Galeria dos Brasileiros Ilustres/Pedro Ferreira de Oliveira
O estudo da História é uma das principais fontes de todo o bem de um povo.
A lição da vida de seus maiores, ilustrando-o, fá-lo compreender o seu modo e meios de ser e os trâmites por onde realizará os altos benefícios reservados às sociedades sabiamente constituídas.
É esta a mais bela e sublime missão da racionalidade.
Mas, para que não se desvaire o espírito, e se atinja tão precioso fim, cumpre que a História seja zelosa de si mesma; que, depurada ou sublimada no cadinho da verdade, seja santa como um pensamento do Céu.
Seria criminoso de traição a Deus e à posteridade o historiador que temendo comprometimentos, para evitá-los, manchasse a candidez da verdade na exposição dos fatos, ou por qualquer modo retrocedesse ante pueris ou serôdias conveniências.
Se o espírito de justiça e verdade não presidir a dedução dos fatos, por maior que seja a eloqüência com que se deslizem aos olhos do leitor, tudo poderão eles constituir, menos a História, menos uma fonte de bens e um conselheiro fiel; serão, sim, uma boceta de Pândora, sempre aberta, manando somente males.
A todo transe deve-se a verdade a Deus e à posteridade.
Mas não é nosso fim dissertar nem escrever a História nacional: desejamos apenas esboçar uma parte dela, escrever, embora toscamente, a biografia de um cidadão ilustre, sobre quem pesaram os efeitos da obediência militar e das conveniências políticas.
A História de uma nação não é, em grande parte, mais do que o conjunto das biografias de seus homens políticos.
Pedro Ferreira de Oliveira nasceu na freguesia do Pilar, província do Rio de Janeiro, aos 19 de fevereiro de 1801. Era filho legítimo do honrado comerciante Pedro Ferreira de Oliveira e de D. Ermelinda Maria do Amor Divino.
Entre os carinhos de uma mãe extremosa e os afagos de um pai solícito, recebeu a mais completa educação moral e a primária instrução.
A inteligência e o caráter nobre e elevado, que revelou desde a mais tenra puerícia, prendiam as simpatias de quantos o conheciam, e derramavam torrentes de ventura no coração paterno.
Cuidadoso do seu futuro, seu pai o enviou para a cidade do Rio de Janeiro, a fim de dedicar-se à carreira comercial. Encetou-a como caixeiro na casa de Luís Paulo aos dez anos de idade.
Sua alma nobre e impressionável, cheia de aspirações que o comércio não comporta nem pode satisfazer, revelou desde logo a repugnância que ele lhe inspirava. Mas, tão jovem como era, possuía já Pedro Ferreira de Oliveira a virtude da resignação. Submeteu-se pois à vontade paterna.
Estudioso e inclinado à meditação, empregava as horas que lhe eram concedidas para o repouso na aquisição de conhecimentos, que mais tarde lhe facilitaram o ingresso na Academia de Marinha, carreira que lhe embalava o coração e formava o seu belo ideal.
Chegava-se entretanto ao ano de 1817, em que o brandão da revolução incendiou a província de Pernambuco, e, sendo mister enviar forças da capital, sorteou-se um certo número de praças de cada batalhão miliciano dela, e com essas praças se organizou um corpo de voluntários destinado à companhia em que se ia entrar.
A sorte designou o jovem Pedro Ferreira de Oliveira, que então contava dezesseis anos de idade, como um dos milicianos do batalhão da Candelária que deviam tomar parte em tão perigosa empresa.
Marchando para o seu destino, foi ali reconhecido segundo-cadete, por seu pai capitão-de-milícias, e o merecimento que revelou procurou a vantagem de ser empregado pelo general em sua secretaria.
Voltando de Pernambuco, onde a sua verdadeira vocação robusteceu-se e desenvolveu-se por modo irresistível, não se demorou em entrar para a Academia de Marinha. Matriculou-se como paisano, porque então só podiam ser aspirantes a guardas-marinhas os filhos de coronéis e patentes superiores a esta.
Efetuou em 3 de março de 1818 a sua primeira matrícula; cursou todas as aulas, que formavam os três anos da antiga academia, seguidamente e sem perda de um só ano, obteve em todas as matérias a primeira aprovação que então se podia conceder; e, pelo seu procedimento exemplar, aplicação e inteligência, alcançou as mais distintas classificações e as mais honrosas informações de seus lentes e superiores. Tudo isso consta dos livros da academia e lhe valeu, como justa recompensa de mérito comprovado, a praça de guarda-marinha extraordinário, que lhe foi concedida em 1º de fevereiro de 1821 e em que foi reconhecido no 1º de março do mesmo ano.
Poucos dias depois desse reconhecimento, a 10 do mesmo mês de março, embarcou na corveta Voador e partiu para Lisboa em companhia da frota que conduzia ao rei D. João VI. Por este fato obteve, como os seus camaradas, o hábito da Ordem de Cristo.
Servia Pedro Ferreira naquele país com distinção, estimado e bem-visto de todos os seus camaradas, quando inopinadamente repercutiu em todo o Portugal o Grito do Ipiranga. Expediu-se logo ordem para que a corveta Voador se aprontasse e fizesse de vela para Pernambuco.
