Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil (2ª edição)/Capítulo 12
naufragamos no caminho
Os portuguezes mantinham a setenta milhas do ponto onde estavamos uma colonia na ilha de S. Vicente. O capitão Salazar resolveu ir até lá a ver se podia fretar um navio. Dos que o acompanhavam nenhum conhecia aquelle estabelecimento, excepto um tal Romão que se obrigou a mostrar-nos a ilha.
Sahimos, e após dois dias de viagem alcançámos uma ilha chamada dos Alcatrazes, nome tomado de uma aves marinbas, faceis de apanhar, que alli se reunem em grande quantidade.
Nesse ponto o vento mudou, de modo que fomos forçados a fundear. Lançamos ancora e desembarcamos na ilha. Os alcatrazes estavam em periodo de incubação, o que nos facilitou a colheita de muitos ovos.
Vimos por lá vestigios de moradores, cabanas em ruinas e panellas quebradas; havia tambem uma fonte d'agua doce nascida entre pedras.
Depois do jantar, que foi constituido de aves marinhas e ovos, formou-se ao sul uma tempestade que nos fez receiar largassem as ancoras e fosse o navio contra as rochas. Era tarde, mas queriamos ainda alcançar o porto de Cananéa.
Lá fomos ter; entretanto fez-se noite escura e não pudemos entrar. Como tambem não podiamos permanecer proximo da terra, onde as vagas, muito violentas, poderiam despedaçar o navio, afastamo-nos. Duarnte a noite, porém, o mar nos arrastou tão longe, que pela manhã não mais enxergavamos terra. Só depois de muito velejar a divisamos de novo, e isso já em plena tempestade.
O homem que havia estado em S. Vicente julgou avistar esse porto e para lá aproámos. Uma forte neblina, entretanto, impediu-lhe de reconhecer a terra, e como a tempestade nos ameaçasse cada vez mais, tivemos que alliviar o navio, lançando ao mar tudo quanto representasse peso. Mau grado á incerteza continuamos a avançar, na esperança de attingir o porto dos portuguezes.
Mais tarde a neblina se desfez e deixou ver terra. Romão declarou que o porto ficava á nossa frente, bastando-nos, para alcançal-o, dobrar o rochedo. Dobramol-o e atráz do rochedo em vez do porto vimos a morte, pois não havia porto nenhum e fomos obrigados a virar para terra e naufragar. Viamos as ondas bater contra a costa com medonho fragor e já rogavamos a Deus que nos salvasse as almas, tamanha era a nossa certeza de uma catastrophe. O navio mais e mais se approximava da terra. As vagas furiosas o suspendiam tão alto que era como se estivesse em cima de uma muralha...

Ao primeiro baque de encontro á costa despedaçou-se. Muitos tripulantes se lançaram á agua e nadaram para terra; outros lá chegaram agarrados aos destroços da embarcação.
Salvamo-nos todos; entretanto lá ficamos sob a chuva, açoitados por um vento furioso que enregelava.
Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.
