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Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil (2ª edição)/Capítulo 2

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CAPITULO II


Da minha primeira viagem, de Lisboa
para fóra de Portugal


Sahimos de Lisboa com mais outra nau, tambem pertencente a Penteado, e alcançamos uma ilha, chamada da Madeira, habitada por portuguezes e pertencente ao rei de Portugal. Essa ilha produz muito vinho e assucar.

Na cidade de Funchal nossas naus se abasteceram de munição de bocca e em seguida velejaram de rumo á Berberia, onde alcançamos Arzilla, cidade que pertenceu outróra a Portuagl, mas está hoje nas mãos de um rei mouro, ou Sheriff.

O capitão contava encontrar alli navios em commercio com os infieis, e por informação de pescadores castelhanos soube que estavam a chegar diversos.

Era verdade, pois ao deixarmos o porto encontramos um bastante carregado. Perseguimol-o e alcançamol-o, mas sua tripulação metteu-se nos botes e conseguiu escapar-se. Vimos em terra um bote vasio que nos serviria para abordar o navio apresado. Fomos buscal-o. Nisto surgiu um bando de mouros a cavallo que vinham protejer o navio. Nossos Canhões, porém, mantiveram-nos á distancia e pudemos a salvo tomar posse da presa, que consistia em assucar, amendoas, tamaras, couros de cabra e gomma arabica.

Levamos tudo isso para a ilha da Madeira e mandamos o nosso navio menor a Lisboa, dar parte ao rei do acontecimento e receber ordens relativas á presa, visto haver negociantes castelhanos entre os seus proprietarios.

El-rei ordenou que tudo deixassemos na ilha, e seguissemos viagem emquanto sua majestade deliberaria sobre o caso.

Assim fizemos e navegamos outra vez para Arzilla, na esperança de encontrar nova presa. Mas o vento, que em parte dessa costa é sempre contrario, não nos deixou alcançar o porto, e á noite, na vespera do dia de Todos os Santos, uma tempestade nos arrojou d'alli para os lados do Brasil.

Estavamos a umas quatrocentas milhas da Berberia quando demos num enorme cardume de peixes. Apanhamos innumeros a linha, alguns bem grandes, chamados pelos marinheiros albacores; colhemos tambem numerosos bonitos e dourados.

Havia em quantidade uns peixes com asas de morcego, do tamanho do arenque; perseguidos pelos grandes, sahiam d'agua aos cardumes e voavam á altura de duas braças, cahindo uns perto, outros longe, a perder de vista. Frequentemente, pela manhã, os encontravamos na soberta do navio, victimas dos seus vôos nocturnos. Os portuguezes chamam-lhes — peixes voadores.

Logo depois alcançámos a linha equinoxial, onde fazia grande calor, e por bom espaço de tempo passámos sem vento nenhum durante o dia. A' noite, porém, sobrevinham trovoadas passageiras, seguidas de vento e chuva. Quando navegavamos a panno isso nos obrigava a uma cautela continua, afim de não sermos surprehendidos.

Depois entrou a soprar um vento forte, breve transformado em temporal e contrario á nossa rota, vento que se persistisse nos acarretaria a fome. Elevamos, então, preces a Deus, pedindo tempo favoravel.

Certa noite, em que tivemos forte tempestade e corremos grande perigo, appareceram muitas luzes azues no navio, cousa que jamais eu vira. Onde as vagas batiam ficava a brilhar a luz azul.

Os portuguezes alegraram-se com o phenomeno, dizendo que taes luzes, a que chamam santelmo, era signal do bom tempo que Deus nos ia mandar. E assim foi. Quando raiou o dia começou a soprar um vento de feição e vimos nisso claramente a vontade de Deus.

Proseguimos em nossa rota. A 28 de janeiro (1548) avistamos terra, que soube ser o cabo de Santo Agostinho. Mais oito milhas de marcha e alcançámos o porto de Pernambuco, depois de oitenta e oito dias de alto mar.

Em Pernambuco tinham estabelecido os portuguezes uma colonia, Olinda, commandada por Duarte Coelho, a quem entregámos os prisioneiros tomados.

Descarregámos as mercadorias que levavamos e depois de liquidados os nossos negocios ficámos á espera de carga.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.