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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/III/XX

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Não ficaram pouco pesarosos os moradores da Bahia, que acompanharam o governador ao rio Real, por não acharem o gentio, que buscavam, para o cativarem, e se servirem dele como aqueles a quem havia levado mais esta cobiça que o zelo da nova povoação, que el-rei pretendia se fizesse; mas ainda se ajudaram do sucesso para seu intento, dizendo ao governador que pois as guerras afugentavam os gentios, como se vira nesta, e nas que seu antecessor lhes havia feitas, com que os fez afastar do mar mais de sessenta léguas, seria melhor trazê-los por paz, e per persuasão de mamalucos, que por eles saberem a língua, e pelo parentesco, que com eles tinham / porque mamalucos chamamos mestiços, que são filhos de brancos, e de índias/, os trariam mais facilmente que por armas.

Por estas razões, ou por comprazer aos suplicantes, deu o governador as licenças, que lhe pediram, para mandarem ao sertão descer índios por meio dos mamalucos, os quais não iam tão confiados na eloqüência, que não levassem muitos soldados brancos, e índios confederados, e amigos, com suas flechas, e armas, com as quais, quando não queriam por paz, e por vontade, os traziam por guerra, e por força: mas ordinariamente bastava a língua do parente mamaluco, que lhes representava a fartura do peixe, e mariscos do mar, de que lá careciam, a liberdade de que haviam de gozar, a qual não teriam se os trouxessem por guerra.

Com estes enganos, e com algumas dádivas de roupas, e ferramentas, que davam aos principais, e resgates, que lhes davam pelos que tinham presos em cordas para os comerem, abalavam aldeias inteiras, e em chegando à vista do mar, apartavam os filhos dos pais, os irmãos dos irmãos, e ainda às vezes a mulher do marido, levando uns o capitão mamaluco, outros os soldados, outros os armadores, outros os que impetraram a licença, outros quem lha concedeu, e todos se serviam deles em suas fazendas, e alguns os vendiam, porém com declaração que eram índios de consciência, e que lhes não vendiam senão o serviço, e quem os comprava, pela primeira culpa, ou fugida, que faziam, os ferrava na face, dizendo que lhe custaram seu dinheiro, e eram seus cativos; quebravam os pregadores os púlpitos sobre isto, mas era como se pregassem em deserto.

Entre estas entradas no sertão fez uma Antônio Dias Adorno, ao qual encomendou o governador que trabalhasse por descobrir algumas minas, o qual entrou pelo rio das Contas, que é da capitania dos Ilhéus, e seguindo a sua corrente, que vem de mui longe, rodeou grande parte do sertão, onde achou esmeraldas, e outras pedras preciosas, de que trouxe as amostras, e o governador as mandou ao reino, onde examinadas pelos lapidários, as acharam muito boas; mas nem por isso se mandou mais a elas, sinal que haviam lá ido mais a buscar peças que pedras, e assim trouxeram 7000 almas dos gentios Tupiguaens, sem trazerem algum mantimento, que comessem, em 200 léguas, que caminharam muito devagar, por virem muitas mulheres, e crianças, e muitos velhos, e velhas, sustentando-se só de frutas agrestes, caça, e mel, mas isto em tanta abundância que nunca se sentiu fome, antes chegaram todos gordos, e valentes: donde se colige quão fértil é aquele sertão, e pelo conseguinte com quanta facilidade se pudera tornar em busca das pedras preciosas já descobertas, e descobrir outras.

Também mandou o mesmo governador um Sebastião Álvares ao rio de S. Francisco com oficiais, e tudo o mais necessário para fazer uma embarcação em que por ele navegassem em descobrir algumas minas, e para isso escreveu a um grande principal do sertão chamado Porquinho, que o ajudasse com gente, e tudo o mais que pudesse; ele mandou um vestido de escarlata, e uma vara de meirinho para trazer na mão.

Levou este recado um Diogo de Castro, que já havia estado em sua casa, e sabia bem falar-lhe a língua, e outro grande língua, que havia sido irmão da companhia, chamado Jorge Velho.

Estimou muito o Porquinho ver o caso que dele fazia o governador, e nunca jamais faltou em quanto os brancos o ocuparam; e assim pôs com sua ajuda o capitão a embarcação em boa altura, e a fez em paragem donde o rio era todo navegável, porque dali para baixo lhe ficava já a cachoeira, e o sumidouro, quando lhe chegou uma carta do governador Lourenço da Veiga, que sucedeu a Luiz de Brito, em que mandava que logo lhe viesse dar conta da fazenda de el-rei, que levara, obedeceu o homem, e posto que depois tornou não achou já os seus, que se haviam metido com outros de Pernambuco a descer gentio, como ele também fez, e todos lá acabaram.

Não só da Bahia, mas também dos Ilhéus, e de Pernambuco, se fizeram neste tempo outras entradas.

Dos Ilhéus foi Luiz Álvares Espinha com pretexto de fazer guerra a certas aldeias daí a 30 léguas, por haverem nelas mortos alguns brancos, porém hão se contentou com lha fazer, e cativar todas aqueles aldeãos, senão que passou adiante, e desceu infinito gentio.

De Pernambuco foram Francisco de Caldas, que serviu de provedor da fazenda, e Gaspar Dias de Taíde com muitos soldados ao rio de S. Francisco, e ajudando-se do Braço de Peixe, que era um grande principal dos Tabajaras, e da sua gente, que era muito esforçada, e guerreira, entraram muitas léguas pelo sertão, matando os que resistiam, e cativando os mais.

Tornando-se depois para o mar com sete mil cativos, determinaram pagar ao Braço com o levarem também amarrado, e a todos os seus: porém ele os entendeu, e não deixando de os servir com mantimentos das suas roças, e caça do mato, para aqueles, deu 200 caçadores para assegurar mais a sua caça, e depois que os teve seguros, que nem se vigiavam, nem lhes parecia haver para que, mandou chamar outro principal seu parente, chamado Assento de Pássaro, que viesse com os flecheiros da sua aldeia, e avisou os seus caçadores, que estavam entre os brancos, estivessem alerta na madrugada seguinte, para que, quando ouvissem o seu urro costumado, darem juntamente nos nossos, e lhes não escapar algum com vida; e assim foi que, achando-os dormindo mui descuidados, subitamente os acometeram com tanto ímpeto, que não lhes deram lugar, a tomar armas, nem a fugir, e os mataram todos; e soltos os outros gentios cativos, depois que ajudaram a festejar a sua liberdade, comendo a carne de seus senhores, os deixaram tornar para suas terras, ou para onde quiseram; só escapou dos nossos um mamaluco, que uma moça, irmã do principal Assento de Pássaro, escondeu.

Este levou a nova aos brancos, que estavam no porto esperando, e depois neles a Olinda, onde foi muito sentida de todos, pranteando as viúvas seus maridos, e os filhos seus pais, que ali morreram. Nem parou aqui o mal, senão que os homicidas, temendo-se que os brancos fossem tomar vingança destas mortes, sendo Tabajaras, e contrários dos Potiguares, se foram meter com eles na Paraíba, e se fizeram seus amigos para os ajudarem nas guerras, que nos faziam, como adiante veremos.

NB. Este capítulo foi copiado das adições e emendas a esta História do Brasil; cujos adiamentos existem no Real Arquivo da Torre do Tombo.