, tomado de amores, deixava fazer de si o que bem quisesse a viscondessinha de Itassu, e que esta abusando da posição, pintava o diabo com o pobre país, erguia e desmanchava gabinetes, com o mesmo capricho com que armava e desfazia os seus penteados e... os do marido.

Borges não sabia resistir a tais diatribes; ficava a ponto de perder a cabeça quando as lia; mas, em vez de revoltar-se contra a própria fraqueza, atirava sua indignação sobre os inimigos do Estado, ao passo que a este ia-se prendendo cada vez mais.

— Não dês a menor importância! acudia o Guterres. — Deixa ladrar a inveja!

— Mas que necessidade tenho eu de ouvir diariamente esses desaforos?...

— E uma questão de hábito, filho! Bem se vê que ainda não estás calejado nesta coisa! Pois querias fazer posição sem ouvir descomposturas?...

Serias aqui o primeiro! — quem tem mérito, tem inimigos! Mais tarde, quando os jornais já não disserem nada a teu respeito, hás de sentir até a falta desses mesmos desaforos que hoje te mortificam!

Mas o visconde, em vez de habituar-se ao que diziam dele, ia-se enterrando progressivamente no azedume e no tédio; deixava-se tomar de um desespero irritativo e constante, assanhava-se já por qualquer coisa, andava sempre de cara fechada, tinha palavras duras e gestos desabridos, até com o próprio imperador.

O imperador! ...

Pobre homem! Bem longe estava ele de merecer as acusações que lhe faziam a respeito da afilhada!

Que estivesse impressionado pela gentil criatura, pode ser, mas é que o diabrete arranjava as coisas de tal jeito, que o bom monarca não conseguia ir além de seus desejos, se é que os tinha.

Por mais esforço que empregasse, se os empregava, a viscondessinha fugia-lhe por entre os dedos com desculpas banais, como por exemplo a da circunstância de ser sua afilhada, deixando o coração do soberano ainda mais abrasado e ansioso, o que é possível, porque desgraçadamente os imperadores são feitos da mesma carne fraca e tilitante de que se formam as outras criaturas suscetíveis ao amor.

Por esse tempo era o Borges indigitado para exercer fora do País um importante cargo diplomático, que acabava de vagar.

— Não é que este homem embirrou deveras comigo?!... exclamou ele, quando lhe chegou aos ouvidos tal notícia. — Agora quer me fazer ministro plenipotenciário lá por onde o diabo perdeu o cachimbo! Ora, os meus pecados!

Filomena preferia ficar na corte, mas declarou logo que, se o marido aceitasse o cargo, ela o acompanharia, fosse lá para onde fosse.

Cassou-se imediatamente a nomeação do visconde, e, à noite, quando este teve ocasião de ver o amo, notou-lhe na fisionomia um certo ar de má vontade.

Lá se ia por água abaixo o prestígio do Borges e mais da mulher.