História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/IV/II

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Francisco Drake, corsário inglês, passou o ano de mil quinhentos setenta e nove o estreito de Magalhães, e correu o mar do Sul; e d. Francisco de Toledo, viso-rei do Peru, mandou atrás dele a Pedro Sarmento, e Antão Paulo Corso, piloto, os quais havendo passado o mesmo estreito do sul ao norte, chegaram a Sevilha, e daí a Badajós, onde el-rei católico então estava despedindo o seu exército sobre Portugal, e ouvida sua relação, e o desassossego, que no Peru havia posto o corsário; e certificando muito Pedro Sarmento, que no estreito se podiam fazer fortes de ambas as partes, dos quais facilmente com a artilharia se impedisse o passo aos navios, houve pareceres contrários, dizendo que o estreito era mais largo do que Sarmento o figurava, e que quando fosse tão estreito, como dizia, nem por isso se impediria o passo aos navios, pela muita corrente, e porque com um golpe, ou dois de artilharia, não sempre se mete uma nau no fundo, e quando se meta passa outra: entre outros que tiveram esta opinião foi um o duque de Alba d. Fernando Álvares de Toledo,

Porém el-rei mandou que se juntassem no rio de Sevilha 23 naus de alto bordo, com cinco mil homens de mar e guerra, com petrechos para a fábrica destes fortes, capazes para 300 homens de guerra, e alguns povoadores para facilitar mais sua conservação.

Nomeou para general desta armada a Diogo Flores de Valdez, e por piloto-mor a Antão Paulo Corso, e a Pedro Sarmento por governador dos fortes, e povoações. Saiu de S. Lucas esta armada a 25 de setembro do ano de 1581, com tão mau tempo por a pressa que o duque de Medina Sidonia dava, que depois de três dias arribou com tormenta a baía de Cadiz com perda de três navios, havendo-se afogado a maior parte da gente, e tão destroçada, que para reparar-se se deteve mais de 40 dias; tornou a sair com 17 navios, e chegou ao Brasil, ao porto da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, onde invernou seis meses e meio; porque ainda que chegou a 25 de março, que em Espanha é a primavera, nestas partes é o princípio do inverno, em que se não pode navegar para o estreito; e porque neste tempo não estivesse a gente ociosa, a ocupou em fazer estacas para trincheiras, e taipais, e outros petrechos, e em lavrar madeira para duas casas, em que no estreito tivessem as munições recolhidas.

Para o que tudo deu muita ajuda Salvador Corrêa de Sá, governador do Rio de Janeiro, e parecendo que já era tempo para navegar saíram da barra do Rio a 2 do mês de outubro com 16 navios, deixando um por inútil, e tomando a derrota do estreito, que está 700 léguas deste porto, chegaram ao rio da Prata, donde se levantou um temporal de ventos tão fortes, que estiveram 22 dias mar em través, sem poder pôr um palmo de vela; e havendo-se perdido aqui em véspera de Santo André a nau do capitão Palomar, e 236 pessoas nela, sem podê-los remediar; aos 2 de dezembro aplacou alguma coisa o mar, e o vento, e com acordo dos capitães e pilotos tornou Diogo Flores atrás, buscando porto para reparar as naus, porque estavam cinco delas abertas da tormenta, e as mais em perigo de fazer o mesmo.

Foram à ilha de Santa Catarina, 300 léguas dali, a qual ainda que despovoada / por ser de portugueses, que não sabem povoar, nem aproveitar-se das terras, que conquistam/, é terra de muita água, pescado, caça, lenha, e outras coisas: onde a cabo de vinte e dois dias, que ali estiveram, deixou Diogo Flores de Valdez três naus, que não puderam navegar, a cargo do contador André Equinon, com ordem que se tornassem ao Rio de Janeiro, e deu outras três a d. Alonso de Souto Maior, que ia por governador do Chile, para levar a sua gente pelo rio da Prata ao porto de Buenos Aires, donde não há mais que vinte jornadas à China; e o dito Diogo Flores, com as mais, em dia de reis do ano de mil quinhentos oitenta e três, tornou a volta do estreito. As três naus, que ficaram na ilha de Santa Catarina, saíram dali aos 14 de janeiro, e aos 24 do mesmo chegaram à barra de S. Vicente, e na mesma barra acharam os dois galeões ingleses, que estavam para tomar a terra se não chegassem os castelhanos, que os lançaram dali às bombardas, como temos dito.

Diogo Flores de Valdez seguiu seu caminho, para o estreito, levando a terra à vista, sobre a mão direita, até darem com a boca em 53º graus, e entrando com bom tempo como duas ou três léguas, se levantou de repente uma tempestade, que os. tornou ao mar mais de 40 léguas.

Andaram oito dias porfiando por tornar a embocar o estreito; porém não podendo com o vento, não quis Diogo Flores tentar mais a fortuna, por ver as naus destruídas, e a gente enferma de tanto trabalho. Tornou-se à costa do Brasil, ao porto de S. Vicente, e com as naus que trazia, e as duas, que ali achou, passou ao Rio de Janeiro, onde topou a d. Diogo de Alzeda, que por mandado de el-rei com quatro naus o ia socorrer com batimentos, e outras coisas, e parecendo a Diogo Flores que a armada estava desfeita, sem gente, e sem munições, determinou de tornar à Espanha com d. Diogo de Alzeda, e que o seu almirante Diogo da Ribeira, com cinco navios, que lhe deixou, ficasse ali para tornar o verão seguinte, a ver se teria mais ventura de embocar o estreito, e povoá-lo, como el-rei mandava.

Navegando Diogo Flores com os mais navios, que já não eram mais de sete, arribou com uma tormenta, que o fez tornar 200 léguas atrás, a esta baía de Todos os Santos, no princípio do mês de junho de 1583, onde se deteve a concertá-los, para o que da fazenda de el-rei se lhe deu o que foi necessário; e se mandou fornecimento ao Rio de Janeiro para o almirante Diogo da Ribeira seguir a sua viagem ao estreito, e o governador Manuel Teles Barreto o banqueteou, e a todos os capitães e gentis-homens um dia esplendidamente, e o bispo d. Antônio Barreiros outro; mas o que mais fez nesta matéria foi um cidadão senhor de engenho, chamado Sebastião de Faria., o qual lhe largou as suas casas com todo o serviço, e o banqueteou, e aos seus familiares e apaniguados oito meses, que aqui estiveram, só por servir a el-rei, sem por isso receber mercê alguma, porque serviços do Brasil raramente se pagam.