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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/III/XXI

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Por morte do bispo d. Pedro Leitão veio o bispo d. Antônio Barreiros, que havia sido d. prior de Aviz, a governar este bispado do Brasil; era homem benigno, esmoler, e dotado de muitas virtudes; mas não era chegado de muitos dias, quando se ofereceu uma ocasião de diferenças, e desgostos entre ele e o governador Luiz de Brito; a ocasião foi esta:

Havia nesta terra um homem, aliás honrado, e rico, chamado Sebastião da Ponte, mas cruel em alguns castigos, que dava a seus servos, fossem brancos ou negros; entre outros chegou a ferrar um homem branco em uma espádua como ferro das vacas depois de bem açoutado; sentido o homem disto se embarcou, e foi para Lisboa, onde esperando uma manhã a el-rei, quando ia para a capela, deixou cair a capa, que só levava sobre os ombros, e lhe mostrou o ferrete, pedindo-lhe justiça com muitas lágrimas.

Informado el-rei do caso, escreveu ao governador que mandasse preso, e a bom recado ao reino o dito Sebastião da Ponte.

Teve ele notícia disto, e acolheu-se a uma ermida de Nossa Senhora da Escada, que está junto a Pirajá, onde o réu então morava: demais disto chamou-se às ordens, dizendo que tinha as menores, e andava com hábito, e tonsura, porque não era casado, pelas quais razões deprecou o bispo ao governador não o prendesse, mas não lhe valeu, começou logo a proceder a censuras, e finalmente chegou o negócio a tanto, que houveram de vir às armas, correndo com elas o povo néscio, e inconstante, já ao bispo com o temor das censuras, já ao governador com o temor da pena capital, que ao som da caixa se publicava, e o que mais era, que ainda depois de todos acostados ao governador, seus próprios filhos, que estudavam para se ordenarem, com pedras nas mãos contra seus pais se acostavam ao bispo, e a seus clérigos, e familiares.

Porém enfim/ Jussio Regis urgebat/, e se mandou o preso ao reino, como el-rei o mandava, onde foi metido na prisão do Limoeiro, e nela acabou como suas culpas mereciam.

Também neste tempo deu a nau Santa Clara, indo para a Índia, à costa no rio Arambepe à meia-noite, dando por cima de uma lájea, um tiro de falcão do recife, e se perderam mais de trezentos homens, que nela iam com o capitão Luiz de Andrade.

Dista o rio donde a nau se perdeu cinco ou seis léguas desta cidade, e assim acudiu logo lá muita gente, e se tirou do fundo do mar muito dinheiro de mergulho, de que se pagaram per si os búzios, e nadadores, e muitos que nada nadaram. A isto acudiu o bispo com a excomunhão da Bula da Ceia contra os que tomam os bens dos naufrágios; não sei se aproveitou alguma coisa, só sei, que ouvi dizer a um, dali a muitos anos, que aquele fora o tempo dourado para esta Bahia pelo muito dinheiro que então nela corria, e muitos índios, que desceram do sertão, e bem dizia dourado, e não de ouro, porque para este outras coisas se requeriam.