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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/III/V

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No ano de mil quinhentos cinqüenta e seis mandou el-rei negociar cinco naus para mandar à Índia, de que deu a capitania-mor a d. Luiz Fernandes de Vasconcellos, o qual escolheu a nau Santa Maria da Barca para ir nela; estando todas prestes, e carregadas para dar à vela abriu a nau Capitânia uma água tão grossa, que se ia ao fundo, e acudindo oficiais para lhe darem remédio, não lho puderam dar, por não saberem por onde entrava a água, vendo el-rei, que se ia gastando o tempo, mandou fazer as outras naus à vela, e que aquela se descarregasse, o que se fez já; na nau Capitânia se despejou toda com muita pressa, e se resolveu, e buscou de popa a proa sem lhe poderem dar com a água, e andava um grande burburinho entre os pescadores de Alfama, dizendo que Deus prometia aquilo, porque aquele ano lhes tirara o arcebispo as antigas cerimônias com que festejavam o dia do bem-aventurado São Frei Pedro Gonçalves levando-o às hortas de Enxobregas com muitas folias, cargas de fogaças, e outras mostras de alegria, e de lá o traziam enramado de coentros frescos, e eles todos com capelas ao redor dele cantando, e bailando; chegou esta queixa ao arcebispo, e como era mui amigo deste fidalgo, que andava tristíssimo, por não poder aquele ano fazer viagem; movido também da grande fé, e devoção, que os pescadores, e mareantes tinham ao santo, lhes tornou a conceder licença para que o festejassem como dantes, entretanto não se deixou de buscar a água da nau, e trabalhar com as bombas, e outros vasos em esgotar, ou diminuir a muita que entrava, até que um marinheiro foi dar com o furo de um prego na quilha, que por descuido ficou por pregar, e por calafetar, e só se tapou com o breu, que depois se tirou, e por ali fazia aquela água, a qual se tomou logo com grande alvoroço, e tornou a nau a carregar, porque disseram os oficiais que ainda tinham tempo, e assim deu a vela a dois de maio, e foi seguindo sua derrota, mas na costa de Guiné achou tanta calmaria, que a deteve setenta dias, e tomando parecer sobre o que fariam assentaram que fossem invernar ao Brasil, porque era muito tarde, e logo se fizeram na volta da baía de Todos os Santos, onde chegaram a quatorze de agosto.

O governador d. Duarte da Costa foi logo desembarcar o capitão-mor, e os fidalgos que vinham na nau, que eram Luiz de Mello da Silva, d. Pedro de Almeida, despachado na capitania de Baçaim, d. Filipe de Menezes, d. Paulo de Lima, Nuno de Mendonça, e Henrique de Mendonça seu irmão; Jerônimo Corrêa Barreto, Henrique Moniz Barreto, e outros fidalgos, que agasalhou, banqueteou, e deu pousadas à sua vontade, e o mesmo fez a toda a mais gente da nau, a que deu mantimento todo o tempo que ali esteve.

Seguiu-se o ano de mil quinhentos cinqüenta e sete mui sinalado assim pela morte do imperador Carlos Quinto, que nele morreu na idade de cinqüenta e oito anos e sete meses, renunciando ainda em vida em seu filho Felipe os seus reinos, e em seu irmão Fernando o império, e recolhendo-se em um mosteiro, onde acabou felicissimamente a vida; como pela morte de el-rei d. João, que faleceu em 11 de junho de idade de cinqüenta e cinco, tendo reinado trinta e cinco, e neste ano acabou o seu governo d. Duarte da Costa, e lhe veio sucessor.

Teve d. Duarte da Costa, além de ser grande servidor del-rei, uma virtude singular, que por ser muito importante aos que governam não é bem que se cale, e é que sofria com paciência as murmurações que de si ouvia, tratando mais de emendar-se, que de vingar-se dos murmuradores, como lhe aconteceu uma noite, que andando rondando a cidade ouviu que em casa de um cidadão se estava murmurando dele altissimamente, e depois que ouviu muito lhes disse de fora: Senhores, falem baixo, que os ouve o governador. Conheceram-no eles na fala, e ficaram mui medrosos que os castigaria, mas nunca mais lhes falou nisso, nem lhes mostrou ruim vontade ou semblante.