Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil (2ª edição)/Capítulo 22

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CAPITULO XXII
De como vieram a mim e do que
me disseram

Eu não conhecia os seus costumes e julguei que se preparavam para matar-me. Não era assim, pois logo appareceram os dois selvagens que me haviam aprisionado, os irmãos Nhaepepô-açú (panella grande) e Alkindar-miri (alguidar pequeno), e disseram-me que me haviam dado de presente ao seu tio Ipirú-guasú (tubarão-grande), o qual devia cuidar de mim e matar-me em tempo opportuno afim de ganhar um nome á minha custa.

Este Ipirú-guasú havia, um anno antes, capturado um escravo, e por amizade presenteara com elle ao sobrinho Alkindar; este se vira na obrigação de retribuir a honra com o primeiro inimigo que apresasse. O destino quiz que fosse eu o escolhido.

Em seguida disseram-me os dois irmãos:

— Agora as mulheres te vão levar para fóra poracê.

Não comprehendi sinão mais tarde o sentido desta palavra, que quer dizer dançar.

As mulheres pegaram nas cordas e puxaram-me para fóra. Umas me tinham pelos braços, outras pelas cordas do pescoço, de forma que eu mal podia respirar.

Não sabendo o que queriam fazer de mim, consolei-me recordando os soffrimentos de Jesus Christo, tão maltratado pelos judeus. Conduziram-me defronte á cabana do morubichaba Guaratinga-açú, ou o "grande passaro branco". Deante dessa cabana havia um monte de terra fresca no qual me assentaram, sempre seguro por algumas dellas.

Julguei que iam matar-me; procurei com os olhos a iverapema, tacape com que trucidam os prisioneiros, e perguntei se era chegada a hora do meu sacrificio. Não responderam mas veio uma mulher com uma lasca de crystal encastoada num páu arcado e poz-se a cortar-me as pestanas; depois quiz fazer o mesmo á barba.

Mas isto não quiz eu supportar e pedi que me matassem com barba e tudo.

Disseram-me, então, que não era chegada a minha hora e abandonaram a minha barba, a qual, entretanto, veio abaixo dias depois, cortada com uma tesoura que lhes deram os francezes.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.