História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/IV/XXXIX
Não só zelou o governador a conversão dos gentios, que já estavam de paz na Paraíba, e pediam doutrina, como dissemos, mas também dos que ainda estavam na cegueira de sua infidelidade, e assim logo depois que veio para a Bahia pediu ao padre provincial da companhia Fernão Cardim mandasse dois padres a pregar-lhes à serra da Boapaba, onde o capitão Pero Coelho de Souza andava, porque com isso se escusariam as guerras, que lhes faziam, e o custo delas, e se conseguiria o fim, que se pretendia, que era sua paz, e amizade, para se poderem povoar as terras, o que provincial logo fez, enviando os padres Francisco Pinto, varão verdadeiramente religioso, e de muita oração, e trato familiar com Deus, entendendo nos costumes, e línguas do Brasil, e Luiz Figueira, adornado de letras, e de dons da natureza, e de graça.
Estes se partiram de Pernambuco o ano de mil seiscentos e sete, no mês de janeiro, com alguns gentios das suas doutrinas, ferramenta, e vestidos com que os ajudou o governador para darem aos bárbaros. Começaram seu caminho por mar, e prosseguiram ao longo da costa 120 léguas para o norte até o rio de Jagaribe, onde desembarcaram: daí caminharam por terra, e com muito trabalho outras tantas léguas, até os montes de Ibiapana, que será outras tantas aquém do Maranhão, perto dos bárbaros, que buscavam, mas acharam o passo impedido de outros mais bárbaros e cruéis do gentio Tapuia, aos quais tentearam os padres pelos índios seus companheiros com dádivas, para que quisessem sua amizade, e os deixassem passar adiante, porém não quiseram, mas antes mataram os embaixadores, reservando somente um moço de 18 anos, que os guiasse aonde estavam os padres, como o fez, e seguindo-os muito número deles, saindo o padre Francisco Pereira da sua tenda, onde estava rezando, a ver o que era, por mais que com palavras cheias de amor, e benevolência os quis quietar, e os seus poucos índios com as flechas pretendiam defendê-los, eles com a fúria com que vinham mataram o mais valente, com que os mais não puderam resistir-lhe, nem defender o padre, que lhe não dessem com um pau roliço tais e tantos golpes na cabeça, que lha quebraram, e o deixaram. morto, o mesmo quiseram fazer ao padre Luiz Figueira, que não estava longe do companheiro, mas um moço da sua companhia sentindo o ruído dos bárbaros o avisou, dizendo em língua portuguesa: «Padre, Padre, guarda a vida,» e o padre se meteu à pressa nos bosques, onde guardado da Divina Providência o não puderam achar, por mais que o buscaram, e se foram contentes com os despojos, que acharam dos ornamentos, que os padres levavam para dizer missa, e alguns outros vestidos, e ferramentas para darem, com o que teve lugar o padre Luiz Figueira de recolher seus poucos companheiros, espalhados com medo da morte, e de chegar ao lugar daquele ditoso sacrifício, onde acharam o corpo estendido, a cabeça quebrada, e desfigurado o rosto, cheio de sangue e lodo, limpando-o, e lavando-o, e composto o defunto em uma rede, em lugar de ataúde, lhe deram sepultura ao pé de um monte, que não permetia então outro aparato maior o aperto em que estavam: porém nem Deus permitiu que estivesse assim muito tempo, antes me disse Martim Soares, que agora é capitão daquele distrito, que o tinham já posto em uma igreja, onde não só dos portugueses, e cristãos, que ali moram, é venerado, mas ainda dos mesmos gentios.