Galeria dos Brasileiros Ilustres/Barão de Muritiba

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Noticiando-se a um liberal extremo que o Sr. Barão de Muritiba havia tido um incômodo de cabeça, disse ele com sincero pesar: "Se morresse, perderíamos um grande cidadão".

Estas palavras demonstravam vivamente quão real é o mérito daquele que buscamos esboçar. Na verdade, como particular é o Sr. de Muritiba um exemplo digno e raro; e se nos fosse dado levantar esse véu atrás do qual se passam as mais belas cenas da família, os irmãos, os maridos, os pais colheriam nobres lições. No Sr. de Muritiba acha-se um complexo de qualidades eminentes. Homem de vontade firme, escravo de dever por amor do dever, estudioso, devotado à sua gente, ele não cede senão convencido, não faz senão o que a consciência lhe diz ser um bem. Muitos são os serviços prestados ao Brasil por esse, um de seus mais preclaros filhos; e quando a história pátria memorar os seus homens então limpos da baba da calúnia, o busto do Sr. de Muritiba sobressairá radiante e magnífico.

Manuel Vieira Tosta nasceu na cidade da Cachoeira, província da Bahia, correndo o ano de 1807. Seus pais, honrados fazendeiros, tendo em vista dá-lo à carreira das letras, buscaram para ele os melhores mestres daquela cidade, e depois o mandaram para a capital da província a terminar o estudo de humanidades, sendo que no ano de 1824 o fizeram seguir para a Universidade de Coimbra a alcançar formatura em direito.

Foi durante o seu curso de estudos, no qual tinha por condiscípulos o Sr. Visconde do Uruguai, que apareceu a rebelião do Marquês de Chaves, e então Vieira Tosta, como outros muitos brasileiros, alistou-se no batalhão acadêmico em defensão da carta constitucional outorgada por D. Pedro IV.

Sabem todos de quanta dedicação deu provas aquela mocidade cheia de entusiasmo e de heroísmo.

Sem que se houvesse envolvido nos acontecimentos do reino no ano de 1828, quando teve lugar a usurpação de D. Miguel, o Sr. Tosta foi obrigado a retirar-se de Portugal, faltando-lhe um ano para completar os seus estudos. Seguiu ele para a França, e aí, recebendo a notícia de se achar riscado do número dos alunos de Coimbra como um dos voluntários do batalhão acadêmico, resolveu-se a tirar proveito científico da sua estada em Paris, e por isso tornou-se assistente das lições dos professores da escola de Direito, e também das de Economia Política ensinada no Conservatório das Artes pelo célebre João Batista Say.

Em 1830 voltou à Bahia; e porque se houvessem aberto os dois cursos jurídicos, obteve matricular-se no de São Paulo, onde em outubro de 1831 alcançou diploma de bacharel formado, e o que mais é —um dos dois prêmios nos que então foram dados.

Despachado logo juiz de fora do termo de Cabo Frio e Ma-caé, serviu até 1833, quando se pôs em execução o Código de Processo Criminal. Ainda hoje a gente daqueles lugares e daquele tempo fala com respeito e simpatia no nome do seu juiz de fora.

Depois de ser nomeado para diversos lugares de juiz de direito, foi o bacharel Tosta mandado ocupar o da Cachoeira, onde teve logo ocasião de prestar relevante serviço, pondo em pessoa termo à sublevação da vila da Pedra Branca, que é situada nos confins da comarca.

Os votos de seus provincianos, por ocasião das primeiras eleições para as assembléias provinciais, vieram dar-lhe prêmio, pois que o fizeram deputado efetivo.

Achava-se o Sr. Vieira Tosta com licença, quando rebentou a revolução de 7 de novembro de 1837, e logo desprezando o favor, e tornando a seu posto, como chefe de polícia da Cachoeira deu as mais enérgicas providências, pondo a força policial e a Guarda Nacional em pé de fazerem frente a qualquer agressão por aqueles lados, e evitando o contágio do mal. Acéfala a província pela retirada do presidente e outras autoridades, nem por isso esmoreceu o Sr. Tosta, e antes, mostrando que é homem para as ocasiões arriscadas, arranjou armas, munições e gente — quase 1.000 homens — que mandou em auxílio dos que sitiavam os revoltosos na capital; e para embarcar os passos dos mal-inten-cionados que se dirigiam para a vila da Feira de Santa Ana, fez marchar seu próprio irmão o coronel Jerônimo Vieira, à testa de voluntários e guardas nacionais, enquanto ele, seus outros parentes e amigos ficavam velando em armas na Cachoeira.

Foi juiz tal no lugar do seu nascimento, cercado de parentes, e amigos, que levou um magistrado a dizer que só ele, Tosta, era capaz de exercer jurisdição em seu ninho sem excitar queixas, nem murmúrios.

Em 1838 veio tomar assento na Câmara temporária como um dos eleitos pela Bahia, e então sustentou com a sua palavra e voto o Gabinete de 19 de setembro, patenteando os seus princípios conservadores, dos quais nunca se arredou, por entender que o progresso não consiste em mudar, mas em mudar com proveito real indicado pela verdadeira experiência.

Promulgada a lei que criou os juízes dos feitos da fazenda, foi o Sr. Vieira Tosta escolhido para a vara da Bahia, vara em cujo exercício esteve de 1842 a 1843. Neste ano o elevou o governo a um dos lugares de desembargador da Relação de Pernambuco, achando-se então ele com assento na assembléia provincial, em virtude de terceira reeleição. Do tribunal de Pernambuco foi passado para o da Bahia; e sendo nomeado chefe de polícia daquela província não chegou a tomar posse do cargo, porque teve de seguir para Sergipe na qualidade de presidente, lugar este que ocupou até julho de 1854, tornando então para a relação da sua província onde se conservou em exercício até 1848. Foi durante este exercício em 1846 que teve lugar o assassinato em que tanto falaram os jornais da época, assassinato perpetrado na pessoa de uma interessante moça em sua própria casa, nos braços de sua mãe.

