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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/III/XXVI

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Depois que el-rei d. Henrique reinou, por morte de el-rei d. Sebastião seu sobrinho, como era já de tanta idade quando entrou no reinado, que passava de sessenta e seis anos, logo se começou a altercar sobre quem lhe havia de suceder no reino, porque os pretensores eram el-rei católico Filipe Segundo de Castela, a duquesa de Bragança, o príncipe de Parma, o duque de Sabóia, e o senhor d. Antônio, e todos enviaram seus procuradores à Corte, para que, informado el-rei da justiça de cada um, declarasse por sucessor o que lhe parecesse nela mais justificado.

Todos alegavam que eram seus sobrinhos, filhos de seus irmãos ou irmãs, e estavam em igual grau de parentesco, porque el-rei católico era filho de sua irmã a imperatriz d. Isabel, e do imperador Carlos Quinto. A duquesa de Bragança era filha do infante d. Duarte, seu irmão, e de d. Isabel, filha do duque de Bragança d. Jaime.

O príncipe de Parma era casado com a infanta d. Maria, também filha do mesmo infante d. Duarte. O duque de Sabóia era filho da infanta d. Beatriz, sua irmã, e de Carlos, duque de Sabóia.

O senhor d. Antônio era filho natural do infante d. Luiz, seu irmão, todos netos de el-rei d. Manuel, pai dos seus genitores, e do mesmo rei Henrique, seu tio.

El-rei, posto que de princípio se inclinou à parte da duquesa de Bragança, contudo, por ser fêmea, e el-rei católico varão, e por outras razões, se resolveu que a ele pertencia o reino, mas não o quis declarar por sentença, nem em testamento, porque era melhor para os pretensores, e para o mesmo reino de Portugal, que lho dessem por concerto.

Já a este tempo el-rei se achava mui fraco, e foi apertando o mal de maneira que morreu sendo de idade de 68 anos, e os perfez no mesmo dia em que morreu, que foi o último rei de Portugal de linha masculina, e como o primeiro senhor de Portugal se chamou Henrique, assim se chamou o último.

Morto el-rei, os governadores que deixou nomeados foram o arcebispo de Lisboa, Francisco de Sá, camareiro-mor de el-rei, d. João Tello, d. João Mascarenhas, e Diogo Lopes de Souza, presidente do Conselho de Justiça, ainda que não tinham vontade de resistir a el-rei católico, todavia, por dar satisfação ao povo, proveram algumas coisas para a defensa do reino, o que tudo sabido por el-rei, e as diligências que d. Antônio fazia para que o levantassem por rei de Portugal, sentiu muito não poder escusar-se de aproveitar-se das armas, e já estava assegurado da consciência, com pareceres de teólogos e canonistas, que o podia fazer, e se aparelhava para isso; mas escreveu primeiro aos governadores, e a cinco principais cidades do reino, e aos três estados, que estavam em Cortes em Almeirim, pedindo-lhes que o declarassem conforme a vontade do rei-defunto seu tio, e a seu direito. Responderam-lhe que não podiam até que a causa se declarasse por justiça; o que visto por el-rei, nomeou o duque de Alba por general do exército, e mandou que entrassem em Portugal por terra e por mar.

Iam no exército mais de 1.400 cavalos, a infantaria, além dos terços de Espanha, eram quase quatro mil alemães, e seu coronel o conde Baldrou (de Lodron), e quatro mil italianos com seu capitão-general d. Pedro de Médicis.

O duque de Alba, contra o parecer de outros, que diziam que sem tratar da torre de S. Gião (S. Julião), se fossem direitos a Lisboa, e começou de bater com vinte e quatro canhões, e ainda que lhe não fez grande dano, Tristão Vaz da Veiga, irmão de Lourenço da Veiga, governador do Brasil, que era o capitão da Torre, determinou de entregá-la, e mandando pedir seguro ao duque se viu com ele em campo, e se concertou de entregar a fortaleza, se lhe concediam o que d. Antônio lhe havia dado, e assim se fez, e se meteu nela presidiu de castelhanos; o que visto por Pedro Barba, capitão do forte da Cabeça Seca, que até então se não havia querido render, e que o marquês de Santa Cruz, d. Álvaro Baçan, ia entrando com as galés castelhanas, o desamparou, e se foi a d. Antônio, que também foi daí a poucos dias vencido em Lisboa, e retirando-se dela a cidade de Coimbra, e de Coimbra à do Porto, onde o reconheceram por rei, indo sempre em seguimento Sancho de Ávila; finalmente o forçou a embarcar-se no rio Minho, vestido como marinheiro, e passar-se às ilhas, e delas a outros reinos estranhos, onde acabou a vida.

Hei dito estas coisas em suma, não sem propósito, senão para declarar o achaque ou ocasião da morte do governador do Brasil Lourenço da Veiga, .que como se prezava de português, sentiu tanto haver seu irmão Tristão Vaz da Veiga entregue a torre de S. Gião da maneira que temos visto, que ouvindo a nova enfermou, e morreu; e assim acabou o governador Lourenço da Veiga, e nós com ele acabamos também este livro.