História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/IV/III
No capítulo vinte e cinco do livro terceiro tocamos como o governador Lourenço da Veiga desistira da conquista da Paraíba, por el-rei d. Henrique, que naquele tempo governava, a encarregar a Frutuoso Barbosa, que lha pediu.
Havia este homem ido de Pernambuco, e por haver na Paraíba carregados navios de pau por algumas vezes, no tempo das pazes, que lhe os Potiguares fizeram, e por ter conhecimento da terra, e deles, o encarregou el-rei da conquista por contrato que fez em sua fazenda, dando-lhe para isso as provisões necessárias, naus, e mantimentos, e conquistando a Paraíba, a capitania por 10 anos chegou Frutuoso Barbosa à barra de Pernambuco no ano de mil quinhentos setenta e nove em um formoso galeão, e uma zabra, e outros navios, com muita gente portuguesa, assim soldados como povoadores casados, com muitos resgates, munições, e petrechos necessários, assim a conquista como a povoação, que logo havia de fazer; para a qual trazia um vigário, a quem el-rei dava quatrocentos cruzados de ordenado, e religiosos da nossa Seráfica Ordem Franciscana, e de S. Bento, com toda a ordem e recado necessário à empresa, que a fazenda de el-rei devia de custar muito, e em sete ou oito dias, que esteve na barra surto sem desembarcar, nem tratar do negócio a que vinha, lhe deu um tempo com que arribou às Índias, onde lhe morreu a mulher, e tornando dali ao reino partiu dele no ano de mil quinhentos e oitenta e dois, por mandado de el-rei d. Filipe, e tornando a Pernambuco se concertou com os da vila de Olinda que o licenciado Simão Rodrigues Cardoso, capitão-mor e ouvidor de Pernambuco, fosse por terra com gente, e ele com a que trazia, e outra muita que da capitania por serviço de el-rei se lhe ajuntou, por mar, o qual chegando a boca da barra da Paraíba com a armada que trouxe, e alguns caravelões, entrou pelo rio acima, por ter aviso de sete ou oito naus francesas, que lá estavam surtas bem descuidadas, e varadas em terra, e a maior parte da gente nela, e os índios metidos pelo sertão a fazer pau para carregá-las, e dando de súbito sobre elas queimou cinco, esbulhando-as primeiro, que foi um honrado feito, e as outras fugiram com quase toda a gente.
Descuidados os nossos com esta vitória alcançada com tão pouco custo, e nenhum sangue, saindo alguns deles em terra com um filho de Frutuoso Barbosa, rebentou o gentio de uma ilha, em que estava, e dando neles os foram matando até os batéis, aonde se iam recolhendo, sem das naus os socorrerem, que foi coisa lastimosa ver matar mais de quarenta portugueses, em que entrou o filho do capitão, e com a mesma fúria houveram os inimigos de tomar a zabra em que ia Gregório Lopes de Abreu por capitão, que o dia de antes entrara diante, e o fizera muito bem, por ficar na ponta da ilha quase em seco, e a se não defender tão esforçadamente, sempre os índios o tomaram, e acabaram todos.
O capitão Frutuoso Barbosa ficou tão cortado, e receoso deste sucesso, que se levantou com toda a armada, e foi surgir na boca da barra, por se não ter por seguro dentro, esperando a gente que ia por terra, e estando para dar à vela por ver que tardava, chegou o licenciado Simão Rodrigues com duzentos homens de pé, e de cavalo, e muito gentio, o qual no caminho da várzea da Paraíba teve um bom recontro com os Potiguares, que avisados da sua vinda o foram esperar, e meteram em revolta e pressa, se o nosso gentio ajudado da gente branca lhe não tivera aquele primeiro encontro; porque os Potiguares animados da vitória passada se metiam tanto, que vinham a braços com os nossos, mas enfim ficaram vencidos, e desbaratados, e assim chegaram os nossos à barra do rio da banda do norte com esta vitória, com que consolaram os da armada, e animados uns com outros trataram, em oito dias, que ali estiveram, os meios de se fortificarem da banda do norte, porque pareceu impossível da banda do sul, no Cabedelo, por ser mau o sítio, e não ter água, o que não fizeram de uma parte nem de outra, antes fugiram à maior pressa, por verem da banda dalém muito gentio, pelo que mandando dali o galeão com aviso à Sua Majestade do que passava, desesperado já Frutuoso Barbosa de tudo se veio lograr um novo casamento, que à sombra da governação de caminho em Pernambuco havia feito para restauro da mulher e filho, que havia perdido; e assim ficou tudo como dantes, os inimigos mais soberbos, e as capitanias vizinhas a risco de se despovoarem, só os detinham as esperanças, que tinham de serem socorridos da Bahia, onde haviam mandado por procurador um Antônio Raposo ao governador Manuel Teles Barreto com grandes protestos de encampação; o qual fez sobre isto junta, e conselho em sua casa, em que se acharam com ele o bispo d. Antônio Barreiros, o general da Armada Castelhana Diogo Flores Valdez, o ouvidor-geral Martim Leitão, e os mais que na matéria podiam ter voto, e se assentou que fosse o general Diogo Flores, e em sua companhia o licenciado Martim Leitão, com todos os poderes bastantes para efeito da povoação da Paraíba, e por provedor da Fazenda, e mantimentos da armada, Martim Carvalho, cidadão da Bahia, os quais todos aceitaram com muito ânimo e gosto, particularmente Diogo Flores, por ver, já que o jogo lhe sucedeu tão mal no estreito, se ao menos podia levar este vinte de caminho.