Ouvia o Sr. Tosta que da casa pediam socorro, e não obstante achar-se desarmado acudiu logo; sendo certo que, se não pôde impedir o tiro que matou a donzela, conseguiu com risco de vida que o malvado não contasse mais uma vítima na pessoa da mãe da infeliz, pois que, ati-rando-se ao ferro que se dirigia àquele fraco peito, quebrou-lhe a lâmina, ficando com a mão ferida, na qual ainda hoje se observam os sinais de sua abnegação e humanidade. Se belo foi o seu ato, belo foi o prêmio que então recebeu, pois logo correram à sua casa inúmeros pais de família a louvá-lo e felicitá-lo cordialmente.

No ano de 1848 veio o Sr. Tosta para a Câmara dos Deputados como um dos eleitos pela Bahia, e colocou-se no seu lugar de oposicionista.

Subindo o Gabinete de 29 de setembro, escolheu o Sr. Tosta para a presidência do Maranhão; mas ele respeitosamente recusou o honroso cargo, declarando entretanto que estaria pronto a obedecer ao governo quando este julgasse indispensáveis os seus serviços.

Aparecendo então o desgraçado movimento de Pernambuco, foi o Sr. Manuel Vieira Tosta, instado para que seguisse sem perda de tempo a tomar o governo da província. Recuar seria fraqueza, seria pôr-se em desacordo com os seus princípios, e faltar à promessa feita ao governo; por isso o Sr. Tosta, aceitando a arriscada missão, partiu. Ninguém ignora que principalmente a ele, à sua energia e critério se deveu a sufocação do terrível movimento, durante o qual pôs mil vezes em risco a sua própria vida. Não nos demoremos porém sobre estes fatos que deverão ser apreciados com mais justiça pelos vindouros; digamos somente que o Sr. Tosta foi escravo do seu dever, da sua consciência, e que era incapaz de olhar com prazer para o sangue de seus patrícios, porque tem um coração elevado e unicamente brasileiro.

Substituído a seu pedido na presidência pelo Marquês de Paraná, o Sr. Manuel Vieira Tosta veio encarregar-se da pasta dos negócios da Marinha, pasta que conservou até 1852, servindo algum tempo igualmente na da Guerra, mas não podendo tomar conta da da Justiça, para a qual fora chamado, porque o atacou então a febre amarela, dando lugar a que fosse ele próprio substituído.

Digamos que a esse ministério do Sr. Tosta se acham ligadas as glórias do Tonelero, pois foi o Sr. Tosta o ministro que preparou a nossa armada expedicionária, no que mostrou a sua perícia administrativa casada com o seu zelo pelos dinheiros públicos.

Em 1851, apresentado por mais de dois terços de votos dos eleitores da Bahia em lista sêxtupla, havia sido escolhido senador.

Em 1853 passou a ter exercício de desembargador na Relação da corte; e em 1855 foi mandado na qualidade de presidente para a província do Rio Grande do Sul.

Regressava então do Estado Oriental o exército auxiliador, e o novo presidente teve logo de providenciar para que a retirada das tropas se efetuasse sem maior incômodo, e sem os riscos a que então as consideravam expostas. Os negócios por aqueles lados não corriam bem, e foi por isso mesmo que se julgou necessária a presença de um homem como o sr. Tosta, o qual, não obstante deixar gravemente enferma uma filha querida, só ouviu o chamado do país.

Foi durante essa presidência que o cólera-morbo invadiu a província. O zeloso administrador teve mais uma ocasião, e bem terrível, de mostrar a sua dedicação à humanidade. Tudo quanto podia fazer como governo e como homem o Sr. Tosta fez para ocorrer às necessidades da ocasião. Para ele não havia noite nem dia, não havia lugar, não havia descanso dando com o seu exemplo força aos que eram fracos, e mostrando, como sempre, que acima de tudo põe a sua consciência.

Sendo exonerado a instâncias suas, regressou para a corte em 1856. No ano de 1858 foi nomeado, pelo marquês de Olinda, presidente da Associação Central de Colonização, lugar que aceitou a rogos do mesmo marquês, e por lhe parecer que nada tinha com a política. Nesse lugar, que deixou para tomar parte como Ministro da Justiça no gabinete de 21 de março de 1859, o sr. Tosta também deu as mais claras provas do quanto se interessa por tudo aquilo de que se acha encarregado.

Seria uma falta se não disséssemos que como magistrado o Sr. Manuel Vieira Tosta foi sempre um modelo, segundo confessam todos lastimando a sua aposentadoria.

Outra falta seria se não declarássemos que como legislador toma o Sr. Tosta sempre parte conscienciosa nas importantes questões, oferecendo também interessantes projetos sobre as nossas coisas civis e criminais, que ele ainda hoje estuda com ardor juvenil.

Não quis o Sr. Tosta ultimamente aceitar o lugar de consultor do Ministério da Justiça, lugar para o qual foi escolhido, e nisto mostrou mais uma vez que o não move o interesse, e sim o dever.

Foi agraciado com a comenda da Ordem de Cristo em 1841, com a dignitária do Cruzeiro, e carta de conselho em 1849, com a comenda da Rosa em 1858, e finalmente, com o título de barão com grandeza em 14 de março de 1855.

Devemos crer que o Sr. barão de Muritiba aprecia essas provas da munificência imperial, visto como as tem merecido; mas também cremos que o senhor barão não liga menor preço à estima pública que ele tanto acata, e da qual se há tornado verdadeiramente digno.