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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/V/XXIII

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Ainda que o capitão-mor Francisco Nunes Marinho era velho, e enfermou gravissimamente chegando à Bahia, nem por isso enfraqueceu do ânimo, ou faltou bom ponto do que era do seu ofício, e governo, antes tinha dito a João Barbosa, que o acompanhou, e serviu desde a Paraíba, que por mal que estivesse nunca o dissesse aos soldados, mas tomando-lhe o recado, dissesse que lho ia dar, e tornasse com a resposta em seu nome, que lhe parecesse, o que o dito João Barbosa fazia com tanta prudência e cortesia, que todos iam contentes, e depois que sarou usava de outra cautela, que tendo mui pouca pólvora, mostrava botijas cheias de areia, fazendo entender aos soldados que eram de pólvora, e quando se lhe queixavam porque dava tão pouca, e pediam mais, dizendo que deixavam muitas vezes de seguir os inimigos nos assaltos, porque no melhor lhes faltavam as cargas, respondia que bastava aquilo, querendo antes ser notado de escasso, ou de qualquer outra nota, que descobrir a falta da pólvora, para que de todo não desmaiassem, e deixassem a guerra; assim foi continuando com os assaltos na forma, que o bispo havia ordenado, e era a melhor que podia ser, acrescentando mais duas trincheiras, uma em Tapuípe, e outra da banda de S. Bento, para os nossos que neles andavam.

Ordenou também que andassem dois barcos de vigia um em Itapoã, outro no morro, para avisar os navios que vinham de Portugal, com que se salvaram três ou quatro, e sem mudar o arraial lhe abreviou o caminho para a cidade um terço de légua, para com mais presteza poderem acudir aos assaltos; e no seu tempo soube o capitão Manuel Gonçalves pelas espias, que trazia, que estavam alguns holandeses metidos no mosteiro do Carmo, e deu sobre eles com os mais capitães de que era cabo, onde pelejaram uns e outros valorosamente, e ficaram dos holandeses e dos nossos dois. Outra vez encontrou o mesmo Manuel Gonçalves uns holandeses, que saíram da fortaleza de São Filipe, e matou dois, fazendo recolher os outros: queimou-lhes um batel, e enfim os tinha tão apertados, que senão era por mar poucos passos se atreviam a sair da fortaleza.

Alguns assaltos foram também dar por mar os holandeses, como foi um no engenho de Manuel Rodrigues Sanches, onde lhe tomaram cinqüenta caixas de açúcar, queimando-lhe as casas, e a igreja sem lho poderem impedir, posto que acudiram Manuel Gonçalves, e André de Padilha, pai do capitão Francisco de Padilha, e depois o coronel Lourenço Cavalcanti com quarenta homens, e os fizeram embarcar, matando-lhes, e ferindo-lhes alguns. Outro assalto deram no engenho de Estevão de Brito Freire, donde ao desembarcar lhe resistiu o capitão da freguesia Agostinho de Paredes com alguns arcabuzeiros, os quais por serem poucos, e os inimigos muitos, foi forçado retirarem-se ao alto às casas de um lavrador fora dos pastos do engenho, no qual os holandeses mataram alguns bois, e chegaram a estar às arcabuzadas, e ainda às pulhas com os nossos; mas de noite se embarcaram à pressa, deixando dois bois mortos sem os levarem, e só levaram 20 caixas de açúcar, que acharam no engenho, havendo já de caminho tomado 12 de retame de um engenho de mel, e alguns porcos de um chiqueiro, e se não se houveram assim embarcado não o puderam depois fazer tanto a seu salvo, porque no dia seguinte acudiu o capitão dos assaltos Francisco de Padilha, e Melchior Brandão, e capitão de Paraguaçu com muita gente; e porque uma nau dos holandeses havia ficado em seco, e se detiveram três ou quatro dias em tomar uma água, que abrira, e aliviá-la da artilharia nas lanchas, os ditos capitães se embarcaram com o Paredes, cuidando que saíssem em terra, o que não fizeram, mas concertada e aliviada a nau se foram para o porto da cidade.

Tinha mais o dito capitão-mor Francisco Nunes ordenadas, e feitas setenta escadas para escalar a fortaleza de S. Filipe em Tapuipe, e à força se senhorear dela, e da pólvora dos inimigos para os assaltos, o que não pôs em execução, porque lhe veio sucessor, e trouxe pólvora, e tudo o mais necessário.