Apenas esta ordem foi conhecida a bordo, dirigiu-se Pedro Ferreira ao seu comandante e lhe declarou que não lhe era mais permitido continuar a fazer parte da guarnição da corveta; que, sendo brasileiro e aderindo com todo o entusiasmo à independência do seu país, julgava do seu rigoroso dever dar a sua demissão, para o que pedia licença a fim de ir à terra depositar nas mãos do ministro seu requerimento.
Pouco mais de vinte anos contava então. Se se atender às circunstâncias da ocasião, e especialmente a de achar-se rodeado somente de portugueses, todos irritados pelo inesperado golpe que acabavam de receber, não se deixará de reconhecer em seu procedimento muita honra, nobreza, coragem e dedicação ao seu país. Não escapou em princípio aos sarcasmos do comandante e oficiais, mas estes mesmos afinal reconheceram que o homem, que tão lealmente procedia, era digno de respeito e atenção. Foi-lhe concedida a licença.
A demora do despacho, pedido ao ministro português, agravava a triste posição do esforçado solicitante, que, achando-se em país estranho e sem recursos próprios, apenas encontrava alívio a uma parte dos seus sofrimentos na parca e mui limitada proteção que lhe prestava um tio, ali residente, que era eclesiástico e pobre. Urgindo as circunstâncias, e querendo saber sem mais delonga a sorte que o aguardava, pediu com viva instância para falar ao ministro e por fim o conseguiu.
O Conde de Linhares o recebeu em seu gabinete, e, ao entregar-lhe o decreto de demissão e um passaporte para Inglaterra, dirigiu-lhe as seguintes palavras: "Vá para o Brasil, Sr. Ferreira, e com este proceder mostre àqueles que lá ficaram e aderiram à independência do Império, o que é um militar de honra em cujo peito bate um coração patriota".
Sucedia isto em janeiro de 1823, e em abril do mesmo ano, chegado ao Brasil, apresentava-se Pedro Ferreira de Oliveira ao comandante dos guardas-marinhas. Alguns, a quem não agradava o seu procedimento, fingiam crer que pelo fato de haver pedido demissão perdera ele o direito de ser reconhecido oficial da nascente marinha imperial. Mas Pedro Ferreira recorreu ao Imperador D. Pedro I, e S. M., apreciando o seu procedimento, o despachou segundo-tenente aos 21 de maio. Em julho embarcou o jovem oficial no brigue Cacique, e daí a um ano foi promovido ao posto de primeiro-tenente por consulta e resolução do Conselho Supremo Militar.
Em 1824, ano de provações para o país, rompeu de novo a guerra civil em Pernambuco. Organizou-se para operar ali uma divisão naval, tendo o comando em chefe dela o oficial-general Davi Jevret, que sabia escolher oficiais. Seguiu nessa divisão o primeiro-tenente Pedro Ferreira de Oliveira.
Era o seu batismo de fogo.
Cumpria combinar com o General Lima, comandante do exército legal que sitiava a cidade, um plano de ataque por mar e terra. Essa comissão, extremamente delicada, espinhosa e de dificílima execução, não podia deixar de ser confiada a um oficial de inteligência, vista penetrante e sangue-frio. A honra de desempenhá-la coube a Pedro Ferreira de Oliveira. Ele a preencheu como era de esperar-se. Julgue-se dos perigos que afrontou e do valor que desenvolveu por este fato: dezesseis homens o acompanharam, e deles só voltou com vida um marinheiro!
Os serviços que prestou nessa conjuntura, o peso e o valor de suas reflexões criaram-lhe uma reputação indestrutível, e captaram a amizade e o respeito dos dois generais, como consta da correspondência íntima dos mesmos e das ordens do dia.
A execução do plano de ataque deu em resultado a tomada da cidade.
A previdência e o denodo do jovem oficial foram galardoados com o comando do brigue Independência ou Morte, e com uma das doze medalhas com que o Imperador distinguiu os mais valentes, e na qual de um lado se vê a efígie de D. Pedro I, e do outro lê-se: Aos mais bravos.
Um ano depois achava-se Pedro Ferreira de Oliveira na Bahia. Tendo ali chegado a nau Pedro I, comandada por Jevret, a fim de animar o espírito público, tomado de apreensões e receios, talvez infundados, e devendo aquele general da armada deixar o comando do seu navio por ter sido chamado à corte, por acordo entre ele e o presidente da província, foi-lhe esse comando confiado, não obstante haver oficiais mais graduados e antigos.
A nau Pedro I, como todos os navios que Pedro Ferreira comandou, foram sempre apresentados como modelos de asseio, de ordem e de disciplina. A sua fé de ofício a este respeito narra muitas ordens do dia em que o quartel-general o louvava e lhe dava agradecimentos por ordem do ministro da Marinha.
