Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil (2ª edição)/Capítulo 4

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CAPITULO IV


De como eram as fortificações e de
como os Indios combatiam


A praça de Iguarassú era defendida apenas pela estacada de madeira circumdante. Para além desta defesa começava a floresta, onde os indigenas revoltados tinham construido dois reductos, feitos de grossos troncos; atraz delles se retiravam á noite, ou quando atacados.

Ao pé destes reductos haviam aberto trincheiras, dentro das quaes ficavam de dia, só sahindo para guerrilhar comnosco.

Quando atiravamos contra elles, deitavam-se todos, julgando assim livrarem-se das balas.

Os indios nos cercavam de todos os lados, de modo que ninguem podia entrar ou sahir da estacada sem ser flechado. Seu modo de guerra consistia em approximarem-se e lançar settas para cima, de modo que ao cahirem nos apanhassem pela cabeça e hombros. Tambem usavam flechas incendiarias, preparadas com algodão embebido em cêra, que accendiam e lançavam sobre nossos tectos. E tanta certeza tinham da victoria, que já combinavam o modo de nos devorar a todos.

O sitio já durava uns dias, e como nos escasseasem provisões, sendo-nos impossivel arrancar mandioca nas roças vizinhas, todas em poder dos sitiantes, foi resolvido que sahissemos em dois barcos para Itamaracá afim de buscal-as.

Partimos, e encontramos o rio atravancado de grandes arvores derrubadas pelos selvagens. Comtudo, forçamos a passagem.

Vendo os sitiantes que por aquelle processo não podiam deter as embarcações, forcejavam por incendial-as com lenha accesa lançada entre os botes e a margem; depois deitaram ao fogo certas hervas e muita pimenta, para asphyxiar-nos com a fumaça.

Nada conseguiram porque a lenha não ardia a contento, e como durante os trabalhos crescesse a maré, pudemos com facilidade seguir para Itamaracá.

Alli nos provemos de tudo quanto era necessario e nos fizemos de volta.

Ao approximarmo-nos da colonia vimos que os sitiantes não tinham desistido da idéa de nos interceptar o caminho. Novas arvores foram lançadas ao braço de mar e duas dellas, que cresciam á beira d'agua, estavam cortadas pelo pé e mantidas a prumo por meio de cipós, cujas pontas iam ter aos seus reductos. A intenção delles era deixal-as cahir sobre os botes, quando lhes passassemos ao alcance.

Apesar disso forçamos outra vez o passo; uma das arvores cahiu para o lado delles e outra sobre a agua, um pouco atráz dos nossos barcos.

Depois tratamos de romper por entre a tranqueira de arvores que barravam as aguas, e, precisando para isso de auxilio, chamamos a altos brados nossos companheiros da colonia, a qual ficava perto, embora occulta por um capão de matto.

Os selvagens fizeram então uma grande atroada, de modo que nossos gritos se confundissem com os seus e não pudessem ser ouvidos da colonia.

Foi exactamente o que succedeu ; mas mesmo sem o soccorro pedido conseguimos varar a barreira e penetrar com as provisões de Itamaracá na estacada de Iguarassú.

Vendo isto, os selvagens desanimaram e pediram paz, retirando-se em seguida, após quasi um mez de cêrco.

Quando vimos tudo normalizado, deixamos a colonia, de regresso á nossa nau. Em Olinda tomámos agua, carregámos com farinha de mandioca e, depois de receber os agradecimentos do commandante Duarte Coelho, levantámos ferro.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.