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Horto (1910)/No Horto

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..... E tomando comsigo Pedro e mais dois de seus discipulos, Jesus começou a ficar cheio de tristeza e mergulhado na dor. Então disse-lhes: Minh’alma é triste até a morte: ficai aqui e velai commigo.....

(Do Evangelho da Paixão.)

HORTO



« Oro de joelhos, Senhor, na terra
Purificada pelo teu pranto...
Minh’alma triste que a dor aterra
Beija os teus passos, Cordeiro santo!

Eu tenho medo de tanto horror...
Reza commigo, doce Senhor!

Que noite negra, cheia de sombras,
Não foi a noite que aqui passaste?
O’ noite immensa... porque me assombras,
Tu que nas trevas me sepultaste?

Jesus amado, reza commigo...
Afasta a noite, divino amigo! »

Eu disse... e as sombras se dissiparam
Jesus descia sobre o meu Horto...
Estrellas lindas no Céo brilharam,
Voltou-me o riso, já quasi morto.

E a sua bocca falou tão doce,
Como si a corda de um’harpa fosse:

« Filha adorada que o teu gemido
Ergueste n’aza de uma oração,
Na treva escura sempre envolvido
Porque soluça teu coração?

Levanta os olhos para o meu rosto
Que á vista d’elle foge o Desgosto.

Não tenhas medo do soffrimento,
Elle é a escada do Paraiso...
Contempla os astros do Firmamento,
Doces reflexos de meu sorriso.

Não pensa em dores nem canta maguas.
A garça nivea fitando as aguas.

Sigo-te os passos por toda parte,
Vivo comtigo como um irmão,
Acaso posso desamparar-te
Quando me trazes no coração?

Nas oliveiras do mesmo Horto,
Emquanto orares, terás confôrto.

Olha as estrellas... no Céo escuro
Parecem sonhos amortalhados...

Assim, nas trevas do mundo impuro,
Brilham as almas dos desolados.

Mesmo das noites a mais sombria
Sempre conduz-nos á luz do dia. »

Ergui os olhos para o Céo lindo:
Vi-o boiando n’um mar de luz...
E, então, minh’alma, n’um goso infindo,
Chorando e rindo, disse a Jesus:

« Guia o meu passo, nos bons caminhos,
Na longa estrada cheia de espinhos.

Dá-me nas noites, negras de dores,
Uma Cruz santa para adorar,
E em dias claros, cheios de flores,
Uma creança para beijar.

Junta os meus sonhos, no Azul dispersos,
Desce os teus olhos sobre os meus versos...

E vós, amigos tão carinhosos,
Irmãos queridos que me adorais,
E nos espinhos tão dolorosos,
De minha estrada tambem pisais...

Velai commigo, longe da luz,
Que já levantam a minha Cruz.

A hora triste já vem chegando
De nossa longa separação...
Que lança aguda vai traspassando,
De lado a lado meu coração!

Não adormeçam, meus bem amados,
Já vejo os cravos ensanguentados.

Longe, bem longe, naquelle monte.
Não brilha um astro de luz divina?
E’ o diadema de minha fronte,
E’ a esperança que me illumina!

A Cruz bemdita, que aterra o vicio,
Fogueira ardente do sacrificio.

Adeus, da vida sagrados laços...
Adeus, ó lirios de meu sacrario!
A Cruz, no monte, mostra-me os braços..
Eu vou subindo para o Calvario.

Ficai no valle, pobres irmãos,
Da vóvósinha beijando as mãos.

E si ella, inquieta, com a voz tremente.
Ouvindo as aves pela manhã,
Interrogar-vos anciosamente:
« Que é do sorriso de vossa irmã?

Dizei, alegres: « Foi passeiar...
Foi colher flores para o Altar. »

E, quando a tarde vier deixando
Nos labios todos saudosos ais,
E a pobre santa falar chorando:
« A minha neta não volta mais? »

Dizei sem prantos: « A tarde é linda...
Anda nos campos, brincando ainda. »

Livrai su’alma do frio açoite
Das ventanias que traz o Inverno...
Cerrai-lhe os olhos, na grande noite,
Na noite immensa do somno eterno.

Anjo da guarda, de rosto ameno,
Mostra-me o trilho do Nazareno...

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E... adeus, ó lirios do meu sacrario,
Que eu vou subindo para o Calvario!