São ainda os documentos oficiais que nos revelam a série de relevantes serviços prestados por Pedro Ferreira de Oliveira no comando do brigue Pampeiro, por ocasião da campanha de 1828 entre o Império e as províncias confederadas do rio da Prata, quer em relação às vezes que o canhão brasileiro teve de troar em desafronta do pendão auriverde, quer na perseverante e solícita proteção que prestou ao comércio, ou na defesa e guarda das costas em que fora muitas vezes empregado, quando a comissão era arriscada e exigia um oficial ativo e desvelado.
O posto de capitão-tenente que então obteve, quando ainda não contava bem sete anos de serviço na armada nacional, foi uma recompensa justa e devida ao seu bem provado mérito, e ninguém mais merecidamente colocou sobre o peito a medalha de honra dessa campanha que também obteve.
Tinha então vinte e seis anos de idade, era capitão-tenente em uma época em que o elemento estrangeiro dominava exclusivamente a corporação da marinha e em que tudo indicava o firme desejo de que esse estado de coisas se perpetuasse. Era sem dúvida preciso que possuísse muito merecimento!
Cumpre ainda que a História registre um fato que lhe pertence, praticado pelo capitão-tenente Oliveira quando ainda se achava no seu brilhante comando do brigue Pampeiro.
Tendo saído a cruzar, avista um possante brigue de guerra; dá-lhe este um tiro de pólvora seca com fim de que mostrasse o Pampeiro a sua nacionalidade, sem aliás firmar primeiro sua bandeira, como era do seu dever segundo a cortesia e usos marítimos. O Pampeiro não se deu por entendido, continuou placidamente no bordo que seguia, aproxi-mando-se sempre do orgulhoso colega. Uma segunda detonação e o sibilo de uma bala férrea fizeram-se ouvir no Pampeiro, que ao mesmo tempo distinguiu no penol da mezena do seu antagonista as cores do leopardo britânico. Então, sim, estavam preenchidas as formalidades, satisfeitas todas as conveniências, e o Pampeiro não era menos cavalheiro para fazer esperar a devida saudação a tão obsequioso cumprimento. O pendão nacional foi imediatamente firmado com um tiro de bala, que, passando por entre os mastros do brigue inglês, cortou-lhe alguns ligeiros cabos. Desprendeu-se dos turcos desse brigue um escaler que, convenientemente tripulado, se encaminhou para o Pampeiro. Atravessou este logo a fim de receber a visita que lhe queria fazer a urbanidade britânica. Era porém uma satisfação que exigia o comandante inglês, o qual se julgava ofendido pela bala do canhão brasileiro, sem querer re-cordar-se de que fora ele quem dera o exemplo da saudação militar. O capitão-tenente Pedro Ferreira respondeu ao agente do comandante inglês em termos peremptórios e enérgicos: — que não tinha satisfações a dar; que, pelo contrário, era ele quem as devia receber, por ter recebido provocações bruscas de um navio de guerra que bem conhecia o Pam-peiro e sabia qual a comissão que desempenhava; que cortava toda ulterior discussão de palavras e estava resolvido a correr todas as eventualidades de seu ato. E manobrando continuou na mesma direção. O brigue inglês fez o mesmo, porém demandando a barra do Rio de Janeiro, onde à sua chegada pediu o comandante satisfação ao governo brasileiro. Voltando Pedro Ferreira da sua comissão, foi ouvido, e, dada a sua resposta, foi o seu belo procedimento elogiado pelo Ministro da Marinha, o general da Armada Diogo Jorge de Brito.
Depois do Pampeiro, passou Pedro Ferreira de Oliveira a comandar os navios de maior força da esquadra nacional, como as corvetas Defensora e Regeneração, as fragatas Piranga, Campista, Paraguaçu, Príncipe Imperial, etc.
O arsenal e intendência da província da Bahia necessitavam de um homem inteligente, probo e criador: Pedro Ferreira foi o escolhido para o respectivo encargo.
Seu caráter sisudo e austera probidade, seu trato lhano, franco e sem pretensões em breve captaram o respeito e a estima dos baianos, que disso lhe deram repetidas provas. Por eles foi eleito mais de uma vez deputado à assembléia provincial e suplente à geral, sempre eleitor, tesoureiro e presidente da caixa econômica, membro da comissão encarregada de render a homenagem do amor e adesão da província à pessoa do Imperador e de representar a mesma província no ato da coroação.
Os serviços que prestou na Bahia foram reconhecidos e premiados com a promoção ao posto de capitão-de-fragata.
Nesse lugar e com esse posto o surpreendeu a revolução que rebentou em 1837.
Chamado por nomeação do presidente a tomar o comando da fragata Constituição, capitânia da força naval em operações naquela província, e assumindo-o em conseqüência de terem adoecido vários comandantes, tão vivamente se fez sentir a sua ação nesse posto, onde sempre se encontrou nas horas de grave perigo, que, estabelecido e rigorosamente apertado o bloqueio, pode-se dizer que aos seus esforços foi devida, em máxima parte, a terminação da revolução que pouco depois se conseguiu.
Aí foram eminentes os seus serviços. Mais de uma vez cobriu-se de glória. Foi ele quem dirigiu o ataque de abordagem, dado por quatro escaleres com 60 homens a uma escuna dos rebeldes, perfeitamente tripulada e armada, que foi tomada a ferro frio.
