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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/III/XIV

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Posto que o governador geral Mem de Sá, antes que se viesse para a Bahia, deixou limpa a do Rio de Janeiro dos inimigos Tamoios, eles se acolheram ao Cabo Frio, que dista do Rio 18 léguas, e ali se fizeram, fortes, e saíam a dar alguns assaltos aos de S. Vicente ajudados dos franceses, a conta deles mesmos também os ajudarem a cortar pau-brasil para carregarem suas naus, que há muito naquele cabo; e a tanto chegou o seu atrevimento, que juntando a oito naus francesas as canoas que puderam, se embarcaram uns e outros, e entraram pelo Rio de Janeiro, e passando à vista da cidade de S. Sebastião, foram surgir em um porto de uma aldeia, que distava da cidade uma légua, a qual era dos índios confederados, e amigos dos portugueses, onde estava por principal um de grande ânimo, e esforço, que nas guerras passadas havia feito grandes façanhas em defensa do nome cristão, e dos portugueses: seu nome brasileiro foi Araribóia, e no batismo se chamou Martim Afonso de Souza, como seu padrinho o senhor de S. Vicente, que o padrinhou quando viu a sua capitania no ano de mil quinhentos e trinta.

A este vinham os Tamoios ajudados dos franceses saltear e prender, para fazerem em sua terra um solene banquete de suas carnes, segundo eles o mandaram por um mensageiro dizer ao capitão-mor Salvador Corrêa de Sá, o qual temeroso que tomada a aldeia tornassem sobre a cidade, a fortificou muito à pressa, e mandou aos moradores, e soldados que estivessem em armas, e não menos solícito da saúde do índio amigo lhe mandou logo socorro de gente portuguesa / ainda que pouca/ animosa, e governada por Duarte Martins Mourão, seu capitão.

Avisado o valoroso índio Martim Afonso de Souza, cercou logo a sua aldeia de trincheiras, e detendo só nela os que podiam pelejar, mandou sair toda a gente inútil, e escondê-la em parte segura, e ele com grande ânimo esperou os inimigos, os quais desembarcados em terra, e a seu prometer seguros da vitória, nenhuma coisa fizeram aquele dia, dilatando a batalha para o outro seguinte.

Donde os nossos, que vieram de socorro, ajudados da obscuridade da noite puderam pôr em bom lugar um falconete, que em uma grande canoa haviam trazido para arredarem com ele os inimigos.

Esforçado mais o valoroso índio com este socorro, e animando os seus, mandou romper as trincheiras, e apelidando o nome de Jesus e de São Sebastião, acometer o inimigo, antes que se concertasse em esquadrões; os índios alentados com a voz do seu capitão, e animados com o exemplo dos portugueses, cerraram com os inimigos desconcertados, os quais ainda, por serem mais em número, lhes resistiram fortemente, enfim viraram as costas, não podendo sofrer a força dos portugueses, e índios confederados.

Os nossos os seguiram, e com pouco dano seu, fizeram grande matança, porque as naus francesas, acostando-se demasiadamente à terra, com a vazante da maré haviam ficado em seco, e o falconete, chovendo sobre elas uma tempestade de pedras, matava, e feria muitos marinheiros, que nelas estavam, e soldados que se embarcavam, até que tornando a crescer a maré se fizeram ao mar, perdidos muitos franceses, e elas maltratadas; os bárbaros destroçados com dificuldade saltaram nas canoas, e perdidos os brios, e desfeitas as forças, em companhia das naus francesas tornaram para o Cabo Frio, e os que carregados de armas saíram de sua terra ameaçando que haviam despedaçar com seus dentes a Martim Afonso, deixaram no campo espalhados muitos dos seus, para que com seus bicos os despedaçassem as aves.

Os franceses, reparadas suas naus, e carregadas de pau-brasil, se tornaram nelas à sua pátria.