História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/IV/XXII

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Ficando a capitania da Paraíba, na forma que dissemos no capítulo décimo sexto deste livro, entregue ao capitão João Tavares, começou logo a fazer um engenho não longe do de el-rei, com que corria um Diogo Correa Nunes, e pelo conseguinte os moradores mui contentes começaram logo a plantar as canas, que nele se haviam de moer, e a fazer suas roças / que assim chamam cá as granjas ou quintas dos mantimentos, frutas, e mais coisas, que a terra dá.

Chegou neste tempo d. Pedro de la Cueva, espanhol, que havia ido ao reino por mandado de Frutuoso Barbosa, requerer que lhe entregassem a povoação da Paraíba, pois lhe fora dada por Sua Majestade, o qual trouxe uma provisão, para que lha entregassem, e ele ficasse por capitão da infantaria de todos os espanhóis, que cá haviam ficado, assim do alcaide Francisco de Castejon, como do capitão Francisco de Morales, o que tudo logo se cumpriu, ficando o governador Frutuoso Barbosa na povoação, e d. Pedro em um forte, que tinha feito Diogo Nunes Correa nas fronteiras, porém estes dois capitães / como se só o foram para se fazerem guerra um ao outro / começaram logo a ter contendas entre si, deixando os inimigos andar livremente salteando as roças, e fazendas dos brancos, e as aldeias dos índios amigos, em tal modo, que já não ousavam ir a pescar, nem mariscar, porque a qualquer hora que iam achavam inimigos, que os matavam, sem estes capitães porém nisto remédio, mais que escreverem a d. Filipe de Moura, capitão-mor de Pernambuco, e a Pedro Lopes Lobo, da ilha de Itamaracá, que os socorressem, o que de Itamaracá fez levando a gente, e munições, que pôde, e tanto que foi na Paraíba se ordenaram mais duas companhias, uma do capitão d. Pedro de la Cueva, com os seus soldados espanhóis ficando em seu lugar no forte Diogo de Paiva com 15 /, outra de portugueses, de que ia por capitão Diogo Nunes Correa; com os quais, e com a gente do Braço de Peixe, e do Assento de Pássaro, e dois padres nossos, que os doutrinavam, se partiu Pedro Lopes Lobo a correr todas aquelas fronteiras, mandando sempre suas espias, e corredores diante, até darem numa aldeia grande, donde fizeram grande matança, por os acharem descuidados, e cativaram perto de 900 pessoas, as mais delas fêmeas, e moços, o que sabido pelas outras comarcas se vigiavam melhor, não para se defenderem mas para fugirem, e assim quando os nossos chegavam, as achavam despovoadas, e queimaram mais de vinte aldeias, que eram as que faziam mal a gente da Paraíba, e os apertavam na forma que está contado: e vindo por diante discorrendo a uma parte, e a outra, toparam os nossos corredores com uma cerca muito grande, e forte por uma parte, e como a não viram bem que pela outra se encobria com o mato, vieram tão medrosos a dar a nova, que pegaram medo a todos; porém Pedro Lopes, que andava já tão versado nestas guerras, depois de os exortar, e animar com muitas razões toda a noite, o dia seguinte pela manhã os repartiu em três esquadrões iguais, e mandou marchar à vista da cerca, donde vendo o vagar e temor, com que iam, se adiantou, e embraçando a adarga, e a espada na mão se partiu para a cerca, dizendo «Siga-me quem quiser, e quem não quiser fique, que eu só basto», com o que tomaram todos os mais tanto ânimo, que sem mais esperar, cometeram a cerca, e a entraram, matando, e cativando muitos dos inimigos sem da nossa gente perigar pessoa, posto que foram muitos flechados, particularmente uns moços naturais de Itamaracá, que entraram primeiro com alguns negros pela parte do mato, donde a cerca era fraca, e feita de ramos, e esta foi também a causa de se alcançar a vitória com tanta facilidade, porque andando os de dentro travados com estes, e devertidos, não tiveram tanto encontro aos mais, que abalroaram pelas outras partes.

Nesta cerca se detiveram três dias, curando os feridos, na qual acharam muitos mantimentos de farinha, e legumes, e muitas armas, arcos, flechas, e rodelas, e algumas espadas francesas, e arcabuzes, que deixaram 15 franceses, que de dentro fugiram.

Ao quarto dia pela manhã, se partiram para a praia, e caminharam por ela até a baía da Traição, donde tornaram a tomar o caminho por dentro da terra até a Paraíba sem acharem encontro algum de inimigos, que achá-lo, segundo o ânimo, que levavam da vitória passada, nenhum lhe pudera resistir.

Chegados à Paraíba se aposentou o capitão Pero Lopes Lobo na aldeia do Assento com os nossos frades, donde ele, e eles trataram de fazer amigo o governador Frutuoso Barbosa, com d. Pero de la Cueva, e enfim os fizeram abraçar, mas indo-se Pero Lopes à sua capitania de Itamaracá os ódios, e diferenças foram por diante, e pelo conseguinte a guerra dos Potiguares, sem haver quem os reprimisse, até que el-rei mandou ir a d. Pedro para o reino, e Frutuoso Barbosa se foi por sua vontade, e posto que em seu lugar ficou André de Albuquerque, estavam as coisas em tal estado, que não pôde remediá-las esse pouco tempo que serviu o cargo.