Pouco antes de terminada a revolução, chegando ao Rio de Janeiro o capitão-de-mar-e-guerra Raposo, a quem, como mais graduado, competia o comando da força naval, entregou-lhe Pedro Ferreira de Oliveira. Eis o que a seu respeito escreveu nessa ocasião aquele bravo e honrado militar: "Tomando conta da divisão, e informado minuciosamente, com aquele zelo, inteligência e dedicação que distinguem o capitão-de-fragata Pedro Ferreira, dos resultados das operações efetuadas, e ciente das projetadas, cumpre-me declarar que achei a divisão no mais belo pé de ordem e disciplina, e entre os seus navios uma canhoneira tomada por abordagem aos rebeldes e arrancada do ancoradouro da cidade e debaixo de suas baterias pelo referido capitão-de-fra-gata".
Restituído o sossego à província e ocupando Pedro Ferreira outra vez o seu emprego de intendente, galardoado pelo governo com o oficialato da Ordem do Cruzeiro, não tardou a parte sensata da população em dar-lhe as provas do seu reconhecimento elegendo-o deputado à assembléia provincial e 1º suplente à geral.
Os que conhecem o provincialismo baiano por certo aquilatarão devidamente essas provas da afeição consagrada à pessoa de Pedro Ferreira de Oliveira.
Terminado o seu mandato à assembléia, regressou para a corte e apresentou-se ao quartel-general.
Por aviso de 3 de fevereiro de 1842 foi nomeado para examinar a barra da Guaratiba, e por outro de 22 do mesmo mês e ano comandante do corpo de imperiais marinheiros e da fragata Paraguaçu.
Este ano de 1842 foi assinalado por novas comoções intestinas, e foram teatro delas as províncias de Minas e São Paulo. Favorecendo a sorte das armas aos homens que se achavam ao leme da nau do estado, permitiu-lhes que alijassem às praias estrangeiras os vencidos, ou antes alguns personagens ligados ao partido que ousara reagir contra a pressão que se pretendia exercer.
Pedro Ferreira de Oliveira foi designado para conduzir os exilados às margens do Tejo na fragata do seu comando. Ao desempenho dos seus deveres oficiais, reuniu, sem prejuízo deles, tanta urbanidade e cavalheirismo, minorou tanto os penosos inconvenientes da posição dos seus hospedes, que a sua comissão, apesar de difícil e desagradável, conquistou-lhe a sincera e constante amizade de todos eles.
Regressando da Europa, e sendo, por decreto de 23 de julho, promovido ao posto de capitão-de-mar-e-guerra, tomou o comando da corveta Dois de Julho por ter este navio de fazer parte da esquadra destinada a conduzir de Nápoles ao Rio de Janeiro a adorada princesa que faz hoje a ventura do Império de Santa Cruz.
Por esse motivo foi condecorado pelo rei das Duas Sicílias com o hábito de cavaleiro da Ordem de S. Fernando.
A 9 de fevereiro de 1844 foi nomeado para comandar a divisão naval do Sul, e por aviso de 26 de março elogiado em ordem geral do dia pelo estado de ordem, disciplina e asseio em que os navios do seu comando foram achados pelo ministro da Marinha, indo S. Exª ali inesperadamente.
Em 10 de julho do mesmo ano foi nomeado membro da comissão encarregada do melhoramento das armas da repartição da Marinha.
Temos até aqui percorrido rapidamente as páginas brilhantes da vida deste ilustre marinheiro; temo-lo visto sempre firme no seu posto de honra nos momentos de perigo, e inabalável nos cataclismas por que tem passado o país: chegamos agora a uma das fases da sua carreira onde melhor se pode estudar e conhecer o seu caráter e as elevadas qualidades que o ornavam.
O comando em chefe da estação naval do rio da Prata era então a mais honrosa e difícil comissão militar. Foi escolhido para ele o homem que fora capitão-tenente aos 26 anos, que nesse posto e nessa idade comandara fragatas, e no posto anterior e aos 24 anos nau e corvetas; o homem que havia servido ao país com tanta honra durante vinte e três anos como oficial de marinha em trinta vasos de guerra; aquele, enfim, cujos honrosos precedentes eram atestados por comandos constantes, elogios, promoções e condecorações.
Nomeado para esse comando por decreto imperial de 17 de janeiro de 1845, partiu para o seu destino em 5 de fevereiro, e poucos dias depois arvorou a sua insígnia na capitânia da divisão.
A época era difícil para as repúblicas do Prata.
O déspota sanguinário, que escravizara a república Argentina e a continha sob seus pés na mais abjeta prostração e ignorância, pretendendo submeter ao mesmo tempo a pequena República Oriental do Uruguai, auxiliava ostensivamente com seus soldados ao caudilho que nela queria exercer a ditadura, e que mais tarde, se alcançasse, seria o fiel executor das vontades e das ordens de sangue e extermínio do Nero americano. Essa horda, composta de argentinos e orientais, capitaneada pelo General Oribe, sitiava a cidade de Montevidéu, colocando as forças militares das potências ali representadas em posição mui difícil. Para nenhuma nação era essa posição tão delicada e afanosa como para o Brasil, pelas circunstâncias gerais, pelas que nasciam dos imensos interesses de súditos brasileiros sujeitos ao arbítrio dos beligerantes e pelas dificuldades nascidas da rigorosa neutralidade adotada pelo Império e dos antigos ódios de raça.
