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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/V/XXIV

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Sabida pelo nosso rei católico Filipe Terceiro a nova da perda da Bahia, a sentiu grandemente, não tanto pela perda quanto por sua reputação, por entender que os holandeses por esta via determinavam diverti-lo das guerras, que atualmente lhes fazia na Holanda, ou que por sustentá-la, e acudir aos assaltos, que continuamente lhe faziam pela costa de Espanha, não poderia acudir a estoutro, como eles diziam, e assim para desenganá-los destes desenhos mandou com muita brevidade aprestar suas armadas, e que entretanto se mandasse de Lisboa todo o socorro possível, não só à Bahia, mas às outras partes do Brasil, para que os rebeldes não tomassem pé no estado, nem ainda o lançassem fora dos limites da cidade, que tinham tomada, porque nisso podiam perigar as fazendas dos engenhos de açúcar, que estão no recôncavo, de que tanto proveito recebem as suas alfândegas.

O que visto pelos governadores do reino d. Diogo de Castro, conde de Basto, e d. Diogo da Silva, conde mordomo-mor, mandaram logo em 8 de agosto de 1624 duas caravelas em direitura a Pernambuco, para dali seguir na ordem que o governador Mathias de Albuquerque lhes desse em socorro da Bahia; eram os capitães Francisco Gomes de Mello, e Pero Cadena, um e outro bem vistos na costa do Brasil.

Traziam de socorro o que em tão poucos navios podia ser, 120 homens de guerra, 50 quintais de pólvora, 1.100 pelouros de ferro de toda a sorte, 20 quintais de chumbo em pão, 1.300 arcabuzes de Biscaia aparelhados, 14 quintais de chumbo em pelouros, duzentas lanças e piques de campo, quatro arrobas de morrão.

Chegou Francisco Gomes de Mello a Pernambuco nos últimos de setembro, onde foi recebido com extraordinário alvoroço, e repiques da vila, sabendo por ele ficarem fervendo Portugal, e Castela em socorro do Brasil. O capitão Cadena chegou mais tarde, por dar de caminho aviso na ilha da Madeira.

Mandaram também os senhores governadores em 19 de agosto da dita era Salvador Corrêa e Sá de Benevides no navio Nossa Senhora da Penha de França com oitenta homens, armados com seus arcabuzes de Biscaia, 14 quintais de pólvora, oito de chumbo, e dois de morrão, ao Rio de Janeiro, em que seu pai Martim de Sá estava atualmente governando. E à Bahia mandaram por capitão-mor d. Francisco de Moura, que já havia sido governador de Cabo Verde, com 150 homens de guerra, 300 arcabuzes aparelhados, 50 quintais de pólvora, 10 de morrão, 29 de chumbo em pão, 150 formas de fazer pelouros.

Com este socorro chegou d. Francisco de Moura a Pernambuco, pátria sua, em três caravelas, das quais ele capitaneava a sua, e as outras duas Jerônimo Serrão, e Francisco Pereira de Vargas, aos quais se ajuntaram em Pernambuco Manuel de Souza de Sá, capitão-mor do Pará, e Feliciano Coelho de Carvalho, filho do governador do Maranhão, que se ofereceram para os acompanharem, e o governador Mathias de Albuquerque lhes deu seis caravelões, e 80 mil cruzados mais de novos provimentos, e nos caravelões se meteu todo o socorro, que vinha nas caravelas, o que tudo se fez dentro de oito dias, no fim dos quais se partiram do Recife, e foram desembarcar à torre de Francisco Dias de Ávila, donde se vieram por terra ao arraial, e em chegando a ele aos 3 de dezembro de 1624 lhe fizeram salva de seis peças de artilharia, o que aos holandeses na cidade deu que entender, porque até aquele tempo não tinham dali ouvido outras, e assim desejavam muito saber o que era, e colher alguém que lho dissesse, para o que fizeram uma saída a S. Bento, onde se encontraram com o capitão Lourenço de Brito em uma emboscada, e lhe mataram o sargento, e prenderam outro homem muito malferido, do qual souberam ser d. Francisco de Moura, capitão-mor, que sucedera a Francisco Nunes Marinho, e este ao bispo, que era morto, das quais coisas nenhuma até então sabiam senão por dito dos negros, a que não davam crédito.

Outra saída fizeram ao Carmo, a qual não lhes sucedeu tanto a seu gosto por ser a tempo que d. Francisco mandava o arquiteto Francisco de Frias reconhecer aquele sítio, e como nele se pudessem os nossos fortificar, e iam em seu resguardo o capitão Manuel Gonçalves, Gabriel da Costa, e os mais, que daquela parte militavam, os quais pelejaram com tanto esforço neste encontro, e lhes mataram, e feriram tantos com morte de um só dos nossos, que o arquiteto foi dizer a d. Francisco que para tão valentes, e animosos soldados não havia mister fazer fortificações artificiais, pois sem elas remetiam aos inimigos como leões. Ia-lhes também faltando já o conduto da carne, e pescado, e por lhes dizerem que na ilha de Itaparica, três léguas da cidade, havia muitos currais de vacas, e boas pescarias, determinaram senhorear-se dela, e para este efeito se embarcaram em duas naus, e algumas lanchas 400 soldados com o capitão Quife, e o capitão Francisco, e indo já nos batéis para desembarcar na ilha no engenho de Sebastião Pacheco, estava Paulo Coelho, capitão da ilha, detrás de uma cava ou bardo da bagaceira da cana, com outros portugueses, donde às arcabuzadas lhe feriram alguns, e impediram que não desembarcassem. E porque em todos os mais engenhos houvesse a mesma resistência, mandou d. Francisco de Moura por Manuel de Souza Deça ver as fortificações, que tinham, e que onde não as houvesse se fizessem, o que fez com grande cuidado. Fez também cabo a João de Salazar de dez barcas para defenderem do inimigo as que trouxessem mantimentos, ou gente do recôncavo ao arraial. Com isto cessaram os assaltos por mar, e também por chegar um navio de Holanda pela festa do Natal, que tomou de caminho outro nosso, que vinha de Lisboa para Pernambuco com cartas de el-rei, e aviso da nossa armada, que vinha.

N. B. — Este capítulo foi copiado das adições e emendas a esta História do Brasil.