História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/III/XVI
No ano do Senhor de mil quinhentos e setenta vinha por governador do Brasil d. Luiz Fernandes de Vasconcelos, o qual, partido em uma boa frota, ao segundo dia que saiu da barra de Lisboa começou a correr tormenta, que fez apartar umas naus das outras, donde uma foi encontrar com corsários poderosos, que a tomaram, e mataram quarenta padres da Companhia de Jesus, que nela vinham com o padre Inácio de Azevedo, que já havia sido no Brasil seu primeiro visitador, e a toda a mais gente que a nau trazia e d. Luiz arribou destroçado da tempestade à ilha da Madeira, onde refazendo-se, sobre ter navegado de uma parte para a outra mais de duas mil léguas, com imenso trabalho chegou à vista do Brasil, que demandava, e sem a poder tomar, por mais que por isso trabalhou, lhe foi forçado arribar dali a ilha Espanhola, que é das Índias de Castela, e invernar nela, e arribar dali outra vez a Portugal com a nau desbaratada da falta de tudo, e aportando assim na ilha Terceira, no porto da ilha lhe deram a nova da morte de seu filho d. Fernando, que desastradamente morreu na Índia a mãos de mouros.
Passado a outra nau, esperando tempo para tornar a cometer a viagem do Brasil, partiu quando o teve, sem alguma companhia de outras naus, e encontrou na mesma semana três naus de corsários luteranos, a cujas mãos, não sendo poderoso de defender-se nem se querendo render, sobre ter mui esforçadamente pelejado, foi morto na batalha.
Era d. Luiz Fernandes de Vasconcelos / além de outras boas qualidades, pelas quais parecia digno de melhor ventura / curiosíssimo da arte marítima, e tão douto, e diligente nela, que podia competir com os mais cientes, e experimentados pilotos; mas com isto infelicíssimo em todas suas viagens, e navegações.
A primeira vez que houve de sair ao mar, sendo despachado por capitão-mor da Armada da Índia, estando já as naus carregadas, e a ponto de partirem, abriu a sua capitania uma tão grossa água, que não pôde partir com as outras, mas partiu depois só, e veio invernar a esta Bahia, como dissemos no capítulo quinto deste livro, e pior foi a jornada da Índia para o reino, em que se perdeu com miserabilíssimo naufrágio, de que salvou somente a pessoa, com 30 e tantos companheiros, no batel da nau, deixando nela mais de 300, que se afogaram, com tanta mágoa de seu coração por lhes não poder valer, que cobriu os olhos com uma toalha por não ver tão triste espetáculo, e saindo assim da nau permitiu Nosso Senhor que visse ela em poucos dias da ilha de S. Lourenço, povoada de cruel, e bárbaro gentio, com que as vidas não ficavam menos arriscadas, não tendo dali, senão muito longe, outra terra, nem navio, nem mantimento; mas ordenou a Divina Misericórdia que topasse ali acaso uma nau resgatando, na qual tornaram a Índia, onde d. Luiz se embarcou em outra para Portugal, e sobre ter peregrinado três anos, e mais, chegou ao reino, sem ter de tão longa jornada, em que metera tanto cabedal, mais que dívidas, e trabalhos, e perigos, que nela passou, e não se cansando nem se mudando por tempo sua fortuna, sendo depois mandado por governador do Brasil lhe aconteceram os infortúnios, que atrás dissemos, e por fim deles a morte, que põe fim a tudo.