Como se tudo isso não bastasse, veio mais tarde a intervenção anglo-francesa tornar mais espinhosa a tarefa dos agentes brasileiros.
A situação exigia do comandante da nossa força naval tanta gravidade, penetração, previdência, energia e perseverança, que parece difícil pudesse um só homem reunir tais qualidades e desenvolvê-las por largo espaço de tempo sem a menor contrariedade: porquanto o menor desvio do procedimento que lhe estava traçado na observância da política imperial, e na manutenção dos legítimos interesses brasileiros, poderia causar ao governo do país acerbos desgostos.
Durante cinco anos mostrou-se o chefe brasileiro sempre pronto para obrar em qualquer sentido enérgica e decisivamente. Sempre calmo, os seus movimentos, embora calculados, nunca deixaram de ser livres e desassombrados.
Uma só vez não foram desmentidas as suas combinações.
Apesar das contrariedades e dificuldades em que se achou em tão largo espaço de tempo, teve a fortuna de captar a respeitosa estima não só dos beligerantes, como dos agentes diplomáticos estrangeiros e do governo imperial. A alta satisfação deste lhe foi assegurada por duas promoções por merecimento e pela profusão de elogios que se lêem nos despachos dos ministérios da Marinha e de Estrangeiros. O reiterado pedido de informações políticas, a instância com que se lhe rogava que não deixasse a comissão que lhe estava confiada, as expressões sumamente lisonjeiras que caracterizavam às comunicações que lhe eram dirigidas, bastariam para entumecer de orgulho o coração de homem menos forte e menos filósofo.
Nesta parte tão importante da vida de Pedro Ferreira de Oliveira não podemos deixar de narrar com alguma minuciosidade três fatos que bem o caracterizam.
O primeiro, que mostra de quanta serenidade dispunha nas ocasiões de extremo perigo, é o seguinte.
Indo o fiel da corveta Dois de Julho ao paiol dos mantimentos buscar a ração de aguardente para a marinhagem, quase cheia a celha, caiu nela a vela da lanterna que por descuido estava aberta, e, incendi-ando-se o líquido, pensou o fiel evitar o mal derramando-o no chão. Pelo estado de perturbação em que se achava esqueceu-se de chegar o batoque à torneira da pipa, de modo que, correndo dela aguardente, ia encontrar a que estava inflamada e assim alimentava o incêndio que já se estendia por toda a parte.
O paiol da pólvora era contíguo ao da aguardente.
Pedro Ferreira, que se achava em sua câmara, ouvindo ruído fora do natural, saiu para informar-se.
O oficial do quarto, apenas o avistou, bradou-lhe: há fogo no paiol de pólvora! É impossível, respondeu o general imediatamente, e sem a mais leve alteração, porque, se assim tivesse acontecido, nem o senhor teria tempo para pronunciar essas palavras.
Mas ouçamo-lo e atenda-se bem ao modo como ele referiu o acontecimento.
"Desci ao lugar da desgraça, e então reconheci toda a extensão do perigo; cumpria subir para fazer executar as minhas ordens; mas ao pôr o pé no primeiro degrau refleti que logo que me visse a guarnição encaminhar-me para a tolda pensaria que eu fugia do perigo por julgá-lo impossível de vencer, e então conseqüentemente ela se lançaria ao mar como único meio possível de salvação. Contive-me, pois, e, chamando o oficial de quarto, dei-lhe a seguinte ordem: 'Mande tocar a postos, e a toda a pressa que se deite água por esta escotilha até alargar completamente este paiol. Não se recebe auxílio de pessoa alguma: bastamos nós para vencer a dificuldade.' E descendo, dirigi pessoalmente os trabalhos, que se concluíram em menos de meia hora, sem termos de lamentar outra qualquer desgraça."
Durante os trabalhos apareceu um escaler de um brigue francês, que estava fundeado junto à corveta, inquirindo do perigo e oferecendo os seus serviços: respondeu-se-lhe que havia fogo a bordo, mas que se lhe agradecia sua obsequiosidade.
Como não há desgraça que não tenha o seu lado bom, serviu este acontecimento para firmar a reputação de excelente disciplina de que gozava a divisão naval brasileira; porque o Almirante Lainé, informado do que ocorria assistiu de seu bordo, armado de óculo, a toda a faina, e nesse mesmo dia à tarde, achando-se em casa do cônsul de Espanha, onde igualmente estavam o ministro brasileiro, e outros cavalheiros, enunciou-se por este modo: "A corveta Dois de Julho teve hoje um incêndio a bordo, e a sua tripulação houve-se por modo tão admirável no trabalho da extinção, que mais parecia haver exercício geral a bordo do que tão grande e iminente perigo".
