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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/V/XI

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Em 12 de outubro de 1621, a uma terça-feira, que o vulgo tem por dia aziago, chegou o governador Diogo de Mendonça Furtado, que foi o duodécimo governador do Brasil, à Bahia, e desembarcando foi levado a Sé com acompanhamento solene, e daí a sua casa, donde antes de subir a escada, foi ver o armazém das armas, e pólvora, que estava na sua loja, demonstração de se prezar mais de soldado e capitão, que de outra coisa, e na verdade esta era naquele tempo a mais importante de todas, por se haverem acabado as pazes ou tréguas entre Espanha, e os holandeses, e se esperarem novas guerras nestas partes transmarinas, que estas são sempre as que pagam por nossos pecados, e ainda pelos alheios, e assim é necessário que as ilhas e costas do mar estejam sempre em arma.

Isto parece que proveu o governador Diogo de Mendonça, quando antes que entrasse em casa, e se desenjoasse, e descansasse da viagem, quis ver o armazém de armas. Com seu antecessor enquanto sendo partiu para o reino correu com muita amizade, visitas de cumprimentos, assim em público nas igrejas, como em sua casa, a que d. Luiz respondia como bom cortesão; e aprestando-se os navios, se embarcou em um patacho de Viana, chamado Manja Léguas, por ser bom navio de vela, deixando a todos saudosos com a sua ausência, porque nunca por obra, nem por palavra fez mal algum, e foi mui rico sem tomar o alheio, senão pelo grande cabedal que trouxe seu, e retorno que sempre lhe vinha, antes fez alguns empréstimos, que lhe ficaram devendo, os quais não sei depois como se lhe pagariam.

Fez em seu tempo uma formosa casa contígua com as suas para se fazer nela relação, que até então se fazia em casas de aluguel; e porque um seminário, que el-rei havia mandado fazer com renda para quatro órfãos estudarem, se havia desfeito, pelas casas serem de taipa de terra, e caírem, começou outras de pedra e cal, mas nem por ser obra tão pia, nem por deixar já para ela seis mil cruzados consignados, houve quem lhe pusesse mão até agora, e queira Deus que alguma hora o haja.

Levou d. Luiz em sua companhia Pero Gouvea de Mello, que fora provedor-mor da Fazenda, e o desembargador Francisco da Fonseca Leitão; e tomou de caminho Pernambuco, para ir em companhia da frota, da qual não quis ir por capitão, por ser de navios mercantes, ou por não ter ocasião de entender com Mathias de Albuquerque, capitão-mor de Pernambuco, com quem não estava corrente.