O segundo fato passou-se do modo que se segue.
Em razão das enfermidades que, trazidas de terra, se desenvolveram a bordo dos navios do seu comando, entendeu Pedro Ferreira conveniente estabelecer um hospital em terra, e, com o fim de pôr igualmente a coberto da arbitrariedade oriental uma propriedade brasileira, escolheu o terreno, aliás muito apropriado ao objeto principal, em que existia encravada a charqueada do súdito brasileiro Manuel Gonçalves, situado no litoral do Cerro em frente de Montevidéu.
Para proceder em regra, como era seu costume, e como se previsse acontecimentos que depois mostraram o acerto do seu procedimento, procurou, por intermédio da legação imperial, obter do governo da praça a adesão necessária, bem como que fosse considerado neutro aquele território enquanto o ocupasse o hospital brasileiro. Igual acordo obteve do outro beligerante, o General Oribe. Assim ambos os beligerantes sancionaram a ocupação.
Estabelecendo o hospital, ia todos os dias um escaler levar o necessário para os doentes e empregados. De tudo isso estavam informados os almirantes das esquadras interventoras, a francesa e a inglesa.
Foi entretanto substituído o almirante inglês pelo Sr. A. Ingli-field. Por exigência da legação imperial, foi necessário mandar-se alguém ao acampamento de Oribe, e, sendo o almirante inglês o bloqueador, a ele se dirigiu Pedro Ferreira, requisitando a competente autorização para despachar um escaler para Ponta d'Éguas. Respondeu-lhe o almirante que só depois de falar ao francês e aos agentes diplomáticos das duas nações, a fim de que eles resolvessem, poderia dar uma resposta definitiva.
Entramos nestes pormenores para fazer conhecer a razão por que Inglifield caiu no equívoco de supor que Pedro Ferreira, sem aguardar a resposta prometida, tentara violar o bloqueio, despachando um escaler ao litoral do Cerro, onde se achava o hospital.
No dia seguinte, como era costume, dirigiu-se o escaler ao hospital, que também servia de depósito de sobressalentes, e voltando com um mastaréu a reboque, foi detido em caminho por um escaler inglês que pretendia conduzi-lo à sua capitânia.
Sendo Pedro Ferreira informado de que um escaler inglês se dirigira ao brasileiro, despachou um outro para saber de que se tratava e para conduzir o nosso a seu bordo.
O almirante inglês, vendo partir esse segundo escaler, despachou três com gente armada e logo depois uma grande lancha tendo à proa uma peça.
Pedro Ferreira fez imediatamente largar mais três escalares bem armados e comandados por um oficial bravo, com a seguinte ordem: trazer a todo o transe o escaler brasileiro ou irem para bordo de In-glifield somente cadáveres. Fez ao mesmo tempo sinal aos outros navios da divisão ordenando-lhes que aprontassem seus escaleres.
Neste estado de excitação ouviu-se um tiro partido da capitânia inglesa, e viu-se no penol o sinal chamando os escaleres a bordo.
O almirante tinha refletido, e, como cavalheiro valente e humano, pesado bem as conseqüências do seu ato; e tendo consciência da sua superioridade em força material, retrocedeu, porque o podia fazer sem desonra. Apreciou devidamente a valentia do chefe brasileiro e fez a devida justiça ao seu honroso procedimento.
Assim terminou de modo satisfatório um incidente que se apresentara com caráter tão grave e cujas conseqüências podiam ter sido mui funestas. Retiraram-se os escaleres de ambas as partes e seguiram-se as explicações entre os dois chefes, reconhecendo o inglês o seu equívoco pelo que não duvidou dar as mais completas explicações.
Indo Pedro Ferreira para terra, foi recebido por uma multidão de pessoas que o esperavam para cumprimentá-lo, e entre elas se achou o ministro brasileiro Silva Pontes.
Desde esse momento estreitaram-se de modo notável as relações entre o chefe brasileiro e o almirante inglês.
O governo imperial não se demorou em aprovar a briosa conduta do comandante da nossa estação naval, e não foi parco nos louvores que lhe dirigiu, como consta da correspondência oficial.
O terceiro fato foi mais complicado e revelou em todo o seu brilho os sentimentos patrióticos e os brios militares de Pedro Ferreira de Oliveira.
O almirante francês Le Predour, chegando a Montevidéu para comandar a força naval da sua nação, acompanhado de alguns navios com tropa na qual se manifestara uma epidemia, pediu ao governo que lhe designasse local para estabelecer um hospital, e o governo, animado talvez pelo desejo de humilhar aos brasileiros, desprezando as razões a favor deles apresentadas pelos médicos da junta de higiene, designou a charqueada do súdito brasileiro Manuel Gonçalves. Era para isso necessário que se retirasse o hospital brasileiro onde diariamente se arvorava o nosso pavilhão, e que havia sido estabelecido em terreno neutralizado e por acordo entre a legação imperial e os dois beligerantes.
De conformidade com a sua resolução, dirigiu o governo de Montevidéu uma nota à legação imperial pedindo que fosse desalojado o hospital brasileiro a fim de se estabelecer no mesmo local o da esquadra francesa, cujo governo era seu aliado.
O conselheiro Silva Pontes, informando a Pedro Ferreira dessa exigência, declarou-lhe que era sua opinião que cedesse para evitar complicações.
O chefe brasileiro respondeu, repelindo semelhante resolução e declarando categoricamente que o hospital só sairia a tiro de canhão e depois de ter ele perdido o seu último marinheiro ou de ter queimado a última escorva.
Silva Pontes insistiu, declarando que assumia perante o governo imperial a responsabilidade do ato, mas o chefe retorquiu dizendo firmemente que não subscreveria a ato tão humilhante enquanto tivesse vida, e cortou toda ulterior correspondência com o ministro a esse respeito.
Firme no seu propósito, passou a dar todas as providências para não ser surpreendido, mandando colocar, no dia marcado pelo governo oriental para o desalojamento, nas proximidades do hospital, a
corveta União, o brigue Capiberibe e os mais navios que puderam mudar de ancoradouro e colocar-se em posição vantajosa, e ordenou que todos estivessem prontos para o combate, ao primeiro sinal, quer viesse de terra, quer do mar, de bordo dos navios franceses.
Vendo o governo da praça e o almirante francês a atitude assumida pelo chefe brasileiro, e fazendo a legação conhecer que estava em desacordo com ele, começaram as explicações.
O almirante declarou que não tinha exigido aquele local e não o queria desde que se achava ocupado por outro; e o governo da praça dirigiu imediatamente uma nota à legação imperial dizendo que não insistia no seu propósito, que não fora sua intenção ofender o chefe brasileiro nem obter à força o desalojamento, e que, apenas indicara o lugar na hipótese de querer o mesmo chefe cedê-lo.
O governo imperial, informado do ocorrido por ambos os seus empregados, aprovou, como era de justiça, o procedimento do chefe da estação naval.
Este incidente não alterou as relações que ligavam esses dois empregados; fortificou-se, pelo contrário, a sua amizade, e cresceu o apreço em que o conselheiro Silva Pontes tinha a Pedro Ferreira. Prova-o um ofício que o mesmo conselheiro lhe dirigiu quando, pedindo ele uma licença para vir à corte, deixou o seu comando.
Eis o que se lê nesse ofício:
"Depois de agradecer a V. Sª tanto a participação [da retirada] como o conhecimento que me dá das indicadas instruções [são as que o general deixava ao oficial que o ficava substituindo] nas quais não é possível deixar de encontrar aquele espírito de patriotismo, aquela justa imparcialidade, aqueles sentimentos de humanidade e aquele tino e discernimento que tão preciosa tornam a cooperação de V. Sª nada me resta mais do que fazer votos ao Céu pelo pronto regresso de V. Sª, principalmente se o governo imperial apesar de minhas súplicas continua a conservar-me em uma posição, que se tornará muito mais difícil para mim, dado o caso de que eu tenha de perder absolutamente a valiosa coadjuvação de V. Sª Tal é o meu pensamento como empregado público, sinceramente interessado no melhor serviço do nosso augusto soberano. Como homem particular V. Sª conhece a consideração, estima e amizade que lhe consagro. Deus guarde a V. Sª. Legação do Brasil em Montevidéu, 4 de dezembro de 1849. — Ilmº Sr. Pedro Ferreira de Oliveira etc. — [assinado] o encarregado de negócios, Rodrigo de Sousa da Silva Pontes."
Chegou Pedro Ferreira ao Rio de Janeiro a 18 de dezembro, mas apenas pôde gozar de menos de um mês de licença. Foi constrangido a regressar para Montevidéu por serem ali precisos os seus serviços. Partiu a 15 de janeiro de 1850.
Colocado outra vez no posto, entregou-se como antes ao serviço do seu país, prestando eficaz proteção ao comércio, que à sua retirada para a presidência da província do Rio Grande do Sul lhe endereçou a mais lisonjeira e cordial manifestação dos seus sentimentos de gratidão.
A época em que Pedro Ferreira de Oliveira foi nomeado para presidir a província do Rio Grande do Sul era difícil e cheia de perigos; mas ele se houve com tanto tino e prudência, que conseguiu acalmar as paixões políticas, conciliar os homens, dispor e preparar o espírito público para a guerra gloriosa, que depois foi empreendida pelo Brasil contra o sanguinário déspota da Confederação Argentina, reunindo o pessoal e material de guerra espalhado por toda a província, promovendo a prosperidade dela e distribuindo a justiça, de modo que saiu estimado e abençoado por todos.
Precipitando-se os acontecimentos políticos, e convindo que o general, comandante-em-chefe do exército de operações fosse ao mesmo tempo presidente da província, foi exonerado da presidência e substituído pelo mais digno sucessor que se lhe podia dar, pelo mais hábil general do Império, por um dos mais distintos servidores da nação, o Marquês de Caxias.
Durante a sua residência no Rio Grande, foi nomeado comendador da Ordem de Aviz, e logo que chegou à corte recebeu a nomeação de capitão do porto do Rio de Janeiro, lugar que, para lhe ser dado, de propósito se criou então, separando-o da inspeção do arsenal.
Em janeiro de 1852 foi honrado pelo Ministério da Fazenda com a nomeação de membro de uma comissão especial para o alinhamento e construção do cais da alfândega do Rio de Janeiro, e pelo Ministério da Marinha foi nomeado membro da comissão científica encarregada do exame das derrotas dos navios da Armada, e incumbido especialmente de recolher as observações indicadas nas cartas de Mr. Maury, diretor do observatório de Washington.
Chegamos a uma época da vida de Pedro Ferreira de Oliveira, em que a justiça, devida mais aos mortos do que aos vivos, porque estes podem defender-se e aqueles legam a sua defesa à posteridade, exigia que entrássemos em uma completa exposição de fatos e razões a fim de remover até a última sombra das censuras que tanto amarguraram os últimos anos da existência do ilustre finado. Mas o homem, que foi em vida um exemplo de patriotismo e abnegação, não será depois de morto obstáculo à conclusão daqueles mesmos negócios, para cujo favorável arranjo empenhou a sua experiência, a sua inteligência e a sua subordinação como militar.
Ainda não está resolvida a mais importante das questões, que originaram a expedição mandada em 1855 ao Paraguai e a comissão diplomática que, com o comando em chefe dessa expedição, foi pelo governo imperial confiada a Pedro Ferreira de Oliveira.
Quando a História, desembaraçada das conveniências políticas e das considerações que a elas se prendem, puder emitir juízo imparcial sobre todas as circunstâncias daquela dupla comissão, confiamos que a biografia do ilustre chefe-de-esquadra oferecerá o raro exemplo de uma longa existência, igual constante sucessão de serviços, na importância deles, e no desempenho de espinhosos deveres espontaneamente assumidos ou impostos pela posição oficial e pela subordinação militar.
Três foram os objetos da missão de que se trata.
1º Reclamar uma satisfação pela ofensa feita ao Império na pessoa do seu encarregado de negócios, o Sr. Filipe José Pereira Leal.
2º Reclamar que o simples trânsito pelos rios Paraguai e Paraná, na parte em que suas águas pertencem à República, fosse franqueado aos navios e súditos brasileiros, como se acha estipulado no art. 3º do tratado de 25 de dezembro de 1850.
3º Celebrar, se o governo da República a isso se prestasse, os ajustes concernentes aos limites e à navegação e comércio entre os dois países em conformidade do art. 15 do mesmo tratado.
A primeira questão foi resolvida de uma maneira honrosa para o Brasil.
Quanto às outras celebrou o plenipotenciário brasileiro duas convenções que o governo imperial julgou não dever ratificar.
Em conseqüência disso foi Pedro Ferreira de Oliveira exonerado do comando da divisão naval.
Eis o que a esse respeito se lê na sua fé de ofício:
"Por aviso de 4 de junho de 1855 foi exonerado do comando da divisão naval do rio da Prata, e mandado recolher imediatamente a esta corte para dar conta do seu procedimento como plenipotenciário no ajuste das questões pendentes entre o Império e a República do Paraguai."
Essa ordem foi logo executada. Pedro Ferreira de Oliveira recolheu-se ao Rio de Janeiro; mas, apesar de achar-se pronto para dar contas do seu procedimento como vivamente desejava, não teve a satisfação de ver realizada essa segunda parte da resolução do governo.
Dois anos depois de concluída a sua missão, por decreto de 11 de abril de 1857 foi nomeado vogal do Conselho Supremo Militar; em 18 de dezembro do ano seguinte conselheiro de guerra; e em 16 de abril de 1859 diretor da Escola de Marinha.
Foram os últimos cargos que desempenhou.
Faleceu em 11 de março de 1860.
Ainda algumas palavras, e teremos concluído a nossa missão.
Pedro Ferreira de Oliveira, de estatura menos que ordinária, de formas delicadas, bem conformado e proporcionado, de fronte ampla e levemente inclinada para trás, feições simpáticas, olhar sereno e investigador, boca pequena, tinha um defeito físico que não lhe permitia enunciar-se com facilidade, pelo que adquirira o hábito de falar com muita lentidão. Sem possuir ampla e variada instrução literária, possuía a necessária para bem desempenhar, como mais de uma vez mostrou, todas as posições da vida pública, e toda quanta ciência era de mister à sua profissão, na qual era realmente ilustrado; dotado de muita inteligência e feliz penetração, era fácil em atingir as relações das idéias; de caráter ameno e leal, nunca fez mal a alguém intencionalmente; e se no desempenho de suas obrigações contrariou alguma pretensão, ou fez aplicação severa da lei, foi isso o resultado de ponderosas exigências do dever. Não menos virtuoso nas relações da família, do que como cidadão, foi
esposo e pai extremoso. De uma probidade e inteireza a toda prova, legou à sua família um nome sem mancha, mas nenhuma fortuna, nem um óbolo para o seu saimento. O governo imperial o reconheceu concedendo uma pensão à sua viúva e a uma filha menor.